31/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 31

Yuri está numa piscina escura completamente mergulhado, com os olhos fechados. Assim que se dá conta da profundidade em que está, trata de subir à superfície. Lá, ele encontra Lana e o anjo da morte.
-Lana? Eu não acredito... Eu te encontrei de novo. Pensei que nunca mais ia te ver.
-Claro que a gente ia se ver, Yuri- responde friamente- Neste lugar escuro, frio, onde todos que não se arrependem dos seus erros vão parar. Como eu.
-Por que você está falando assim?
-Será que você não percebeu que se destruiu com a minha ajuda? Claro que percebeu- aos poucos, vai submergindo com o anjo- Mas ainda assim, fez questão de se matar aos poucos. Tanto que foi embora mesmo depois de ter largado as drogas. É uma pena que você não possa ir comigo.
-Não? Pra onde você vai?
-Pra um lugar onde só quem tem ódio no coração consegue entrar. Você é passional demais, Yuri. Sai de cena querendo ficar, ter uma nova chance, mas carregando o mesmo ódio no coração que eu. Infelizmente, muitos de fé pediram por sua vida e conseguiram te salvar.
-Mas eu ainda estou aqui.
-Pra você ver como sua mãe te ama. Como o seu pai, o homem que você mais odeia, te ama... Até aquele pirralho, o Igor, gosta de você. Graças a ele, todos se voltaram pra pedir que você se salvasse. E você se salvou. Se você ainda não voltou, é porque querem mostrar o quanto os milagres podem surpreender.
-Eu não quero aquela vida de novo. Não quero.
-Sei que não. Por isso eu vou estar te esperando. Esperando você fraquejar de novo. Está na hora de você se voltar à luz. Só assim você vai se livrar do que pode te incomodar. Adeus.
-Não me deixa sozinho.
-Não. Você não está sozinho. Muitos podem te acompanhar no sofrimento, mas outros mais vão ver cada uma das suas vitórias- desaparece com o anjo, em meio às águas escuras.
-O que vai acontecer comigo agora?

XXXXX

-Pai! Pai! Socorro! Ele está morrendo!
-Não! Ninguém vai me vencer! Ninguém vai me vencer!- grita Otaviano, ainda carbonizando, sem perceber que isso é consequência dos seus atos.
Igor chora, crente de que perderá o pai biológico, mas põe os joelhos no chão, no qual estão diversos objetos de decoração da igreja, despedaçados com o incêndio causado.
-Faz ele se arrepender! Faz ele ser um homem melhor! Eu sempre confiei em Você quando ninguém me dizia pra confiar! Devolve a vida ao meu pai. É o que eu te peço agora, sabendo que Vai me dar. Já perdi minha mãe, já perdi meu irmão... Não leva a minha família embora de novo. Faz o que ninguém pode fazer: Faz o impossível...
Das telhas do templo, começam a sair gotas transparentes, que se juntam no centro do teto e vão caindo, aos poucos, sobre Otaviano, cujo rosto já não mais se pode ver por conta do fogo. O fogo que consome a própria igreja fica mais brando, mas ainda não se apaga. O empresário está com os olhos fechados, em meio à dor das queimaduras que sofre. Ao abri-los, vê seu filho ajoelhado, pedindo para que ele seja salvo.
As gotas começam a cair cada vez mais depressa, não sobre a igreja, mas sobre o corpo de Otaviano. Mas a roupa dele não fica molhada, sequer chamuscada. As faíscas desaparecem e não deixam vestígios de que realmente existiram. Até que ele escapa de ser carbonizado. Assim que se sente liberto do fogo, Otaviano estranha a calma de seu filho em meio ao incêndio.
-Igor?- isso lhe faz abrir os olhos.
-Pai? O senhor... O senhor está bem...
-Não... Não me chama de pai, garoto... Eu não sou seu pai, eu não me sinto seu pai... Mas... O que aconteceu comigo? Eu peguei fogo... Eu estava pegando fogo, como é que...
-Você não acredita. Você nunca acreditou no poder da oração. Quando a gente é sincero pra pedir.
-Eu pedi. E perdi o meu filho. O que adiantou orar?
-Pedi por você. Pra salvar sua vida. Só coloquei meus joelhos aqui- continua na mesma posição- E me escutou. Você está vivo.
-Por quê? Por que você orou por mim?
-Porque amor é isso, seu Otaviano. É gostar de quem odeia a gente. Do mesmo jeito que o senhor odiava a minha mãe, ela amava o senhor, passava não sei quantas noites chamando o seu nome. Do mesmo jeito que eu gosto do senhor, mesmo me tratando mal. Do mesmo jeito que o senhor gosta do Yuri, mesmo ele te tratando mal.
-Já não trata mais. O Yuri está morto.
-Quando eu conheci a dona Ana Maria, eu sabia que ela me apresentar o senhor. Eu não sabia quem o senhor era, nem que era meu pai. Mas eu sabia que tinha que conhecer o homem que nunca saiu do coração da minha mãe.
-Igor...
-O senhor me acusou de ladrão, tentou me matar e me abandonou. E mesmo assim, eu gosto do senhor. Sabe o que é isso? Amor. Mas o senhor tem e não sabe usar.
-O... O pastor... O que foi que eu fiz?- corre para abrir a porta do cômodo- ele ainda está desmaiado- Pastor? Pastor, acorda!
-Ele engoliu a fumaça.
-A gente tem que chamar uma ambulância, ele pode ter morrido por asfixia.
-O que aconteceu... Otaviano? O que está fazendo aqui?
-Não se lembra de nada? Eu estava transtornado, coloquei fogo na sua igreja! Ela ainda está pegando fogo!
O pastor olha para o lado de fora da porta e estranha o que lhe está sendo dito.
-Que fogo? Não há fogo nenhum.
Otaviano se levanta e vê que a igreja está na mais perfeita ordem.
-Mas como... O que aconteceu?- as lágrimas vêm aos olhos- Eu destruí esse lugar! Eu ateei fogo aqui! Por que tudo está normal?
-Porque aqui é lugar de adoração. É lugar de cura, é lugar de milagre. Quando não acontece aqui, acontece onde estiver aquele que acredita no milagre.
-Sim, Igor- concorda o pastor- A igreja é um lugar sagrado. Mas mais sagrado do que ela, só quem é adorado dentro dela.
-Meu filho... Eu quero ver o meu filho pela última vez...
-Calma! Eu vou com o senhor!
-Obrigado- abaixa a cabeça.
-Por quê?
-Por ter orado por mim, quando eu achava que não tinha mais jeito.
-Não duvida. Vão acontecer mais milagres.
-Nada seria melhor do que ter o meu filho de volta. Isso não vai acontecer.
-O que houve com o seu filho?- o pastor continua sem se lembrar do que aconteceu.
-Depois eu volto e conto.
-Sabe que pode voltar pra essa casa quando quiser, meu irmão.
-Sim, sei muito bem- Otaviano não entende absolutamente nada do que aconteceu- Obrigado, pastor.
-Que a paz esteja convosco.
-Vai estar. Vamos pro hospital, seu Otaviano.
-Antes que... Ele vá ao IML. Vamos, Igor?- chora ao caminhar pelas ruas, acompanhado do filho bastardo.
-Seja qual for a dor desse homem, ele vai se recuperar. Creio tão somente nos milagres que serão operados nessa vida- diz o pastor, quanto observa Igor e Otaviano se afastarem.

