-Isso é mentira! Seu marido não me deu dinheiro nenhum!
-Você sabia que ele
ia fazer isso, sim. Porque ele não consegue te tirar da cabeça.
-Eu não tenho culpa
se aquele cachorro do Coelho cumpriu a palavra! Eu mesma não levei a sério.
-Cachorro do
Coelho? Quando foi que essa conversa partiu para o mundo animal, querida?
-O que eu vou
partir é a sua cara se você não sumir da minha frente!
-Dara, você está
mais do que avisada! Não chega perto do meu homem!
-Grande coisa pela
qual você tá lutando! Muito cômodo pra você jogar a culpa do fracasso do seu
casamento em mim. Só não percebeu que ele poderia ter feito essa proposta
absurda pra qualquer mulher!
-Mas não fez! E eu
não entendo o que tanto ele vê em você. Sim, porque querendo ou não, eu,
Thaynara Thais, sou gostosa...
-Os espelhos da sua
casa são sinceros, ao contrário daquele dejeto de homem!
-Ah, obrigada!
-Por nada. E a
propósito... – Dara devolve a bofetada que recebeu- Cortesia da casa. Só quem
pode tocar nesses fios artificialmente dourados é Antonio, aquele rapaz
escultural de cueca na minha cama.
-Ele deve ser cego,
pra não perceber a sua vulgaridade, em querer tomar o marido das outras. Além
do dinheiro!
-Thaynara, melhor
você sair da minha porta agora, ou eu vou maquiar esse rosto com bisturi! Fora
daqui!
-Melhor devolver
cada centavo que Coelho desembolsou. A sua máscara caiu!
-Mas seus chifres
continuam de pé! Vaza!
Enfurecida e
dolorida, Thaynara volta para o carro. Antonio, a par de parte da história,
corre para o quarto, e volta a se deitar na cama. Com medo de seu amado ter
escutado a discussão, Dara sobe às escadas e volta para o quarto, onde o
encontra fingindo que dorme. Sim, sobre aquela cama melada de leite.
-Zzzzzz...
-Antonio perdeu o
café, e eu a pá pra recolher essa bagunça- vai para cozinha- Onde foi que eu
deixei a...
O engenheiro
estrategista (nossa, que pleonasmo!) levanta e começa a planejar alguma
coisa...
-Se o que aquela doida
falou for verdade, eu vou descobrir. Mas ninguém vai saber que eu sei.
/////
Thaynara volta pra
casa, furiosa como que aconteceu entre ela e Dara. Seu marido está ao telefone.
-Sim, ela
desapareceu ontem à noite. Não, eu não faço ideia de onde ela possa... –
Thaynara abre a porta- Deixa, ela acabou de chegar. Obrigado. Tenha um bom dia-
desliga o telefone- Mas o que deu em você? Onde é que você estava?- Coelho
recebe um tapa na cara- Que é isso?
-Estou devolvendo
aquilo que a sua amante me deu. Vou tomar um banho.
Coelho fica sem
entender nada, mas eu queria uma cena dramática pra não fazê-los rir o tempo
todo.
/////
Um jantar delicioso é preparado
pela juíza mais amada da literatura mundial. Enquanto isso, Antonio fica com
aquela cara de nada.
-Já provei e está muito bom- traz
um prato quente. Abre a boca.
-Não quero nada. Tô sem fome.
-O que é que te deu?
-Nada? Por quê?
-Sua rispidez. Aconteceu alguma
coisa?
-Já disse que não tenho nada.
-Antonio, eu vou arranjar uma
vaga no trabalho e vou marcar uma consulta com o oftalmologista. Essa sua
cegueira temporária está demorando demais pra passar.
-Te incomoda ter que cuidar de
mim, ou me ver aqui dentro de casa? Porque se for isso, eu faço as minhas malas
e volto pra casa da minha família.
-Deixa de drama, homem. Até
parece que você quer se separar de mim. Ainda mais depois de ontem.
-Bons tempos aqueles de ontem. Eu
era feliz e não sabia...
-Pode ser mais claro? Porque eu
não entendi.
-Esquece. E amanhã? O que você
vai fazer?
