03/03/2013

CAPPUCCINO/ CAPÍTULO 2: GRÁVIDA DE UMA NOTA MUSICAL

A amizade que unia Caio e Isabela era bonita demais. Cada vez mais eles compartilhavam as semelhanças que tinham entre si, e até as diferenças, por pensarem que o que sobrava em um faltava no outro, contribuindo para o equilíbrio. Vez ou outra, marcavam-se em posts do Facebook.
Bom, antes de passarmos para a ação, descrevo mais um pouco os personagens: Caio é estudante de Música, e como tal, não ouve qualquer coisa que toca na rádio. Não é como em Letras, na qual conhecemos Musa do Calypso e escolhemos sobre loira ou morena. Sabe que “Ah, moleque” é uma gíria comum, mas acredita que “Ah, muleke lek lek lek” é alguma espécie de afasia. Será?
Com essa breve descrição, você, espectadora assídua, concorda que com todos esses predicados, seria muito fácil ele conquistar o coração do público. O problema dessa estória é a fácil aceitação do personagem. Acredito que no segundo ou terceiro capítulo, será capaz de entender o porquê.
Tentemos nos debruçar sobre um problema que impulsionará a nossa lenta narrativa: todo novato de faculdade já ouviu falar alguma vez na vida no termo “calourada”. Pois bem, minha amiga dona de casa, vai ter uma no final da primeira semana de aulas, em dezembro. Não estranhe, é que o mês escolhido foi para dar maior veracidade ao calendário troncho da universidade-cenário.
Saindo dessa aura intelectual que paira, Caio foi convidado por Bella para aproveitar e comemorar sua entrada na Federal. Ele aceita, mas não contava com um... Imprevisto imposto pela própria faculdade.
-Bom, chegou a hora de vocês se apresentarem pela primeira vez em público. Às oito da manhã deste domingo, está marcada a apresentação de cada um no conservatório. A atividade serve pra verificar como anda a potência vocal de vocês- avisa o professor de Música, ignorando o fato de a calourada acontecer doze horas antes dessa obrigação acadêmica.
Os laços de amizade se estreitam no Facebook, como eu já havia indicado. Entre um post e outro, Bella e Caio estavam on line. E como toda amizade que começa hoje em dia, os elogios sobram e a gente imita a Luana Piovani no comercial da Oi: “pra                quê?”.
-Caio, você vai pra Calourada? É de oito horas, na Concha Acústica.
-Não sei se vai dar pra mim, Bella. É tanta coisa dessa faculdade...
-Ah, mas com o tempo você se acostuma. Vamos?
-Bom, mas vai ter o quê?
-Tinha um cartaz na escada do meu prédio que seriam duas bandas de pagode.
-Não é a minha praia, sério.
-Muito menos a minha, mas eu preciso abrir meu chakras, porque a situação está séria. Se você me levar, eu te dou duas paçocas.
-Também com esse argumento, como é que eu vou faltar?- ambos riem da (estranha) situação- Tá certo, eu vou passar aí e te pegar. Beijo.