XXXXX

O médico está segurando uma prancheta e conversando com uma das enfermeiras do hospital. Atônito, Otaviano aparece ao lado do filho.
-Eu preciso da sua ajuda, doutor.
-Dr. Otaviano? O que houve?
-O meu filho...
-Yuri Bittencourt. O que quer saber a respeito agora?
-Quero saber se... Se já levaram o corpo dele pro IML. Se não levaram, me deixe vê-lo. Doutor, me permita tocar no meu filho pela última vez.
-Por favor, o senhor pode me explicar o que significa isso? Como “pela última vez”? Por que seria a última vez?
-Que pergunta é essa, doutor?- dá um riso desconcertado e rápido- O senhor viu tudo o que aconteceu, estava comigo, estava coma a Ana Maria quando o Yuri... Onde está o meu filho?
-Recebendo uma medicação no quarto. A mãe dele, a dona Ana Maria, entrou para alimentá-lo. Ele ainda está muito debilitado, mas a situação já foi controlada.
-Tenho que entrar no quarto. Preciso vê-lo- corre ao encontro do filho.
-O que será que deu nele?
-A noite não teve fim pra ele, doutor. Só quem sabe o que é milagre explica a noite que ele teve. Mas milagre a gente não explica, doutor- Igor justifica a reação do pai, que entra no quarto.
-Otaviano?- Ana Maria estranha a forma como o marido aparece no quarto.
-Meu filho... Eu pensei que... Que... – abraça o adolescente, ainda deitado na cama- Me perdoa, meu filho! Me desculpa por tudo, por todos esses anos, por todo o tempo em que eu me afastei de você.
-Pai, está tudo bem. Quem tem que me desculpar é o senhor.
-Eu? Mas eu só te fiz mal. Pra você e sua mãe. O tempo todo. Eu te vi morrer. Aqui nessa cama, com ódio de mim.
-Fui embora. Vi o que eu fiz com você, com a minha mãe... Eu quero a minha vida de volta. Não quero mais fazer o que eu fazia antes. Eu não quero morrer, pai, não quero!
-Você não vai morrer! Você é meu menino, meu filho homem! Eu vou te proteger até quando você ficar bem velho, já feito na vida. Eu não amo mais ninguém nesse mundo que não seja você- o olhar do pai fica com pesar.
-O que foi, pai?
-Me espera. Me espera aqui, filho. Eu tenho que trazer uma pessoa aqui- abre a porta do quarto, deixando Ana Maria curiosa. Ele vê o outro filho no corredor.
-Não entrou no quarto pra ver o Yuri?
-Entrei. Mas acho que eu senti falta de alguém que pode fazer o meu filho feliz. Que vai ajudá-lo a começar uma vida nova. Um irmão. O irmão dele. O único irmão que ele tem. Você.
-O senhor não está falando sério...
-Depois dessa noite, você acha que não, Igor? Vem comigo. Vem ver o seu irmão.
Receoso, ele acompanha o pai e vai até o quarto. Yuri dá um pequeno sorriso, enquanto enxuga as lágrimas.
-E aí, cara? Parece que a gente vai se aguentar mais um tempo lá em casa. A minha mãe falou que você rezou muito por mim.
-Orei. E vi tudo dar certo.
-Não. Não acabou ainda. Yuri, eu preciso contar a verdade. Igor é seu irmão.
-Sabia. Só isso pra explicar por que você não ia com a cara dele.
-Você sabia que ele é um garoto muito especial e que eu quero ver ao seu lado. Toda a minha vida.
-Por que o senhor está fazendo isso comigo?
-Porque eu não ia cumprir a minha promessa de ser um homem melhor se você não me fizesse acreditar na existência dos milagres. Agora vai. Faz o que você tem vontade de fazer.
Igor olha para Yuri, ainda um pouco confuso depois de tudo o que houve, e o abraça na cama. Logo, as vestimentas dos garotos ficam úmidas de tantas lágrimas emocionadas que são derramadas. Mas nenhum momento parece ser mais tocante do que Otaviano abraçado aos filhos. Ana Maria se sente comovida com a atitude mais nobre que já viu seu marido tendo.
-Só vocês pra me ensinarem o que é amor de verdade. Eu amo vocês... Meus filhos.

