19/10/2015

INTEGRIDADE/ CAPÍTULO 5



-Engraçado você perguntar justamente por Lavínia, sabendo que ela foi afastada por sua causa.
-Afastada? Amparo foi tão longe assim por causa de mim? Dei valor... Mas falando sério: quem é esse menino?
-Esse menino é o cara que vai ocupar o último horário de hoje, com aula de Português.
-Sério isso?- Felipe se volta para Fred.
-Aham.                   
-E tu vai ficar muito tempo na escola?
-Se dependesse de você, ele ia embora agorinha, não era?- Gabriel provoca o estudante.
-Quem disse pra você que não depende? E vem cá, pra ser professor precisa ter porta-voz agora?
-Esse é Gabriel. Ele é...
-O novo estagiário da escola. Vou acompanhar as aulas de Fred enquanto ele estiver aqui.
-Fazendo o quê?
-Observando, anotando, escrevendo... Meu trabalho vai ser moleza... Não tá na hora de ir pra sala, não?
-Tá certo. Seja bem-vindo, professor.
-Obrigado- agradece, sem jeito. Espera Felipe sair pra conversar com Gabriel- Que foi que te deu?
-Em mim?
-Parece que tava provocando o menino.
-Não foi impressão sua, não, cara. Foi pra botar ele no lugar mesmo, mostrar que comigo não tem boquinha, não. Aliás, com você, que é o professor dele.
-O que foi que achou dele?
-É meio marrentinho... Mas não me mete medo. É só não fazer o que ele quer.
-Sei, não... Pensei que ele ia avançar em cima de mim quando você disse que eu era professor dele.
-Pensa que é provisório, Fred. Não vai dar tempo de ele implicar contigo.
-Todo professor é um pé no saco pra um aluno como ele.
-Pode ser, mas vai ter que domar a fera.
-Como?
-Isso eu não sei, mas vai ter que aprender.


Receosa, Lavínia chega a um estúdio de tatuagem, localizado no centro da cidade.
-Bom dia.
-Bom dia, moça.
-Eu queria fazer uma tatuagem.
-Nossa, que diálogo inteligente. O autor não soube escrever outra coisa... E é por causa disso que só apareço nessa cena...
-Eu andei pesquisando na internet, e recomendaram muito seu estúdio.
-Pois é. O "Canetada" é praticamente uma referência internacional no assunto. Sabe a Luana Piovani?
-Sei. Ela se tatuou aqui?
-Não. Mas sabe a Mel Lisboa?
-Conheço. Também se tatuou aqui?
-Não também. Sabe o...
-Vamos parar com isso, por favor?
-Tudo bem. O que a senhora quer fazer? Desenho ou escrever algum nome, alguma frase?
-Queria colocar um trecho de uma música.
-Pra agradar o maridão, acertei?
-Como é que você sabe?
-É uma tendência mundial. Como o número de divórcios tem aumentado, as mulheres utilizam essa prática para fisgar novamente os maridos.
-Sei bem.
-E onde quer que eu escreva?
-Tem como usar toda a parte das minhas costas?
-Tem, claro. Eu vou lhe entregar uma pasta que tem todas as fontes de letras pra senhora escolher.
-Não precisa. Quero uma palavra em cada linha, em fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5, tudo centralizado, margem esquerda de 2,5 e margem direita de 3,0. Pode ser ou é pedir muito?
-Sem problema. Não sei se tem conhecimento, mas tatuadores tem que se adequar às regras da ABNT.


Dentro da sala, Felipe está na última cadeira, bem longe da namorada, situada ao lado do aplicado irmão. Vivi, que está perto, também estranha a distância entre ele e Rayane. Xande também nota algo errado com o problemático.
-Não tá ao lado dele hoje por quê?
-Felipe tá com a macaca hoje. Tu não sabe o que ele me disse.
-Que vai tomar jeito na vida?- ironiza.
-Lavínia ganhou substituto.
-Mentira... Tem professor novo aqui na escola?
-E bota novo nisso. Não sei se reparasse num menino de branco, bem novinho, que a gente tava se perguntando se era aluno dessa turma...
-Tanta gente pode ser aluno, porque o povo vive faltando aula, Rayane. Não vê o Terceiro B, que só vai aparecer quando o tablet chegar?
-Aquele cara não é aluno, não. É o novo professor de Português do colégio.
-Sério? Então, deve ser um Einstein!
-Lá vem tu querendo fazer amizade com professor, como sempre.
-Imagina se for um gênio e me indicar alguma faculdade de Ufologia. Aqui não tem, mas vai que ele conhece...
-Professor novo? Tá brincando!- André diz, depois de ouvir Felipe relatando o que houve anteriormente para ele e Bernardo.
-E não vem sozinho, não. Tem no pacote um estagiário marrento.
-Caramba, Lavínia se vingou bonito de você, hein? Acabou aula vaga de vez- constata Bernardo.
-Vamos ver quanto ele dura aqui. Vocês têm que ver a cara que o novato faz. Parece que tá com medo de encontrar bandido, traficante por aqui... Não se cria aqui, não. Tenho certeza.


