17/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 17

-Me diz que isso é mentira, Otaviano. Diz que você não vai deixar a nossa família na miséria.
-O Humberto, Ana Maria... O Humberto me convenceu a falar com todos os acionistas pra que assinássemos um contrato que traria artistas internacionais para o casting da gravadora. Só que hoje, pela manhã, eles me disseram que o Humberto... Cometeu um desfalque. A gente vai decretar falência.
-A gente? Você vai decretar, não é? Afinal, você se deu ao trabalho de consultar todos os acionistas e convencê-los a isso. Todos!- enfatiza de forma irônica.
-Eu acho melhor nós voltarmos em outra ocasião- sugere Lana.
-Não, por favor, podem ficar. Vocês não incomodam de forma alguma. O que me destrói é o cinismo que você tem, Otaviano! Isso não teria acontecido se você tivesse me consultado. Mas não! Eu, burra, deixei que você me representasse legalmente.
-Você concordaria comigo, Ana Maria. Sempre faz o que eu digo pra você fazer.
-E olha no que deu isso.
-Yuri, por favor, não se meta na minha conversa com a sua mãe!
-Por acaso eu falei alguma mentira? Você não é o dono da verdade? Ela não está sempre do seu lado? Olha onde a sua verdade levou a gente.
-Não me faça perder a paciência!
-Quem não tem mais paciência sou eu! Eu vejo todo dia o senhor controlar a vida da gente, mandando e desmandando... Agora o senhor esconde da gente que a “TimBRe” está quebrada?
-Eu não tinha coragem de contar. Não agora. Eu não queria que vocês soubessem desse jeito, eu pensei que ia ter um prazo pra localizar o Humberto e fazê-lo devolver o dinheiro que ele roubou.
-Quanto tempo, Otaviano? A essa altura, o Humberto deve estar muito longe daqui. Quanto tempo você acha que precisa pra recuperar a saúde financeira da “TimBRe”? Quando você ia contar? Quando nós tivéssemos que vender a nossa casa? Quando ficássemos na rua?
-Chega! Chega! Para de gritar comigo! Cala essa boca! Eu fiz a “TimBRe”, transformei ela num império que ninguém nunca conseguiu alcançar!
-Você manteve a “TimBRe” no mesmo patamar que o meu pai a colocou. Só isso!
-Agora o Dalton é um santo. Você não suportava seu pai. Se duvidar, era tirá-lo da gravadora o que você queria.
-Como é que você pode falar isso de mim, Otaviano?
-Não seja cínica!
-Olha como você fala com a minha mãe!
-Vai defender a mamãezinha agora? Essa inútil, que pouco ajudou no crescimento da “TimBRe”?
-Muito pouco mesmo. O senhor esqueceu que ela colocou um cafajeste lá- Otaviano levanta a mão para o filho- Está pensando em fazer o quê? Bater na minha cara? Jogar café em mim? Só sabe apelar, não é, Otaviano? Mas eu não vou ficar pobre por sua culpa!
-Some da minha frente- empurra Yuri, que cai no chão- Se eu ouvir você me peitando de novo, eu sou capaz de te matar! Tudo o que eu fiz foi pra preservar o patrimônio que é nosso!
-Tudo pra você! Tudo por você! Se eu ou minha mãe morresse agora, sua preocupação era com a grana. Com mais nada, só com o dinheiro!
-Que você desfrutou muito, não é? Você estuda numa boa escola, e sai por aí esbanjando que tem muito mais que os outros. O skate, que você faz tanta questão de usar, comprou no exterior. O tênis que você está calçando fui eu quem comprou, quem te deu. Vai se desfazer de tudo porque finge estar magoado? Enquanto você tiver o meu dinheiro, você não precisa de mais nada. Muito menos de amor! Agora sai da minha frente! Eu não quero mais te ver hoje! Some daqui!
Yuri sai correndo de casa.
-Meu filho, espera! Onde você vai?
-Volta aqui, Yuri!- Sônia tenta alcançá-lo, sem sucesso.
-Vamos atrás dele!- Frederico chama Lana para seguir o adolescente.
-Viu o que você fez? Viu? Desgraçado- começa a bater no tórax do marido- Se acontecer alguma coisa com o meu filho, eu mato você! Mato você!
-Me larga- dá uma bofetada na acionista.
-Essa vai ser a primeira e a única vez que você encosta sua mão em mim. Não vai ter próxima, Otaviano. Ou te coloco na cadeia- fecha a porta do escritório e segue os que estão procurando seu filho.

XXXXX

O vizinho, o mecânico que trabalha com Jandir, volta do quarto de Betina e Igor.
-Betina já dormiu. Igor se aquietou mais, mas está na cama, sem conseguir falar uma palavra.
-Posso te pedir uma coisa? Cuida do enterro pra mim? Eu não tenho cabeça pra isso agora.
-Tudo bem, Jandir. Mas tem uma coisa que eu queria falar com você, sem que os meninos escutassem.
-O quê?
-A Rosane tinha algum inimigo? Alguém que não gostasse dela?
-Por que essa pergunta?
-Eu só fiquei sabendo que Rosane morreu porque a polícia bateu na oficina.
-E aí?
-Aí que perto do carro, tem marca de sapato no mato daquele lugar em que o carro caiu.
-Mas o que é tem isso?- procura disfarçar.
-Pra polícia, alguém empurrou o carro de propósito pra ele cair.
-Estória sem pé nem cabeça, Homero... - levanta-se.
-Você andava com raiva dela por esses dias, não foi?
-Qual é a tua, meu irmão? Acha que eu dei cabo da minha mulher?
-Não. Mas cuidado, Jandir. Pensa nos seus filhos e se comporta, porque pelo eu que estou vendo, a polícia pode achar...
-Foi um acidente.
-Eu não estou dizendo nada.
-Nem vai dizer. Ninguém está sofrendo mais do que eu com a morte da Rosane.
-Nem os seus filhos?- com isso, Jandir faz uma longa pausa até responder.
-Nem eles. Nem os meus filhos.