XXXXX

Abandonada, a empresa de discos de Otaviano está cheias de teias de aranha. Apenas um funcionário varrendo tudo, e em seguida se senta para descansar.
-Bom dia- aparece Otaviano, de uma forma mais humilde.
-Dr. Otaviano, o senhor por aqui?- levanta-se, com receio de ser advertido- Eu ainda não limpei a sua sala.
-Não precisa. O senhor pode ir pra casa.
-Mas eu cheguei não faz nem duas horas.
-Eu quero ficar aqui, sozinho. Sozinho olhando para o lugar onde eu vivi os dias mais felizes da minha vida.
-Vai saber se o senhor não volta a ser feliz?
-Posso conviver com os meus filhos. Isso vai me fazer recomeçar.
-Não, Otaviano- Ana Maria o surpreende- A sua história vai muito além de um final feliz reservado para os seus filhos.
-Eu acho que vocês têm que conversar. Vou deixar a chave com o senhor- entrega a Otaviano- Com licença. Até amanhã.
-Até.
-Ana Maria? O que está fazendo aqui?
-Essa pergunta você fez muitas vezes quando eu vinha visitar a empresa de meu pai. E eu sempre era expulsa, muitas vezes na frente dos acionistas.
-Já entendi. Quer me humilhar?
-Não. Eu não sou tão mesquinha quanto você é... Quanto você era no passado. Vim pra te entregar isso- mostra um envelope.
-O que é isso?
-Essa é uma procuração que o Yuri pediu pra fazer. Ele quer que você use o dinheiro dele para pagar a dívida que o Humberto Meirelles fez, e recontrate todos os funcionários da gravadora. E eu também me comprometi a ajudar o Yuri dando todo o meu patrimônio.
-Não, Ana, eu não posso aceitar isso. Vai ser tirado do futuro dele.
-Quem te viu, quem te vê... Mas o próprio Yuri me pediu isso. Ele quer que você recomece. Sabe que você não vai dar tanta importância ao dinheiro, como fazia antigamente.
-Mas até a empresa dar lucro, eu não tenho como sustentar vocês.
-Como a casa é minha, eu decidi vender. A maior parte do dinheiro eu vou investir num apartamento. O resto eu vou usar pra pagar o salário da Sônia e do Geraldo. São os que me acompanham há mais tempo. Não vou me desfazer deles. Claro que vai ser menor o pagamento, mas... Eles vão entender. Dá também pra sustentar o Igor, a Betina e o nosso filho.
-E nós, Ana Maria?
-“Nós” é sofrimento, “nós” é decepção, “nós” é dor. Eu não tenho como te ver como homem. Decidi abrir o leque de possibilidades que eu tenho. Também quero começar do zero.
-Com o Frederico.
-Não, comigo mesma. Eu tenho um compromisso a honrar com você. Eu quero te ajudar a reconstruir a “TimBRe” pelo nosso filho, pelos seus filhos. Se for pra ser com o Frederico, eu vou esperar a dor dele passar. Mas não vou deixar de ser feliz antes disso. Vendo o meu filho livre, limpo, desintoxicado, se tratando na ONG, o que eu posso querer? Só agradecer, Otaviano. E agradecer a você também.
-A mim?
-Por ter me feito uma mulher forte pelo sofrimento e por estar me fazendo uma mulher feliz. O seu amor pelo Yuri vem fazendo ele pensar em mudar, em melhorar. Não tenho que te criticar em nada.
-Deixou de me amar, Ana Maria?
-Mais do que isso: deixei de sofrer.