-Vou dar uma passada no banco, não
lembrei que anteontem foi dia de pagamento.
-Quer que eu vá com você?
-Não precisa, amor. É coisa
rápida. E aí? Vai querer comer ou não?
-OK. Me dá a sopa.
-Antonio, como você sabe que eu
fiz sopa?
-Oi?
-Eu não te disse o que tinha cozinhado.
-Pelo cheiro- dissimula- E também
porque você só sabe fazer lasanha, e isso você já fez ontem.
-Tá explicado.
/////
Exuberante como sempre, Dara não
parece cansada nem mesmo depois de um extenso dia de trabalho. A Musa do
Judiciário vai ao banco e é recebida na porta pelo gerente.
-Como vai, madame?
-Madame? Que é isso? Pra quê toda
essa cerimônia?
-Como não sabe o porquê,
Meritíssima? A senhorita é nossa maior cliente VIP.
-Aham. Vejo Impropérios
Proferidos... Por você. Desde quando o gerente vai me atender na porta do
banco?
-Nós estranhamos a sua ausência
no dia que geralmente costuma vir.
-É que estive ocupada com um
hóspede na minha casa... Ai, que hóspede... Enfim!
-Veio sacar o seu maravilhoso
dinheiro?
-Fazer o de sempre, não é? Não
sei qual é a surpresa.
-Hoje é diferente, Madame Dara.
Aconselhamos que tenha trazido uma bolsa maior, se for mesmo retirar todo o
depósito da sua conta.
-A Vara de Família me paga muito
bem, mas não precisa dessa parafernalha toda. Os ladrões não vão me assaltar
porque eu fiz aulas de defesa corporal... Claro, depois do pole dance, que está em
alta na Inglaterra!
-Estão pagando maravilhosamente
bem. E olhe que a senhorita não têm julgado casos notórios para ganhar um
milhão de salário.
-Você bebeu?- Dara se mostra
incrédula.
-Olhe, eu nunca pensei que a Vara
de Família pagasse tão bem.
-E paga mesmo, até porque o
último caso que julguei não era exatamente relacionado à família... Mas que
história é essa de um milhão?
-Madame, a senhorita recebeu um
depósito milionário na semana passada. E o dinheiro veio da conta de um
empresário famoso: Felipe Almeida Coelho. Não o conhece?
-Conheço, sim. Estarei presente
na hora da morte dele, porque eu vou esganar aquela porcaria de homem!
-Quer dizer que não vai retirar a
quantia?
-Toda! Sem um centavo qualquer
que falte. Esse dinheiro já tem destino certo, pode acreditar. Bem que o Collor
poderia confiscar minha conta, pra eu não ter que tocar na grana daquele
desgraçado...
/////
Acontece uma reunião na sala de
Coelho, que conta com a presença do Dr. Wilson e de todos os executivos da Play Pause.
-O faturamento que a revista
apresentou no último bimestre foi bastante favorável. Mas eu estive pensando: onde
podemos encontrar mulheres que povoem o imaginário feminino nesse tão aclamado
ano de 1990?
-Elenco de "Pantanal"!-
respondem os demais executivos, entusiasmados.
-Eu acho que não é uma boa ideia,
Dr. Coelho...
-Caro Wilson, você já deveria
saber que é mero coadjuvante. Tudo que você me aconselha a fazer, eu faço o contrário
mesmo... Liguem para os empresários da Rede Manchete!
-Dr. Coelho- uma secretária entra
no recinto- Tem uma moça querendo falar com o senhor.
-Dona Assunta, eu já disse que
detesto ser incomodado durante minhas reuniões!
-Mas nem por mim?- dentro de uma
indefectível toga, Dara aparece à porta da sala.
-Abrirei uma exceção.
-Ai, obrigada- a juíza entra com
uma bolsa e sua toga, que deixa à mostra a meia-calça que está usando. A
presença da moça hipnotiza os empresários e o advogado.
-E... – Coelho solta um pigarro-
A que devemos a honra da sua visita?
-Vim por uma questão financeira
gravíssima. Sabe, eu preciso financiar o meu show.
