CENA 18
Uma
cartomante é consultada para explicar a maré de azar na vida sentimental de
Manjericão. Ambos estão no apartamento. De boa, deixa eu te falar: quem não
explica?
-O
que a senhora tá vendo na sua bola de cristal?
-Vejo
algo selado.
-Como
é que eu faço pra me livrar desse selo? Diz aí!
-Arrancando
da bola, que custou um e noventa e nove, meu filho. Comprei na Rua das Calçadas,
achei o olho da cara. Lê mão é mais barato.
-Mas
eu pensava que só as ciganas liam mão.
-O
sindicato manda a gente fazer de tudo hoje. Tudo pra ter direito ao FGTS. Sou
praticamente uma contrarregra da astrologia. Hum... Vejo um futuro nebuloso
demais.
-Essa
não...
-Pegue
o guarda-chuva e abra assim que sair de casa hoje. Fechado o tempo!
-Isso
até eu sabia.
-Vejo
um homem... Um homem em seu caminho, tão descabelado quanto você.
-Já
não gostei desse negócio de homem.
-Tal
homem é o problema que virá se agravando. Algo me diz que você terá que se
esquivar desse rapaz.
-A
senhora tem certeza do que tá me falando?
-Porei
as cartas sobre a mesa. Escolha uma.
Manjericão
tira uma e vê o que está desenhado nela.
-Alexandre,
o Grande? Rei de paus?
-Tire
outra, por gentileza.
-Lancelot,
valete de paus?
-Viu?
Só homem aí! Tem homem nesse angu, querendo te derrubar. Esse rapaz é o símbolo
máximo do recalque masculino.
-Isso
não existe.
-Já
diria a sábia Tetê Espíndola: isto só pode ser... “Caso do acaso bem marcado em
cartas de tarô”!- dá um grito de “Wow, wow!” que faz o cantor cair da cadeira-
“Meu amor, esse amor de cartas claras sobre a mesa é assim. Signo do destino:
que surpresa ele nos preparou...” – o roqueiro levanta, mas cai novamente de
susto com a repetição- “Meu amor, esse amor estava escrito nas estrelas! Tava,
sim”!
-Herculano
Quintanilha é menos escandaloso que a senhora. Rapa fora daqui!
CENA 19
Em
outra situação no mesmo lugar, Thiago e Manjericão estão conversando.
-Você
acredita que ela me disse isso? Que tem um cara tentando me derrubar?
-Não
liga pra isso, Manjericão. Pensa que coisas boas podem acontecer com a sua
vida.
-Como
o quê, nessa altura do campeonato?
-Ah,
sei lá, tipo... Ganhar um MacBook Pro e um iPad, por exemplo!
-Não
tô afim!
-Poxa,
cara, ajuda aí. Lembra que eu fui a chave do seu sucesso como cantor viral.
-Gratidão
não é o forte de uma pessoa deprimida. Até a jornalista me deixou sozinho no
restaurante.
-É,
eu sei...
-Sabe
como?
-Esquece
e senta aí- tira o talão e a caneta- E aí? Quantas vai querer hoje?
-Thiago,
você viu o que tá na internet hoje? “Número de downloads das músicas de Manjericão
despenca 90%”.
-Que
é justamente o percentual que me falta vender. Assine e pague- Manjericão vai
até a porta. Apanha o jornal.
-Você
viu?
-Meu
filho, eu não tô interessado em pesquisar suportes textuais hoje. Por favor,
colabore pra ganhar os prêmios da W9. Por gentileza!- começa a ser ríspido- Eu
estou desligado ou fora da área de cobertura!
-Olha o que tá escrito no jornal:
“Guilherme Capim Santo supera Manjericão em downloads no iTunes”.
-Mais
impressionante ainda é que você lê jornal. Depois do “Aqui PE” eu comecei a
gostar de coisa barata. Se bem que... Toda a vida, né?
-Será que
esse tal de Guilherme Capim Santo é o meu rival no mundo da música? Era dele
que a cartomante tava falando? Só pode, porque ninguém tem esse nome. Quer
dizer, ninguém tinha além de mim.