31 DE OUTUBRO DE 2013

Betina entra no ônibus com algumas amigas da escola. Ela fica surpresa que, lá no fundo do veículo, esteja Igor, segurando várias canetas e com um boné. Corre pra abraçar o irmão.
-Menino! O que você está fazendo aqui?
-Esperando encher de gente pra vender as canetas da ONG do Fred.
-Olha, e a tia Ana. Está em casa?
-Não, hoje ela está inaugurando uma casa de recuperação pra dependente. O dinheiro da gravadora vai entrando e ela vai gastando mais com isso.
-Também, não é? Ela não quer que as outras não passem o que ela passou.
-Mas ele está liberto. E vai fazer um show hoje!
-Vai tocar? Sabe que eu nunca vi o Yuri tocar?
-Nem vai ver. Você é muita nova pra ir a essas coisas, Betina.
-Teu pai vai?
-Vai. Ele nunca viu ele assim, profissional, sabe?
-Muito orgulho do Yuri.
-Está bom de gente no ônibus, não é?
-Vai lá, maninho- Betina pega um celular e filma a ação.
Igor começa a circular pelo coletivo com uma bolsa.
-A paz do Senhor pra cada um dos irmãos que está aqui nesse ônibus. Meu nome é Igor e eu trabalho na ONG “Luz Nova”. A nossa ONG ajuda meninos que são viciados em drogas, e eu digo isso porque o meu irmão também já passou esse caminho. Mas hoje ele acredita que o poder de restauração é presente na vida daquele que querem aceitar o milagre da saúde restaurada. Hoje, eu estou vendendo essa caneta por dois reais, por apenas dois reais. Esse valor vai ser levado pra nossa instituição, que já ajuda muitos dependentes há dezenove anos. Não damos o mesmo amor que as famílias dos usuários de drogas dão, mas temos a mesma fé que elas têm. Eu vou deixar na mão de cada um e quando vocês segurarem, eu quero que vocês lembrem de que tem muita vida sendo restaurada e que como o poder do Pai não tem outro igual.

XXXXX

À noite, Yuri chega num skate na boate em que discotecará. Otaviano, Ana Maria e Frederico estão esperando na porta.
-Filho- os dois primeiros vão cumprimentá-lo.
-E aí, gente? Cadê o Igor?
-Igor está chegando já, já- explica Frederico- Foi resolver umas coisas na ONG.
-Falei com ele pelo telefone. Ele disse que a senhora e o Fred tinham uma surpresa.
-Bom, o Fred já vinha tentando algum tempo resolver o problema da infertilidade e... Mais uma vez, não fomos desamparados. Você vai ter um irmão, Yuri.
-Outro? Mas o Igor vai ficar com ciúmes desse jeito, hein?- brinca- Parabéns!- abraça ambos.
-O maior sonho da minha vida vai se realizar. Mas eu já tenho muitos e muitos filhos, essa é que a verdade.
-Parabéns, Frederico. Agora você vai poder sentir a bênção que é ser pai.
-Obrigado, Otaviano- enquanto eles conversam, Yuri se aproxima de uma moça que está fumando um cigarro suspeito.
-Posso falar contigo?
-O que é, moço?
-Quer entrar também?
-Não, é festa de crente. Não vão me deixar entrar.
-É festa de bênção. Quem quer de verdade, recebe. Você quer e precisa. Vem comigo, mas larga o cigarro, OK?
-Eu não posso.
-Pode quando a tua força vem do céu. Pega a minha mão.
Otaviano, Frederico e Ana Maria estão aflitos que a proximidade de uma dependente possa fazer Yuri cair em tentação. Mas ele a leva calmamente, ainda que ela olhe o cigarro que deixou cair no chão.
-Pra onde é que você vai?- pergunta a moça, após entrar e ser seguida de perto pelos três.
-Vai por mim. Você vai curtir- Yuri sobe e um grande painel anunciar a sua chegada. Quase todos glorificam o espetáculo que está para acontecer. O jovem de dezenove anos pega o microfone.
-Quem entrou aqui não vai sair do mesmo jeito. Hoje é dia de unção, galera!- ovações e glorificações continuam sendo ouvidas. Igor chega acompanhado de Sônia e Geraldo, que vieram prestigiar o garoto que morou com eles a sua vida inteira. Yuri avista o irmão e o chama para subir no palco.
-Não, cara. Eu não sei tocar.
-Você vem cantar, porque eu vou botar essa galera pra pular e essa eu sei que você sabe.
Assim que o primeiro toque característico daquele remix é ouvido, Igor reconhece a canção e sorri para o irmão. Ana Maria e Frederico choram emocionados ao ver os irmãos juntos lá em cima, assim como Geraldo e Sônia. Igor pega o microfone e começa a entoá-lo.
-Quando tenho medo de fracassar, quando tenho medo de não vencer, quando tenho medo de ser, quando tenho medo de não tentar, quando tenho medo de não romper, quando tenho medo de ser... O verdadeiro amor lança fora todo medo, o verdadeiro amor lança fora todo medo, o verdadeiro amor que vem de Deus me ensina a não temer! O verdadeiro amor lança fora todo medo, o verdadeiro amor lança fora todo medo, o verdadeiro amor que vem de Deus me ensina a não temer!
Otaviano revive por alguns segundos seu drama com o filho enquanto dependente e segura a mão da moça que com ele entrou. Sem titubear, ele a leva ao chão. Ambos ficam de joelhos e se sentem livres do mal.
Enquanto todos dançam a canção, repetida por Igor, Yuri vai às lágrimas, emocionado com o que o pai acaba de fazer. Olha para o irmão e reconhece a importância dele em meio a toda essa estória.