-Você é cantora?-pergunta Wilson.
-Não. Sou apenas uma sex symbol
em busca de dinheiro. Quem estaria disposto a me ajudar?- uma simples pergunta,
dita num tom atrevido, e todos os homens tiram notas dos bolsos.
-Mas como será o seu show?
-Boa pergunta, Dr. Coelho!
E Dara sobe na enorme mesa
retangular de madeira para balançar o esqueleto e a juba indomável.
-Morena cintura de mola, seu
jeitinho me faz relaxar, esquecer dessa coisa faceira. Desse jeito, não sei que
será. Felizmente, morena, você na lambada me faz delirar. Dançando lambada, ê!
Dançando lambada, lá! Dançando lambada, ê! Dançando lambada! Dançando lambada,
ê! Dançando lambada, lá! Dançando lambada, ê! Dançando lambada!- e a vocalista
do Kaoma tem sua voz surgida não sei da onde.
-Dançando lambada, ê! Dançando
lambada, lá! Dançando lambada, ê! Dançando lambada! Dançando lambada, ê!
Dançando lambada, lá! Dançando lambada, ê! Dançando lambada!- o coral de
tarados engrossa enquanto Dara puxa a gravata de Wilson e ele põe o dinheiro no
decote da juíza. Após o depósito, a jovem volta ao centro da mesa.
-Com jeitinho, neguinha, me diz bem
juntinho: "escorregando dá". De tantos desejos aflitos, sua pele lisa
meu corpo roçar! Dançando lambada, ê! Dançando lambada, lá! Dançando
lambada, ê! Dançando lambada! Dançando lambada, ê! Dançando lambada, lá!
Dançando lambada, ê! Dançando lambada!- Dara deixa cair metade da toga e
continua a dançar.
-Dançando lambada, ê! Dançando
lambada, lá! Dançando lambada, ê! Dançando lambada! Dançando lambada, ê!
Dançando lambada, lá! Dançando lambada, ê! Dançando lambada!- Coelho é o mais
empolgado da macharada e tenta tocar na pele da juíza, mas ela foge e se abaixa
para que os demais coloquem suas notas no decote.
/////
Sozinho, Antonio está em frente
ao espelho refletindo. Não, ele não está se refletindo, está refletindo... Bom,
vocês me entenderam!
-Ela me disse que ia ao banco
hoje. Será que ela sacou o dinheiro que o marido daquela maluca disse ter
depositado? Não, minha Dara não ia fazer isso. Imagina, ela não deve nem ter
chegado perto desse tal de Coelho.
/////
-Preta, fala pra mim! Fala o que você sente
por mim! Ioiô, ioioi! Preta, fala pra mim! Fala o que você sente por mim!- Beto
Barbosa deve ser um dos executivos dessa sala, só pode. Mas mais estranho do
que isso, só o fato de Dara dançar de lingerie, com a toga arremessada para um
abajur, com a tal bolsa a tiracolo, com uma música chamada Preta (a juba loura
de Dara é patrocinada pela Wellaton!).
-Será que vo... Será que você me
quer? Será que você vai ser a minha mulher? Será que vo... Será que você me
quer? Será que você vai ser a minha mulher?- Coelho tenta se aproximar
novamente da bela, quase assinando o talão de cheques, enquanto a maluca do
poder judiciário ganha as notas arrematadas nesse leilão visual-corporal!
-Preta, fala pra mim! Fala o que
você sente por mim! Ioiô, ioioi! Diga o que será... Baracumbabumbebumbá!- a
palavra incompreensível faz a juíza deslizar dançando lambada e descer para
apanhar a toga, que põe no outro braço. Em seguida, usa seu belo dedinho
indicador direito para chamar Coelho para perto da janela.
-Fala, meu bem. Diz uma coisa
picante no meu ouvido.
Atendendo prontamente o pedido,
Dara responde:
-Catchup vencido!
Podem acreditar: isso lhe fez
sentir arrepios. Tipo o Cabeção da "Malhação", sabe?
-O que deseja de mim,
Meritíssima?
-O que mais eu poderia querer de
você, Felipe? Apenas isso daqui!
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