-Me diz que
isso é mentira, Otaviano. Diz que você não vai deixar a nossa família na
miséria.
-O Humberto,
Ana Maria... O Humberto me convenceu a falar com todos os acionistas pra que
assinássemos um contrato que traria artistas internacionais para o casting da
gravadora. Só que hoje, pela manhã, eles me disseram que o Humberto... Cometeu
um desfalque. A gente vai decretar falência.
-A gente?
Você vai decretar, não é? Afinal, você se deu ao trabalho de consultar todos os
acionistas e convencê-los a isso. Todos!- enfatiza de forma irônica.
-Eu acho melhor
nós voltarmos em outra ocasião- sugere Lana.
-Não, por
favor, podem ficar. Vocês não incomodam de forma alguma. O que me destrói é o
cinismo que você tem, Otaviano! Isso não teria acontecido se você tivesse me
consultado. Mas não! Eu, burra, deixei que você me representasse legalmente.
-Você
concordaria comigo, Ana Maria. Sempre faz o que eu digo pra você fazer.
-E olha no
que deu isso.
-Yuri, por
favor, não se meta na minha conversa com a sua mãe!
-Por acaso eu
falei alguma mentira? Você não é o dono da verdade? Ela não está sempre do seu
lado? Olha onde a sua verdade levou a gente.
-Não me faça
perder a paciência!
-Quem não tem
mais paciência sou eu! Eu vejo todo dia o senhor controlar a vida da gente, mandando
e desmandando... Agora o senhor esconde da gente que a “TimBRe” está quebrada?
-Eu não tinha
coragem de contar. Não agora. Eu não queria que vocês soubessem desse jeito, eu
pensei que ia ter um prazo pra localizar o Humberto e fazê-lo devolver o
dinheiro que ele roubou.
-Quanto tempo,
Otaviano? A essa altura, o Humberto deve estar muito longe daqui. Quanto tempo
você acha que precisa pra recuperar a saúde financeira da “TimBRe”? Quando você
ia contar? Quando nós tivéssemos que vender a nossa casa? Quando ficássemos na
rua?
-Chega!
Chega! Para de gritar comigo! Cala essa boca! Eu fiz a “TimBRe”, transformei
ela num império que ninguém nunca conseguiu alcançar!
-Você manteve
a “TimBRe” no mesmo patamar que o meu pai a colocou. Só isso!
-Agora o
Dalton é um santo. Você não suportava seu pai. Se duvidar, era tirá-lo da gravadora
o que você queria.
-Como é que você
pode falar isso de mim, Otaviano?
-Não seja
cínica!
-Olha como
você fala com a minha mãe!
-Vai defender
a mamãezinha agora? Essa inútil, que pouco ajudou no crescimento da “TimBRe”?
-Muito pouco
mesmo. O senhor esqueceu que ela colocou um cafajeste lá- Otaviano levanta a
mão para o filho- Está pensando em fazer o quê? Bater na minha cara? Jogar café
em mim? Só sabe apelar, não é, Otaviano? Mas eu não vou ficar pobre por sua
culpa!
-Some da
minha frente- empurra Yuri, que cai no chão- Se eu ouvir você me peitando de
novo, eu sou capaz de te matar! Tudo o que eu fiz foi pra preservar o
patrimônio que é nosso!
-Tudo pra você!
Tudo por você! Se eu ou minha mãe morresse agora, sua preocupação era com a
grana. Com mais nada, só com o dinheiro!
-Que você
desfrutou muito, não é? Você estuda numa boa escola, e sai por aí esbanjando
que tem muito mais que os outros. O skate, que você faz tanta questão de usar,
comprou no exterior. O tênis que você está calçando fui eu quem comprou, quem
te deu. Vai se desfazer de tudo porque finge estar magoado? Enquanto você tiver
o meu dinheiro, você não precisa de mais nada. Muito menos de amor! Agora sai
da minha frente! Eu não quero mais te ver hoje! Some daqui!
Yuri sai
correndo de casa.
-Meu filho,
espera! Onde você vai?
-Volta aqui,
Yuri!- Sônia tenta alcançá-lo, sem sucesso.
-Vamos atrás
dele!- Frederico chama Lana para seguir o adolescente.
-Viu o que
você fez? Viu? Desgraçado- começa a bater no tórax do marido- Se acontecer
alguma coisa com o meu filho, eu mato você! Mato você!
-Me larga- dá
uma bofetada na acionista.
-Essa vai ser
a primeira e a única vez que você encosta sua mão em mim. Não vai ter próxima,
Otaviano. Ou te coloco na cadeia- fecha a porta do escritório e segue os que
estão procurando seu filho.
XXXXX
O vizinho, o mecânico
que trabalha com Jandir, volta do quarto de Betina e Igor.
-Betina já
dormiu. Igor se aquietou mais, mas está na cama, sem conseguir falar uma
palavra.
-Posso te
pedir uma coisa? Cuida do enterro pra mim? Eu não tenho cabeça pra isso agora.
-Tudo bem,
Jandir. Mas tem uma coisa que eu queria falar com você, sem que os meninos
escutassem.
-O quê?
-A Rosane
tinha algum inimigo? Alguém que não gostasse dela?
-Por que essa
pergunta?
-Eu só fiquei
sabendo que Rosane morreu porque a polícia bateu na oficina.
-E aí?
-Aí que perto
do carro, tem marca de sapato no mato daquele lugar em que o carro caiu.
-Mas o que é
tem isso?- procura disfarçar.
-Pra polícia,
alguém empurrou o carro de propósito pra ele cair.
-Estória sem
pé nem cabeça, Homero... - levanta-se.
-Você andava
com raiva dela por esses dias, não foi?
-Qual é a
tua, meu irmão? Acha que eu dei cabo da minha mulher?