Engana-se aquele que pensa que os personagens presentes tiveram um maravilhoso desfecho. O final só é feliz... Até o próximo milagre.

30/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 30


Ao perceber que Lana seria capaz de atirar contra sua mãe, Yuri abandona o skate que estava segurando e corre para empurrar Ana Maria e Frederico. O projétil acaba despedaçando o vidro da vitrine da loja de noivas. Todos que estão naquela rua correm apavorados com o barulho. Não se dão conta de quem efetuou o disparo.

Furiosa por não ter conseguido acertar Ana Maria (caída no chão ao lado de seu marido e do filho), Lana corre em direção a ela, com o revólver apontado para a inimiga. Mas duas cenas de sua vida se entrelaçam naquele instante: a primeira vez em que foi atropelada por Frederico, que a tirou da pobreza e tentou livrá-la de uma conduta perigosa, sem sucesso... E agora, numa repetição da primeira cena, causada por sua desatenção. Novamente, ela é atropelada, batendo com o rosto no para-brisa do carro e sendo levada à calçada pelo impacto.

O marido corre, junto com os outros, para amparar a delinquente, que não está desacordada.

-Lana! Lana, fala comigo! Fala comigo, Lana!

-Você não podia ter feito isso comigo... Não com ela, Fred.

-Eu vou chamar a ambulância, você vai ficar boa logo.

-Não! Eu sei que não vai dar tempo.

-Não fala isso, Lana! Claro que vai!- disca o número.

-A gente foi tão feliz e teve que acabar assim? Segura a minha mão, Fred. Por favor, segura- ele atende o pedido, relutando- Eu menti pra você, e ocultei muitas coisas.

-Já sei de toda a verdade, Lana. Ouvi tudo o que você falou.

-Não. Tem mais. Quando a ONG fechou no vermelho e você pediu dinheiro pro Otaviano... Fui eu quem tirou o dinheiro de lá.

-Não, eu não quero mais ouvir...

-Tirei pra dar droga aos meninos do terminal... Pra comprar arma pra eles assaltarem... Do terminal que você viu na televisão... – a respiração começa a ficar ofegante- Eu menti pra você... Nunca consegui ser a mulher que você queria... Nunca vou ter tempo de ser... Yuri, me dá a mão- o adolescente, em estado de choque, não consegue pronunciar qualquer palavra- Gosto muito de você, viu? Eu não me arrependo de nada do que eu fiz. Vou sentir sua falta...

-Você vai ficar bem, eu sei que vai...

-Queria tanto acreditar nisso... Mas o meu tempo não existe mais... Acabou... Menos o que eu sinto... Pelos dois... Isso... Ana Maria... Você não vai... Tirar... – falece.

-Você não pode fazer isso comigo, Lana! Você não pode me deixar aqui sozinho! Não! Não! Volta! Volta pra mim! Eu quero você aqui! Não me deixa! Não me deixa, Lana! Volta pra mim!- Ana Maria corre pra abraçar o filho, enquanto Frederico fecha os olhos da esposa.

-Calma, meu filho! Eu estou com você! Você tem que superar, Yuri!

-Eu quero ela aqui! Eu amo a Lana, mãe! E ela me amava também! Eu quero a... A... – começa a sentir falta de ar.

-Yuri? Yuri, o que é que você tem?

-Filho! Meu filho! Fala o que você está sentindo! O que você tem?

-Lana... – fala com muita dificuldade- Lana... – acaba desmaiando nos braços da mãe.

-Yuri! Yuri, me responde, meu amor! Acorda, meu filho! Fala comigo! Diz alguma coisa!

-Acho que ele teve uma overdose, Ana!

-Não, meu filho! Fala comigo, Yuri! Acorda!



XXXXX



No hospital, Otaviano chega e encontra Ana Maria e Frederico juntos.

-A Sônia me avisou. O que aconteceu?

-Não sabemos ainda, Otaviano. O médico está examinando o Yuri.

-O que você está fazendo aqui, Frederico?

-Depois eu te conto tudo. O mais importante agora é saber notícias do nosso filho.

-Nosso filho? Que coisa, não é, Ana Maria? Até bem pouco tempo atrás você dizia que ele era só seu, por causa da ligação entre vocês. E agora, seu filho está internado e você não sabe o que ele tem?

-Com licença- chega o médico- O senhor é responsável por Yuri Bittencourt Passos?

-Sim, eu sou o pai dele, doutor. O que meu filho teve?

-Foi uma overdose?- desconfia Ana Maria.

-Não, o que ele teve foi uma crise de abstinência.

-Como é possível?

-Bom, como vocês devem saber, o Yuri fez uso de substâncias ilícitas durante um bom tempo... Isso explicou muitas alterações no comportamento dele. E ele chegou a largar o vício em um determinado tipo de droga. O problema é que o corpo dele já estava acostumado a fazer com que ele ingerisse drogas em grandes quantidades, quem sabe até mais de um tipo delas... É como se o corpo não se reconhecesse agora que ele estava limpo.