-Na
verdade, o nome dele é Guilherme Carvalho Pinheiro Moura Santana Torres. Não
olhe pra mim assim, estava na Wikipédia procurando modelos de sigla fortuita e
ele me apareceu logo.
-Até você
é fã dele, bicho?
-Drama,
não, Manjericão. Isso aqui é uma comédia. Digna de ser xingada na Desciclopédia
por não ter graça nenhuma, mas é. E aí, vai comprar a minha rifa?
-Quando
eu receber o salário da gravadora, eu prometo que compro.
-É o que
todos dizem... Bem capaz de enfrentar a fila do Seguro-Desemprego do “Expresso
Cidadão” pra não pagar. Mas uma coisa eu prometo- pega a mochila- Terminarei
essa estória com o talão vazio, ou eu não me chamo... Peraí, que eu vou procurar
o meu nome no listão do Vestibular 2010 pra ter certeza. Amanhã eu volto!
Acabou
cena, acabou esperança, acabou tudo. Não.
CENA 20
Matheus
está no colégio, bem triste. Jullianne, uma daquelas amigas dele que aparecem
de vez em nunca, se aproxima.
-Que
cara é essa? Foi a prova?
-Foi.
Acho que vou ter que fazer a final de Matemática.
-Mas
parece que tem outra coisa te deixando assim. Fala o que é.
-O
que é.
-Não,
besta, o que tá acontecendo contigo.
-Sabe
que eu tô sentindo falta da tara de Danila, tentando me agarrar, rasgando o meu
resto de roupa, desfiando a pele do meu pescoço como se fosse um episódio de “True
Blood”? Nunca pensei.
-Agora
ela tá no convento, eu soube. Mas pra acalmar aquela dali, só rezando mesmo,
viu?
-Sinceramente,
duvido muito que ela saia do convento normal. Vai sair a mesma coisa.
-Ou
até pior, vindo de Danila...
-É
esperar pra ver. A única coisa que eu sei é que ela não vai me escapar quando
sair de lá.
CENA 21
Gabriella
chega aos estúdios da “TVAca”, sendo recebida por Faccioli.
-Você
é a estagiária?
-Não.
-Mas
estuda na universidade?
-Sim.
-Ótimo.
Maquiadora, por favor.
-Eu
preciso falar com o senhor, é que...
Gabriella
é interrompida por uma mulher morena, aparentemente com trinta anos, que joga farinha
de trigo “Dona Benta” em seu rosto. Magia da TV!
-Escuta
aqui, cara, eu não sou apresentadora!
-Calma,
é só ler o teleprompter.
-Ler
quem?
-O
TP... O que estiver debaixo da câmera, vai logo, minha filha.
-A
“TVAca” traz pra você a maior novidade da história da televisão brasileira.
Doze pessoas, seis secundaristas e outras seis universitárias, vão ficar
confinadas durante vinte dias numa casa que fica perto de lendário Hotel
Pineapple. Eles vão concorrer a cem mil reais. Pra isso, eles vão ter que
provar qual dos doze é o menos burro, ou será o mais inteligente? Neste
domingo, estreia o maior reality show do Brasil: “Casa dos Estudantes”!
-E...
Corta! Agora me diz: qual é o seu nome?
-Gabriella.
Eu sou estudante de Letras e...
-A
professora Kativo já me explicou que vocês têm que se inteirar de tudo o que
acontece na televisão pra escrever um artigo. E a verdade é que nós precisamos
de alguém que tenha desenvoltura perante as câmeras. Logicamente que o trabalho
será escrito e supervisionado por mim, mas precisamos de alguém que possa
conduzir o programa, que vai apostar na baixaria. Pense comigo, Gabriella: você
se livra da sua professora e eu me livro do baixo Ibope do horário nobre. Topa
ser a apresentadora da “Casa dos Estudantes”?
-Se
o Sig@ me desse alguma dignidade, eu recusava. Mas como eu preciso de nota,
aceito!
-Negócio
fechado, Silvia!
-Gabriella.
-Que
seja!- apertam as mãos.
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