-Eu acho bom você parar de me desafiar e me obedecer. Sua rebeldia não vai te levar a lugar algum.
-Para de
fugir da resposta. Quer que eu devolva tudo o que você me deu até hoje, jogando
na minha cara que o dinheiro é seu?
-Sobe pro
quarto, Yuri.
-Não, não vou
subir, não. O senhor é tão acostumado mandando na empresa, e acha que aqui em
casa tem que fazer a mesma coisa com ela.
-Não, não é
só com ela, não. É com você também. Escuta aqui, você acha que está falando com
quem? Eu não sou nenhum desses filhinhos de papai que anda de skate com você e
fazem o que dá na telha. Aqui, e em qualquer lugar, você vai ter que me respeitar.
-Você não
respeita nem minha mãe, que deixa você mandar na gravadora dela, e quer que eu
respeite o senhor? Palhaçada, não é, não?
-Yuri, para
com isso, meu filho. É só por uma noite. Será que não dá pra você fazer sala
pra esse homem que vem ver seu pai?
-O senhor da
razão está certo, Ana Maria. É melhor ele subir. Se ele não quiser jantar com a
gente, não janta.
-Certo. Qual é o castigo dessa vez?
-Castigo, meu
filho? Castigo nenhum. Só fiz botar a mão na minha consciência e refletir. O
Yuri está certo. É direito dele não comparecer ao jantar do homem que pode
fazer a nossa família desfrutar de mais regalias do que agora!
-Faço
questão, não! Fique frio- beija Ana Maria e sobe.
-O que você
vai fazer, Otaviano?
-Calma, meu
amor. Por que está nervosa? Não acha que eu vou bater nele, não é? Se eu nunca
levantei a mão pra ele, não vai ser agora, mesmo que ele esteja merecendo.
-Você está
calmo demais. O que você pretende fazer com relação ao Yuri?
-Hoje, nada.
Eu só preciso me concentrar no jantar. Agora, amanhã... Isso eu não posso
garantir...
XXXXX
Na cama,
Rosane e Jandir estão de costas um pro outro.
-Por que você
não veio?
-Cheguei na
hora normal de todo dia, Rosane.
-Não chegou.
Eu pedi pra você sair mais cedo da oficina. Era aniversário da Betina.
-Eu sei. Mas
não se preocupe. Passei no quarto dela e dei um beijo. Ela já estava dormindo.
-E você acha
que isso resolve o problema da sua bebedeira?
-Rosane, por
favor...
-Por favor
uma ova! Você saiu da oficina mais cedo, sim, mas foi direto pro bar beber.
-Tudo bem- irrita-se
e vira para a esposa- Sabe por que eu não vim pra festa? Pra não ter que olhar
pra tua cara.
-O que é?
-Ter que ver você
e lembrar que ontem você passou a noite toda falando o nome dele.
-Falando o
nome de quem, Jandir...
-Otaviano!
O grito de
Jandir acorda Igor e Betina, que dormem no mesmo quarto.
XXXXX
Humberto
Meirelles vai até o escritório da mansão de Otaviano.
-Agora, sim,
poderemos falar de negócios.
-Perdoe a
minha indiscrição, mas eu senti a Senhora Passos um pouco distante durante o
jantar.
-Ana Maria
foi ao jantar por conveniência, eu tenho que confessar. O que acontece é que eu
tive um desentendimento com o nosso filho adolescente e... Bom, ela é muito
passional. O senhor vai entender.
-É claro que
eu entendo. Até peço desculpas também por ter marcado essa reunião num momento
tão inoportuno.
-Não foi sua
culpa, Humberto. Mas estamos nos desviando do foco principal: a contratação dos
artistas internacionais para o casting da “TimBRe”. Acredito que tenha sido uma
ótima ideia a sua de trazer esses nomes poderosos para a nossa gravadora. Só
acho estranho que, informalmente, eles não mencionem o nome da empresa.