-Ele prometeu à Lana que iria se comportar pra voltar pra casa- constata Frederico.

-Lana? Mas o que a Lana tem a ver com isso?

-Depois eu explico, Otaviano. Doutor, o que eu quero saber é quais são as chances que o Yuri tem de sobrevida.

-Não vou poder mentir pra vocês. O quadro do Yuri é muito delicado. As próximas horas podem ser decisivas.

-Quer dizer que...

-Sim, senhor. O Yuri está demorando a responder os nossos estímulos, e isso é incomum pra uma crise de abstinência. Temo que ele não sobreviva.

-Não... Não! O meu filho, não! Ele tem que viver, Frederico! Ele tem que sobreviver... – abraça o dono da ONG, causando constrangimento a Otaviano, que sofre da mesma dor que ela.

-Doutor, salve o meu filho.

-Nós já fizemos o que era possível, senhor. A medicina não pode fazer mais nada por Yuri, a não ser esperar pra saber o que vai acontecer. Eu creio que só mesmo algo sobrenatural possa trazer seu filho de volta. Sequer sabemos se ele vai acordar.

Otaviano sai correndo pelo hospital e desce às escadas, até encontrar uma capela com uma grande cruz pregada à parede.

-Se Você existe mesmo, traz o meu menino de volta. Todo mundo sabe o quanto eu o amo, e que eu trocaria de lugar por ele. Só por ele. Salva o meu filho, se Você existe. E eu me torno outra pessoa. Um homem melhor. Um homem que para de pensar que é dono do tempo e age de acordo com a Sua vontade, mas tira o meu filho desse hospital... – Otaviano cai de joelhos, aos soluços- Salva o meu filho...



XXXXX



Sônia está assistindo ao noticiário na sala, ao lado do telefone, aflita. Igor vem de seu quarto até onde a governanta está.

-Tem alguma notícia do Yuri?

-Nada, meu filho. Parece que o caso dele é muito grave. Mas eu vou fazer uma novena pra que ele saia do hospital e volte pra casa rápido.

-Ele vai sair. Se a gente confiar- aponta pra cima- Ele sai de todo jeito.

O telejornal noticia.

-Um homem procurou a polícia e confessou ter assassinado a mulher e sequestrado os dois filhos. Jandir da Costa Antunes, de trinta e oito anos, matou há quase um ano a companheira dele, Rosane Pinheiro Antunes. Os dois sofreram um acidente de carro e Jandir, em depoimento para a polícia, disse ter empurrado o carro pra que ele caísse numa ribanceira. Tempos depois, ele assumiu a criação dos filhos e os obrigou a trabalharem na rua para o seu sustento. Os garotos foram resgatados e estão sob a custódia de Ana Maria Bittencourt Passos, acionista da gravadora “TimBRe”, que os encontrou na rua. O motivo do crime foi o fato de que Rosane teria afirmado ao companheiro que o filho mais velho do casal não era dele. Após narrar com riqueza de detalhes à polícia, Jandir está preso na delegacia de Ypiranga e deve ser transferido em breve.

-Que horror. Você deve ter sofrido muito na mão desse homem, não é?

-Mas agora acabou, Sônia. Só quero ser feliz junto com a minha irmã. E ver a felicidade de vocês também.

-O que vocês estão vendo?- Betina chega.

-A gente estava procurando desenho- Sônia muda de canal- Desenho pra você ver. Vem sentar aqui, meu amor.

Igor dá um cafuné na irmã.

-Sônia, eu posso ir pra igreja de noite? Eu queria pedir oração pro Yuri.

-Pode, sim, meu anjo. Eu aviso à Ana Maria.



XXXXX



Com máscaras, Otaviano e Ana Maria entram no quarto para ver Yuri, com um nebulizador em seu rosto. A mãe trata de alisar o rosto do adolescente, enquanto o pai se mantém um pouco distante.

-Filho... Eu estou aqui com você, eu e o seu pai.

-Pai...

-Fala, meu filho.

-Você... Deve estar muito feliz, não é, não?- diz pausadamente.

-Meu filho, eu não posso estar feliz com...

-Eu sei que está... Mas... Não se preocupa mais... Não vou encher teu saco... Eu sei que vou morrer...

-Não fala isso, Yuri!- apela Ana Maria- Você é jovem, é forte! Vai sobreviver!

-A minha vida... Acabou, mãe... Se... A Lana morreu... Não tem... Pra quê... Eu ficar vivo... Mas eu... Eu quero falar com... Com ele... – Otaviano percebe que Yuri se dirige a ele- Escuta... Porque... Eu só vou falar... Uma vez... Eu... Odeio você... Odeio! Quem é... Aquele garoto... Ali atrás?- refere-se ao anjo da morte, que acompanha Otaviano.

-Não tem ninguém além de mim e da sua mãe, Yuri.

-Ele está delirando, Otaviano. Por causa da abstinência.

-Lana... Eu sei... Que você... Vai me esperar... Manda ele sair... De perto de mim... Manda esse menino sair! Tira ele de perto de mim!- começa a ficar agitado- Tira ele! Tira- dá gritos mais fortes- Tira ele! Tira! Socorro! Me tira daqui!- o anjo não se move. Fica encostado à porta.