XXXXX

São duas horas da manhã. Yuri continua vagando pela avenida, desesperado por estar prestes a abrir mão de tudo o que conseguiu sendo filho de Otaviano e Ana Maria.
Mais desconcertados que ele, só mesmo os menores de idade que estão no fim da avenida consumindo drogas. Uns estão com garrafas de cola nas mãos, outros fumam, e há uns que seguram um embrulho com pedras... Ao vê-los, a primeira reação de Yuri é seguir por uma rua diferente, mas algo lhe chama a atenção: um carro policial estaciona naquela calçada. A reação é imediata: os garotos fogem, e a maioria consegue escapar dos oficiais. Temendo ser confundido com um deles, Yuri se esconde e mais uma vez, é mero observador de uma truculência.
Aqueles que não escapam são segurados por três policiais, que perguntam onde estão as substâncias que eles estavam consumindo até a chegada do veículo. Um deles olha para baixo, e outro faz uma negativa. Com desejo de tripudiarem sobre os usuários de drogas, os oficiais começam a vasculhar os bolsos de cada um, até encontrarem os entorpecentes. Percebendo o medo que tiveram ao serem desmascarados, os três homens tratam de espancá-los. Eles ainda tentam correr novamente, mas são alcançados. Por fim, as drogas são postas nos bolsos e eles são levados à delegacia. A viatura corre, e Yuri atravessa a rua. Ele vê os rastros de sangue deixados pelas feridas que os policiais causaram.
Não deixa de sentir um cheiro estranho, forte, que vem do chão: um dos cigarros que os garotos fumavam. Yuri o levanta do chão, mas o descarta logo em seguida. O adolescente já havia experimentado uma sensação terrível diariamente: conviver com as brigas em família, muitas delas começadas por ele. Recolhe-o novamente. Pode evitar, mas pensa:
-Quem é que se importa comigo mesmo?- e o leva à boca.

XXXXX

Jandir está no sofá, onde passou a noite. Betina vem com Igor, e senta no colo do pai, que não esboça nenhuma reação. O garoto vai atender a porta quando escuta algumas batidas.
-O senhor quer falar com quem?
-Jandir da Costa Antunes. Sabe quem é?
-É meu pai. Espera aí que eu vou chamar. Pai!
-Não quero atender ninguém, menino!- diz, do sofá.
-Você é o Jandir?
-Quem é o senhor?- pergunta, assustado ao ver o homem já dentro de sua casa.
-Polícia Civil.
-Qual é o problema?
-A morte de Rosane Pinheiro Antunes. No registro civil, diz que ela é sua mulher. Suspeitamos que o falecimento dela seja em decorrência de um homicídio.
Basta que Jandir empalideça para que Igor tenha certeza de que ele provocou a tragédia.

XXXXX

Otaviano e Ana Maria estão sozinhos no escritório. Ela está ao telefone.
-Está bem. Eu espero você ligar, se tiver alguma notícia. Até logo.
-Quem era?
-Frederico, aquele homem que estava aqui. O homem da ONG. Ele e a mulher procuraram Yuri à noite toda.
-Melhor aproveitar que ele não está aqui. Eu tenho um assunto sério pra falar com você.
-Não vai me dizer que é mais uma surpresa sua?
-Por favor, vamos tentar resolver essa situação como gente civilizada.
-Como, se é que eu posso saber?
-Bom, ao longo desses anos, a “TimBRe” não proporcionou só enriquecimento e lucro ao mundo da música. A nós também.
-Otaviano, eu não tenho condições de discutir sobre a gravadora agora. Meu filho sumiu e você quer me falar de negócios? Logo agora, tendo doze anos pra conversar comigo?
-O Yuri também é parte interessada nessa estória, Ana Maria. Ele vai ser tão prejudicado quanto nós se não conseguirmos salvar a empresa.
-E qual o seu plano pra evitar que isso aconteça?
-Liguei para o economista da “TimBRe” e descobri que a empresa possui uma dívida de quarenta e cinco milhões de reais.
-Já que contraiu, dê um jeito nisso sozinho.
-Infelizmente, não. Afinal, você me cobrou na noite passada por transparência, e é nela aonde eu quero chegar.
-Seja objetivo, Otaviano.
-Para manter a empresa viva, eu tenho que movimentar o dinheiro da minha conta pessoal. E como seu representante, posso fazer isso com a sua conta, que não é conjunta com a minha...
-Certo, mas acontece que eu sei bem a quantia que eu gasto. E nem se juntar com a sua, somos capazes de liquidar a dívida.
-Mas há a do Yuri.
-O que quer dizer?
-Você sabe que nosso filho é menor de idade, e tem responsabilidade sobre o patrimônio do Yuri até que ele complete vinte e um anos. A única forma de nos salvarmos da miséria é movimentar o dinheiro que guardamos pro nosso filho. O Yuri é quem vai nos tirar dessa situação.

-Pois o senhor vai ficar pobre- entra o adolescente, completamente transtornado- No meu dinheiro você não mexe, entendeu? E a senhora não vai deixar ele tocar na minha grana, mãe. Não vai deixar!

Nenhum comentário:

Postar um comentário