-Foi uma
recomendação que eu passei para eles. O mercado, embora em queda, vem
registrando um aumento significativo de novidades. São nesses nomes em quem
devemos apostar. Pra isso, eu- tira um contrato da pasta- trouxe para o senhor
e os outros acionistas assinarem.
-Bom, como eu
estou completamente convencido do ganho que trará esse investimento, eu já
persuadi os demais acionistas para que eles assinassem.
-E eles fizeram
isso, conforme a sua recomendação. Mas acho que talvez eu devesse ter
conversado com eles um pouco mais.
-São
minoritários, Humberto. Praticamente fazem figuração naquela gravadora. Quem
transformou a “TimBRe” na empresa indestrutível que ela é hoje fui eu. Bom, e
como eu sou representante legal da Ana Maria, assinarei por ela.
-Uma caneta-
empresta-lhe.
-Obrigado.
Pronto. Por mim e por ela. Agora, eu queria que você me desse a relação dos
nossos futuros contratados.
-Claro, Dr.
Otaviano. Aqui está.
-Nossa. Mas
são grandes estrelas do momento mesmo.
-Que agora
são suas. Somente suas. Parabéns, Dr. Otaviano. O senhor acaba de garantir o
passe musical das maiores estrelas internacionais da década.
XXXXX
-Você quer
falar baixo? Quer que os meninos acordem?
-Eles não
podem escutar o nome dele, mas eu tenho que aguentar essa palhaçada toda noite?
-Não falo o
nome de ninguém dormindo.
-Fala, sim.
Fala o nome daquele desgraçado que morou aqui. O cara casou, teve filho, e você
ainda é doida por ele?
-Eu me casei
com você, não casei? Não é do seu lado que eu durmo toda noite? Não foi você
que criou meus filhos, cuidou da minha mãe até a morte dela, me sustentou até
cair nessa desgraça de vício?
-Caí nele por
quê? Porque eu fiz uma família com você e sei que você não me ama, que nunca
gostou de mim, e que só casou comigo porque eu sou o pai de Igor. Se o meu
filho não existisse, você ainda ia estar rastejando atrás desse miserável.
-Procura o
AA, não eu. Eu não vivo trazendo cerveja pra dentro de casa e nem faço você
passar vergonha na frente dos seus vizinhos. Acabou a esculhambação? A gente
pode dormir agora?
-Desculpa.
-Olha só:
amanhã eu vou passar o dia todo na casa da mulher que mora lá na cidade. Não
vou poder buscar Igor e Betina na escola amanhã. Quando você sair pra almoçar,
passa lá pra pegar os dois?
-Pode deixar.
Eu passo.
-Jandir, a
geladeira da gente está quebrada. Eu vou ver se essa mulher me dá a diária que
está atrasada. Não esquece esses meninos lá, por favor. Não chega nem perto de
bar.
-Poxa,
Rosane. São meus filhos. Como é que eu vou esquecer deles?
-Tudo bem.
Boa noite.
-Um beijo, pelo
menos.
-Vai escovar
os dentes que está com cheiro de bebida. Boa noite, Jandir.
O mecânico se
levanta e vai ao banheiro. Perto da porta do quarto, está Igor, que não é visto
por ele.
-Quem é
Otaviano? Por que minha mãe fala o nome dele toda noite?- pensa em silêncio. Sem
que Jandir perceba, ele entra no quarto do casal e beija a mãe- Você é tão
bonita. Queria tanto ver você assim, todo dia. A bênção, mãe- ela não desperta-
Eu sei que você vai pedir pra Ele me abençoar- retira-se do quarto.
XXXXX
Sônia está
servindo o café da manhã de Otaviano e Ana Maria.
-E como foi
ontem com o tal Humberto?
-Perfeito.
Dentro de alguns dias, eu poderei apresentar à imprensa os novos contratados da
“TimBRe”. Assinei a transferência das demais gravadoras para a nossa.
-Uma coisa
tão importante assim... Você deveria ter me chamado para opinar.
-Não há
motivo. Eu assino tudo por você mesmo.
-Exatamente
por isso. Eu tenho que saber o que acontece na minha empresa...
-Nossa
empresa. E você mal pisa lá.