-Eu vou chamar o médico agora!- assim que Otaviano diz isso, o aparelho dos batimentos cardíacos que está conectado a Yuri apita sem parar, indicando que seu coração já não trabalha.

-Yuri? Yuri? Meu filho, o que você tem? Otaviano, ele morreu! Ele morreu?

-Alguém traz o médico aqui, rápido! O médico... Meu filho está morrendo!

O médico entra e estranha a reação de Yuri.

-Yuri! Yuri!- fala perto do garoto para ver se ele reage.

-Eu perdi o meu filho, doutor! Perdi o meu filho!

O médico faz uma massagem cardíaca no paciente, mas Yuri não acorda. Ele percebe que há, do lado da cama, uma mesa com um aparelho que serve para ressuscitá-lo. Ele aplica o choque quatro vezes, e depois disso, só lhe resta fechar os olhos do garoto.

-Eu sinto muito.

-Filho... O meu filho morreu, doutor?

-Fiz tudo o que era possível, senhor.

-Yuri, meu filho... Não, Yuri- corre em direção ao corpo do filho.

-Não chega perto do meu filho, maldito!

-Ana Maria...

-A culpa é sua! Você deixou que ele se destruísse! Você o matou! Com seu desprezo! Você matou o meu filho, assassino maldito!

-Não é verdade. Eu amo o Yuri! Ele é a única pessoa que eu amei de verdade...

-Some daqui! Some! Eu não quero ver a sua cara nunca mais. Só você é culpado pela morte do meu Yuri! Você, Otaviano!- cai ao lado do corpo do filho e o molha com suas lágrimas- Você não pode me deixar! Sabe que eu sou a única que te ama de verdade... Não me deixa, meu filho, não me deixa! Não! Não! Não! Não!- abalado, Otaviano sai do quarto e do hospital e passa a vagar pelas ruas, onde lembra de cada uma das brigas que teve com o filho, bem como o seu nascimento.



XXXXX



O telefone da residência dos Bittencourt Passos toca. Betina está assistindo aos desenhos que Sônia havia falado quando passou a matéria sobre Jandir. A governanta atende.

-Alô? Menina, você ficou horas sem ligar, eu já estava preocupada. Como é que está o Yuri? O quê? Não estou te ouvindo? Morreu? O Yuri morreu? Como pode ser isso, Ana Maria? Ele... Eu vou avisar a todos aqui em casa. Seu Otaviano já sabe?

-Eu quero que aquele desgraçado morra! A culpa é dele! Só dele, Sônia...

-Não chora, menina, por favor.

-Preciso desligar. Eu tenho que resolver o problema do corpo. Parece que o velório vai ser amanhã.

-Isso é um pesadelo, Ana.

-O pior é que não vou acordar nunca. Obrigada pela sua força, Sônia.

-Só não estou com você por causa dos meninos.

-Eu sei. Mas uma hora isso ia acontecer. Eu tentei tampar o sol com a peneira, mas o destino quis que ele não se salvasse. Perdi a batalha, Sônia. Mas o culpado de tudo vai pagar com a vida. E eu não vou precisar me mexer pra isso. O Otaviano vai ser castigado em vida- desliga o telefone.

-Ana Maria? Alô? Alô?

-O que foi, tia? Quem morreu?

-Ai, me abraça, Betina. Me abraça, meu amor!



XXXXX



O pastor que foi visitar Otaviano no hospital encerra o culto. Espera todos os fieis saírem, inclusive Igor, que está orando pela alma do irmão, aos prantos. Apaga duas das três luzes e vai fechar a porta do recinto. Otaviano chega, segurando uma vela. De longe, o adolescente percebe quem chegou à igreja.

-Meu filho? O que está fazendo aqui a essa hora? O culto já acabou.

-O senhor me deu o endereço, lembra? Hoje de manhã, eu estive no meu escritório, pensando. E eu tomei uma decisão. Talvez se eu mudasse o meu jeito de viver, eu teria meu filho e o amor da minha esposa de volta. Se eu trocasse de vida, nada do que me aconteceu teria existido. Percebi que a culpa de todas as coisas ruins que aconteceram a eles foi minha.

-Que bom, meu querido. Que bom que você botou a mão da consciência e percebeu que sem fé você não iria conseguir vitória, nem perdão.

-Então, quando eu já tinha decidido, recebi um telefonema da governanta da minha casa e descobri que meu filho estava internado em estado grave por conta da dependência. Uma crise de abstinência, pastor. Ele sequer conseguiu se livrar das drogas. Ele tentou, por alguns dias, e não conseguiu. Eu cheguei a orar. Eu cheguei a pedir pra que ele se salvasse. A minha esposa não sabe disso, mas eu pedi pra que o meu filho não fosse levado. Se isso me fosse concedido, eu mudaria tudo o que fiz, apagaria todos os meus erros e me tornaria um homem melhor. Mas eu ganhei uma cicatriz pior do que essa que está em meu rosto. Yuri, o filho que eu amei por doze anos e que vou amar até o dia da minha morte, faleceu. Na minha frente, sem que eu pudesse fazer nada pra impedir. Agora me diga, pastor: é assim que o senhor pretende que eu repare os meus pecados? Me castigando na pessoa que eu mais amo? Na única que eu amo?