Caíque chega de um almoço com quatro engenheiros e entra na empreiteira responsável pela reforma do Cais Tomé Israelita. Mas antes de abrir a porta do escritório, ouve a voz de sua esposa.
-Caíque?
-Lavínia? O que está fazendo aqui?
-Quase nunca venho aqui, Caíque. Pensei em te fazer uma surpresa.
-E conseguiu...
-Acabei de chegar. Você não quer sair pra almoçar comigo?
-Infelizmente, não vai dar. Acabei de chegar do restaurante com o pessoal. Ainda temos uma reunião pra discutir como expedir uma liminar pra tirar o pessoal da ocupação.
-Eu vou te esperar aqui, então.
-Lavínia, eu não sei a que horas a minha reunião vai terminar.
-Eu espero. Pelo menos, a gente janta fora.
-Tudo bem, tudo bem- beija o rosto da esposa- Por favor, venham por aqui- convida os quatro homens a entrarem na sua sala, enquanto a professora fica à sua espera.


Onze e dez da manhã... Socorro!
A dupla dinâmica do barulho vai aprontar altas confusões na "Sessão da Tortura Escolar". Tudo bem, essa piada foi meia boca, mas serviu só pra dizer que nesse último horário, Fred e Gabriel entraram na sala do Terceiro Ano A. Os meninos ficaram apavorados. Felipe ficou mais tenso que a pressão dos jogadores da Seleção Brasileira de 2014. As meninas (não todas, claro) ficaram ouriçadas com a beleza do jornalista disfarçado de estagiário sofredor. Vivi não perdeu tempo e falou para Rayane.
-Tira foto do mais alto.
-Pra quê isso? O meu é bonito.
-Mas a gente bota na página.
-Qual?
-"Spotted: EREM Antonio Nipo".
Se você é um daqueles que não sabe o que são as páginas denominadas "Spotted", melhor pra você.
-Bom dia, pessoal. Como vocês já sabem, a professora Lavínia está fora da escola por um tempinho.
-Vazou, né, meu filho?- Felipe esclarece para mau entendedor.
-Sendo assim, eu vou ficar aqui por um tempinho, até ela voltar.
-Qual seu nome?- o paciente Xande pergunta.
-Pode me chamar de Fred.
-Mas tem cara de Thiago- exclama Vivi.
-Ah, tá. Mas é Fred. E esse daqui é o Gabriel, ele é repor... – recebe uma pisada nada sutil do jornalista- Representante do curso de Letras.
-Resumindo: um estagiário que não faz porcaria nenhuma.
-Eu supervisiono o trabalho do professor Fred, Felipe. Mas a minha obrigação é observar o comportamento dos alunos também.
-Ou seja, é o X9 do pedaço.
-Essa gíria não é usada nem no "BBB", cara...
-Bom, eu espero que vocês gostem da experiência de me ter como professor por algumas semanas.
-A gente vai adorar o senhor. Principalmente se o senhor vier com essas frases de duplo sentido- Felipe observa o que o time de sete colaboradores não percebeu a tempo- E o que o senhor vai dar pra gente?
-Nada. Vocês é que vão estudar por conta própria. Saquei o duplo sentido na sua frase também- só eu que não vi?
-Como assim, professor?
-Então, é... Qual seu nome?
-Rayane.
-Pois então, Rayane. A gente vai começar sem assunto novo. O que eu quero fazer com vocês, a princípio, é uma revisão do último conteúdo que Lavínia trabalhou aqui, que foram os pronomes.
-Professor, eu posso escolher uma cadeira pra começar as minhas observações?
-Quem?- depois da pergunta, Fred volta a si- Ah, sim, fique à vontade.
Gabriel resolve se aproximar da cadeira que está ao lado de Felipe, abre um caderno e fica aos olhares atentos do estudante, ignorando-o.


Os quatro empresários saem e Lavínia fica esperançosa. Comenta com a secretária.
-Será que ele já vai sair?
-Muito provavelmente, Dona Lavínia.  Eu vou ligar pra perguntar.
-Imagina, o que é isso? Vou entrar. Ele não vai se incomodar, não tem ninguém lá dentro mesmo...
-Mas, senhora...
-Senhora está no céu! E pare com isso, que eu fiz um mini lifting!- Lavínia entra no escritório. Mas aparentemente não há ninguém lá. Ouve uma voz masculina no banheiro, mas antes fecha a porta.
-Hoje não vai dar, não tem como. Lavínia está lá fora, e me chamou pra jantar. Certamente, deve ter dado ouvidos as dicas da amiga diretora dela. Tudo bem, meu amor, eu sei que é excitante pra você fazermos tudo às escondidas. Mas eu tenho que saber disfarçar, não é? Certo. Marque o dia que você quiser, eu vou te encontrar no hotel. Claro, no mesmo horário de sempre. É por isso que eu gosto de você, minha bonequinha japonesa... Um beijo...
-BONEQUINHA JAPONESA????- Lavínia invade o banheiro, bem a calhar no momento em que Caíque está sentado em pleno vaso sanitário, com a ligação ainda em andamento- Então, eu estava certa? Você tem outra mulher?

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