-Porque você
não julga necessário.
-Meu amor, a
“TimBRe” está nos rendendo milhões todos os dias. Chamaria se fosse pra
constatar que há alguma coisa errada, e como eu entendo mais de negócios do que
você, é sinal de que está tudo bem.
-Credo,
Otaviano. Parece meu pai falando.
-Você há de
convir que o Dr. Dalton era um homem de visão, embora tivesse suas limitações:
era velho e autoritário demais.
-Queria vê-lo
te ouvindo dizer isso.
-E aí,
pessoal? Sônia, bota aquele cereal com leite, por favor?
-Vou pôr,
Yuri.
-Epa, calma,
mocinho. Calma aí. Não vai se sentando assim, não...
-Ah, estava
bom demais pra ser verdade. O que foi, pai? Não deu tempo ontem de encher meu
saco e resolveu madrugar?
-Não precisa
ser tão agressivo, meu querido. Você só não vai precisar sentar à mesa pra
tomar café. Não precisa servir, Sônia. Hoje, O Yuri não come aqui em casa.
-Que estória
é essa, Otaviano?
-Toma aqui,
meu filho.
-Uma nota de
cinco reais? Pra quê isso? Pra eu passar o dia só com isso?
-Na verdade,
vai ser pra você escolher. Ou você gasta com um lanche, já que eu sei que fica
feio pedir aos meninos um pedaço da comida, ou você gasta de passagem de
ônibus. Ida e volta vai dar uns três e vinte, ainda sobra um pouco pra você se
alimentar.
-Você está
falando sério, pai?
-U-hum. E eu
falei em ônibus porque eu proibi o Geraldo de te levar. Vou precisar do carro.
-Tudo bem. Você
venceu. Eu fico com a grana pra comer. Não vou pra escola- tenta subir às
escadas.
-Ah, não vai
faltar mesmo. Eu liguei pra sua escola e descobri que hoje você vai ter prova.
Que chato ter que pegar ônibus a essa hora, não é?
-Otaviano, você
está perdendo a compostura.
-Isso não me
importa. Você acha que depois desse moleque ter me desrespeitado, eu ia ficar
sem dar punição alguma?
-Vem cá, me
explica uma coisa: esse circo todo é pra eu pedir desculpa por ontem? Não vou
pedir nada.
-Deixa, meu
filho. Seu pai está nervoso. Eu te levo no meu carro.
-Mas não vai
levar, não . Por que esse menino faz e fala o que quer, como se fosse um homem
crescido, e tem que se esconder atrás da saia da mãe?
-Otaviano, o
Yuri tem doze anos, você vai querer se comportar como se tivesse a idade dele?
Eu vou pegar a chave...
-Eu te proíbo
de dar carona pra ele, Ana Maria- segura a esposa.
-Solta minha
mãe agora! Solta! Já não é muito o que você faz sem olhar pra cara dela, agora
vai ameaçar ela também?
-Se eu não
soltar, vai fazer o quê, pirralho? Vai me bater? Porque é só o que falta.
-Eu? Bater em
você? O senhor está se achando porque pensa que eu vou gastar minha energia
contigo. Quer me botar de castigo? Bota. Eu que não vou reclamar. A última
coisa que eu quero hoje é ver a tua cara. Não vou perder meu tempo brigando
contigo, não. Sabe por quê?
-Fala.
-Yuri, chega
de discutir com ele. Parem os dois com isso.
-Deixa o
homem da casa falar, Ana Maria. Fala. Agora eu fiquei curioso pra saber. Por
que você não vai brigar comigo?
-Porque eu
não sou uma mosca. Não tem aquela frase que todo mundo diz? Que só mosca dá
moral pra você? Dá moral pra um me...
As intenções
de Yuri são percebidas por Otaviano, que trata de jogar café no rosto do filho.
-Seu
Otaviano!- Sônia fica pasma.
-E aí, meu
filho? Vai terminar o que começou ou vai me obedecer de uma vez? Você vai
querer mesmo comprar briga comigo, seu imbecil?
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