-Otaviano, nem mesmo o coração do homem tem razões conhecidas por todos. Eu sei o quanto a sua dor é grande, mas agora você não vai entender por que foi permitido que isso acontecesse. Lá na frente...

-Não seja hipócrita, velho idiota! Ele estava pra morrer de qualquer maneira, e mesmo eu prometendo que ia me tornar outra pessoa, levaram o meu filho. Tiraram ele de mim! A minha mulher não deixa nem eu chegar perto do corpo dele! Que consolo um pai pode ter pra uma situação dessas? Qual? Me diga!

-Você não sabe as promessas que têm sido feitas pra sua vida ainda, nem mesmo o que estava sendo prometido de bom pra seu filho. Acredite, Otaviano. Muito do que aconteceu tem a ver com o caminho que o seu filho e você escolheram tomar.

-Será mesmo? Então pede nas suas orações pra ele salvar a sua segunda casa- tira um isqueiro.

-Que vela é essa, Otaviano? Se você quiser orar pela alma de seu filho, tudo bem, mas não precisa de vela pra isso. Essa daqui é uma igreja evangélica.

-Cansei de falar em vão... - Otaviano joga a vela sobre a grande cortina que fica atrás do púlpito. O fogo se espalha rapidamente.

-Mas o que você fez, Otaviano? Nós vamos acabar morrendo aqui dentro.

-É essa a minha ideia! Morrer! Queimar! Carbonizar! Até que o meu corpo não exista mais. Muito menos o seu!

-O extintor de incêndio. Está lá dentro, eu vou pegar- percebendo que o incêndio tem salvação, Otaviano segue o pastor, que entra num cômodo da igreja com porta. A chave está do lado de fora. Rapidamente, Otaviano fecha a porta e tranca o pastor lá dentro- O que você fez, Otaviano? Abre essa porta! Abre!- a fumaça começa a entrar no repartimento.

-Ora, pastor! Ora! Eu quero ver esse milagre acontecer mesmo, pastor de araque! Enganador! Ladrão!

-Apaga esse fogo, Otaviano!- ordena Igor.

-Mas olha só quem está aqui: Igor. Pronto para salvar as almas indefesas, como a Ana Maria. Seu futuro parece ser mais brilhante que o dele, hein?- aponta para o local em que o pastor está.

-Isso tudo está queimando! Vai pegar água pra apagar isso!

-Não! Quem sabe esse não é o momento de se livrar das culpas, de saber de toda a verdade sobre você mesmo?

-Você está louco? A gente tem que sair daqui... - Otaviano corre para fechar a porta da igreja, para que ninguém possa socorrê-los.

-Não, Igor... Você não pode sair... Não até descobrir detalhes da morte da sua mãe.

-O que você sabe?

-O que eu sei? - ri- Fui eu quem matou a Rosane! Fui eu! Foi um acidente, ela não estava prestando atenção no volante e me viu dirigindo em outra direção. O carro dela quase bateu no meu, mas ela desviou e caiu num barranco. Já eu, que escapei ileso, não fiz nada pra ajudar. Eu matei a sua mãe, assim como provoquei o infarto do pai da Ana Maria há doze anos atrás, pra que ele não revelasse quem eu era de verdade: um criminoso. Um golpista!

-Jandir me contou a verdade. Ele empurrou o carro da minha mãe ladeira abaixo. Você não tem culpa, Otaviano. E por que você ia querer se livrar dela?

-Porque eu tive um filho com ela! Eu tive um filho na mesma época que o Yuri nasceu! Um filho, Igor! Um filho que eu desprezei, que eu amaldiçoei, que eu desejei a morte pra não ter que abrir mão da fortuna da Ana Maria. Você! Mas doze anos se passaram e você e a sua irmã trataram de cruzar o meu caminho, de se instalar na minha casa e acabar com a minha alegria. Por sua culpa, tudo de ruim começou a acontecer na minha vida! Mas não é nada que eu não possa remediar.

-O que você está pensando em fazer, Otaviano? Para com isso agora!

-Eu já pensei... Se eu não vou levar a culpa pela morte da Rosane... Vou levar pela sua!- começa a estrangulá-lo!

-Acaba com ele, Otaviano! Mata ele! Liquida esse garoto de uma vez!- o anjo novamente cerca Otaviano!

-Me solta, Otaviano! Me solta!

-Ninguém vai me impedir de me livrar de você. Eu posso até ir pro inferno, seu fedelho metido, só que você vai chegar antes de mim!- começa a gargalhar enquanto tira o ar de Igor.

Uma parte do teto de madeira começa a desabar por causa das chamas, e várias faíscas caem sobre a camisa de Otaviano, espalhando-se em questão de pouquíssimos segundos. Apavorado, o empresário começa a gritar por estar sendo consumido pelas chamas!

-Pai! Pai! Socorro! Pai!- Igor fica aflito com o desespero de Otaviano, completamente envolto nas chamas do próprio incêndio que causou.