-Não. Mas
cuidado, Jandir. Pensa nos seus filhos e se comporta, porque pelo eu que estou
vendo, a polícia pode achar...
-Foi um
acidente.
-Eu não estou
dizendo nada.
-Nem vai
dizer. Ninguém está sofrendo mais do que eu com a morte da Rosane.
-Nem os seus
filhos?- com isso, Jandir faz uma longa pausa até responder.
-Nem eles.
Nem os meus filhos.
XXXXX
São duas
horas da manhã. Yuri continua vagando pela avenida, desesperado por estar
prestes a abrir mão de tudo o que conseguiu sendo filho de Otaviano e Ana
Maria.
Mais
desconcertados que ele, só mesmo os menores de idade que estão no fim da
avenida consumindo drogas. Uns estão com garrafas de cola nas mãos, outros
fumam, e há uns que seguram um embrulho com pedras... Ao vê-los, a primeira
reação de Yuri é seguir por uma rua diferente, mas algo lhe chama a atenção: um
carro policial estaciona naquela calçada. A reação é imediata: os garotos
fogem, e a maioria consegue escapar dos oficiais. Temendo ser confundido com um
deles, Yuri se esconde e mais uma vez, é mero observador de uma truculência.
Aqueles que
não escapam são segurados por três policiais, que perguntam onde estão as
substâncias que eles estavam consumindo até a chegada do veículo. Um deles olha
para baixo, e outro faz uma negativa. Com desejo de tripudiarem sobre os usuários
de drogas, os oficiais começam a vasculhar os bolsos de cada um, até
encontrarem os entorpecentes. Percebendo o medo que tiveram ao serem
desmascarados, os três homens tratam de espancá-los. Eles ainda tentam correr
novamente, mas são alcançados. Por fim, as drogas são postas nos bolsos e eles
são levados à delegacia. A viatura corre, e Yuri atravessa a rua. Ele vê os
rastros de sangue deixados pelas feridas que os policiais causaram.
Não deixa de
sentir um cheiro estranho, forte, que vem do chão: um dos cigarros que os
garotos fumavam. Yuri o levanta do chão, mas o descarta logo em seguida. O
adolescente já havia experimentado uma sensação terrível diariamente: conviver
com as brigas em família, muitas delas começadas por ele. Recolhe-o novamente.
Pode evitar, mas pensa:
-Quem é que
se importa comigo mesmo?- e o leva à boca.
XXXXX
Jandir está
no sofá, onde passou a noite. Betina vem com Igor, e senta no colo do pai, que
não esboça nenhuma reação. O garoto vai atender a porta quando escuta algumas
batidas.
-O senhor
quer falar com quem?
-Jandir da
Costa Antunes. Sabe quem é?
-É meu pai.
Espera aí que eu vou chamar. Pai!
-Não quero
atender ninguém, menino!- diz, do sofá.
-Você é o Jandir?
-Quem é o
senhor?- pergunta, assustado ao ver o homem já dentro de sua casa.
-Polícia
Civil.
-Qual é o
problema?
-A morte de
Rosane Pinheiro Antunes. No registro civil, diz que ela é sua mulher.
Suspeitamos que o falecimento dela seja em decorrência de um homicídio.
Basta que
Jandir empalideça para que Igor tenha certeza de que ele provocou a tragédia.
XXXXX
Otaviano e
Ana Maria estão sozinhos no escritório. Ela está ao telefone.
-Está bem. Eu
espero você ligar, se tiver alguma notícia. Até logo.
-Quem era?
-Frederico,
aquele homem que estava aqui. O homem da ONG. Ele e a mulher procuraram Yuri à
noite toda.
-Melhor
aproveitar que ele não está aqui. Eu tenho um assunto sério pra falar com você.
-Não vai me
dizer que é mais uma surpresa sua?
-Por favor,
vamos tentar resolver essa situação como gente civilizada.
-Como, se é
que eu posso saber?
-Bom, ao
longo desses anos, a “TimBRe” não proporcionou só enriquecimento e lucro ao
mundo da música. A nós também.
-Otaviano, eu
não tenho condições de discutir sobre a gravadora agora. Meu filho sumiu e você
quer me falar de negócios? Logo agora, tendo doze anos pra conversar comigo?
-O Yuri
também é parte interessada nessa estória, Ana Maria. Ele vai ser tão
prejudicado quanto nós se não conseguirmos salvar a empresa.
-E qual o seu
plano pra evitar que isso aconteça?
-Liguei para
o economista da “TimBRe” e descobri que a empresa possui uma dívida de quarenta
e cinco milhões de reais.
-Já que
contraiu, dê um jeito nisso sozinho.
-Infelizmente,
não. Afinal, você me cobrou na noite passada por transparência, e é nela aonde
eu quero chegar.
-Seja
objetivo, Otaviano.
-Para manter
a empresa viva, eu tenho que movimentar o dinheiro da minha conta pessoal. E
como seu representante, posso fazer isso com a sua conta, que não é conjunta
com a minha...
-Certo, mas
acontece que eu sei bem a quantia que eu gasto. E nem se juntar com a sua,
somos capazes de liquidar a dívida.
-Mas há a do
Yuri.
-O que quer
dizer?
-Você sabe
que nosso filho é menor de idade, e tem responsabilidade sobre o patrimônio do
Yuri até que ele complete vinte e um anos. A única forma de nos salvarmos da
miséria é movimentar o dinheiro que guardamos pro nosso filho. O Yuri é quem
vai nos tirar dessa situação.
-Pois o
senhor vai ficar pobre- entra o adolescente, completamente transtornado- No meu
dinheiro você não mexe, entendeu? E a senhora não vai deixar ele tocar na minha
grana, mãe. Não vai deixar!
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