XXXXX

Já na festa em si, Caio e Isabela se divertem, sem imaginar a presença do ex-namorado da moça, que circula livremente atrás de algumas meninas. Antes da noite ser estragada, uma saia-justa é criada por Thaís, até então a melhor amiga da moça. As duas se cumprimentam e...
-Menina, onde é que eu te encontro, hein?
-O estágio é puxado demais, Bella. Mas a sorte que é tem cada professor na minha escola que... Dá vontade de fazer uma “loucurinha louca”!
-Thaís!
-Amiga, eu preciso desencalhar. Não dá pra ficar o resto da vida se imaginando ao lado do homem que protagoniza aqueles filmes de realismo fantástico.
-Eu que o diga.
-Só que eu percebi que você está melhor do que eu, hein?- Thaís faz um sinal com as mãos para sugerir que Caio e Bella estão bem próximos.
-Quem? Ah, não. A gente... – logo, o jovem fica vermelho de vergonha.
-Não, mulher. Ele é o Caio, meu novo vizinho. E o mais novo musicista do Ibura.
-Sério? Por favor, se for pra tocar alguma coisa, não toque o coração dela. A carência dela está gritante desde o fim do namoro.
-Thaís!- repreende a amiga mais uma vez.
-Relaxa, Bella. Tá tudo bem. A única coisa que a gente namora é uma boa xícara de cappuccino.
-Claro- Thaís soa um tanto irônica- Bom, vou deixar vocês se divertindo- a moça os beija e vai para o meio do pessoal.
-Desculpa a Thaís, Caio. É que ela pensou...
-Fica fria, Bella.
-Me espera aqui, que eu vou ao banheiro.
-Vai lá, eu fico esperando.
Começa aquele pagode e Caio procura inibir sua cara de extremo descontentamento. Ainda mais quando aparece aquela turba totalmente descontraída com algo que não é Chopin.
E depois de uns chopes, o ex de Isabela está por aquelas bandas do banheiro. Perto dela está Thaís, com duas canecas. Quando a escritora sai do banheiro, sua amiga até então sóbria lhe oferece bebida.
-Quer, Bella?
-Não, obrigada. Você sabe que eu sou bem fraca pra bebida.
-Sei, mas hoje você precisa extravasar, amiga. Sabe? Você teve uma semana difícil, foi demitida, sua vida sentimental está um lixo, você está na pior...
-Certo- Isabela toma a caneca- Agora, me traga outra.
-Já volto.
-Bella?- aparece o tal ex-namorado.
-Você aqui?
-Pelo visto, você já se recuperou.
-Isso é o que você quer que faça. Não é o que consegui. Cadê aquela albina siliconada? Não veio com você?
-Eu terminei com ela. Não parei de pensar em você um minuto sequer.
-A maldita instabilidade masculina...
-Tenho consciência do que fiz, Bella.
-Consciência? Você? Você e a consciência não andam lado a lado, mas nem se quisessem!- Isabela parece estar um tanto alterada. E está!
-Mas o que é que você tem?
-Bom, digamos que terminar um namoro e ser demitida logo em seguida não me tornam a mulher mais feliz do mundo.
-Posso resolver o primeiro problema. Se não for pra ser a mulher mais feliz do mundo, pelo menos posso te fazer feliz.
-E fez. Mas isso ficou no passado, e lá precisa ficar.
-Não adianta disfarçar, Bella. Sei que toda vez que eu chego perto de você, treme mais que vara verde- para isso, ele vai se aproximando.
-Olha aqui, eu não sou Gaby Amarantos pra ficar tremendo por aí. Você é uma página riscada da minha vida. Página que, aliás, você mesmo riscou.
-Será mesmo que não existe um pouco de mim ainda dentro de você?
-Desgraça... Eu não vou resistir...
O cara toma Isabela pela mão e com ela some. Por favor, eu não quero saber pra onde foram. Darei prosseguimento. Caio, coitado, está esperando por sua nova melhor amiga sem se dar conta da existência do rapaz que a levou. Mas aí acontece o que os estudantes chamam de “peripécia”, o acontecimento inesperado ou, caetaneando, o “rapte-me, camaleoa” da trama (pelo menos um deles): ele se lembra da tal prova que ocorreria em doze horas.
-Droga, e agora? E a Bella que não aparece por aqui, minha gente? Vou ter que ir pra casa? Já sei: vou mandar um torpedo: “tive que ir pra casa. Apresentação amanhã. Caio”. Não sei andar por aqui, onde é que eu pego um ônibus?
O cara sai da Concha Acústica sem imaginar o problema que Isabela traria para a sua vida nos próximos capítulos. Chega á sua casa tarde, não dorme de ansiedade, fica seis horas do dia seguinte cantando. E o resultado? Cartelas e mais cartelas de Amoxicilina, com pastilhas de própolis.
Um fato relevante: Bella não chega totalmente bem em casa. Como sai sem a chave, bate desesperada na porta. Dona Cris, que esperava na sala pela filha, pega o molho de chaves e se depara com a menina num estado de calamidade total.
-Minha filha, onde é que você estava?
-Na concha da faculdade...
-Concha? Faculdade? Isabela, o que é que você tem?
-Nada, mãe! Só fui a uma festa.
-Você não encontrou o cafajeste do seu ex, encontrou?
-Jamais!
-Então, com quem você estava? Isabela, eu estou fazendo uma pergunta: com quem você estava?
-Com o Caio. Pronto, falei! O Caio, vizinho novo. Agora me deixa tomar um banho que eu estou morta de cansaço- beija o rosto da mãe.
-Misericórdia! Toma um café e escova os dentes.

XXXXX

Três semanas depois, a diarista Taciana está na casa de Isabela trazendo um monte de roupa suja do quarto de Cristina. Quando ela vai desforrar a cama da escritora, observa ter vários CDs de Britney Spears.
-Ótimo. Odeio faxina silenciosa.
E põe no volume máximo uma tal de “Circus”. Não foi escolhida por acaso. Dona Cris arma o circo mesmo, por dois motivos diferentes.
-Mas que bagunça é essa aqui em casa?
-Ô, dona Cris. Desculpa. É que eu me empolguei. A senhora sabe que eu amo a Britney...
-Você anda assistindo demais ao canal 7. Já disse que isso está te fazendo mal.
A mãe de Isabela encontra um teste de gravidez em cima da cama.
-O que é isso? Isso é seu?
-Eu, hein, dona Cris? Tá com o juízo aonde? Isso daí devia estar em cima da cama.
-Tem certeza que não é seu?
-Lógico.
-Mas quem ia usar isso? E olha só: mudou de cor. Deu positivo. Gente, será que a Bella... Não, eu não vou nem imaginar.
-Bom, se não é da senhora...
-Claro que não é meu, doméstica. Mas a Bella disse que não andou se encontrando com o ex. Então...
-Só pode ser de outro.
-Outro? Que outro o quê... Ah, não!
-Tá passando bem?
-Se não é o ex-namorado, é o filho do padeiro. A Isabela saiu com o filho do padeiro e voltou alta pra casa. Só pode ser isso: a Isabela está grávida e é do filho do padeiro.
Imaginação: a gente se liga em você.

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