10/07/2016

ROMANCES DE ESTAÇÃO/ CAPÍTULO 10: COMO UM TEMPORAL, PARECIA QUE IA DURAR

Debaixo de uma forte chuva, chega Jorge ao endereço indicado por Olga, onde já esteve outras vezes. O garçom corre para atendê-lo de imediato.
-O que vai querer, Dr. Jorge?
-O de sempre. O de sempre- sinaliza para que o serviçal o deixe a sós com a médica- Vê se trata de me explicar o porquê dessa urgência em me ver.
-Antes, eu preciso me acalmar...
-Precisa é de ímpeto pra falar. Diz logo o que você tem.
-Jorge, o assunto é delicado.
-O que foi, mulher? Fala de uma vez! Descobriram alguma coisa sobre a clínica? Isso não vai expor a visita da Marina, não é?
-O segredo da Marina está bem guardado, para de se preocupar com isso. Eu fiz os exames que você recomendou que eu fizesse. Por conta daquela febre, lembra?
-Mentira... Eu não estou acreditando que você me tirou da minha casa pra isso! Deve ter sido um mau súbito idiota! O que foi que o exame detectou?
-AIDS.
-O quê?
-Eu tenho AIDS, Jorge.
-Não, isso é impossível. Você não tem... Não tem isso daí que você falou!
-Pedi pro meu médico refazer os exames, pra ter certeza. Confirmado, Jorge.
-Você não tem isso! É doença que só quem pega é veado!
-Deixa de ser preconceituoso, qualquer pessoa que transa sem preservativo pode pegar!
-Antes preconceituoso do que infectado, sua vagabunda!
-Do que você me culpa? Por que está tentando me condenar? Eu sou uma mulher livre, durmo com quem quiser e coloco na minha cama quem eu bem entender.
-Claro! O que eu posso esperar de uma rameira?
-Como se isso tivesse te incomodado durante os nove anos que estivemos juntos.
-É diferente, Olga!- levanta a voz.
-Diferente por quê? Você deixou bem claro que eu não precisava me prender a você. Agora queria o quê? Fidelidade? Deixa de ser hipócrita, Jorge! Você jogou sua filha numa clínica de aborto por ela ter engravidado sem estar casada e agora vem exigir alguma coisa de mim?
-Que ao menos você se cuidasse! Sabia que você colocou a minha vida em risco por causa da sua promiscuidade?
-Covarde! Pior do que isso você faz com sua esposa.
-Não costuma lembrar dela, nem das minhas filhas quando está comigo. Mas também se esquece de mim quando leva um bando de homem pra cama! Vagabunda!
Olga se irrita e joga um copo d'água no esposo de Laura. Sai do restaurante e é seguida por ele, enquanto alguém, que observou toda a ação desde a entrada de Jorge, se esconde debaixo de uma capa, com a qual se protege da chuva. Irritado, segura o braço da médica.
-Me larga! Me larga, senão eu faço um escândalo aqui na rua, Jorge! Solta o meu braço ou eu chamo a polícia!
-Você tem noção do que fez? Olga, você acabou com a minha vida! Você me destruiu, destruiu a minha mulher! E se eu também tiver tocado?
-E em mim? Em mim você não pensa, Jorge? Nem um só momento? Saí de um consultório médico condenada à morte! Pensei, por um instante, que você fosse ficar do meu lado...
-Reza pra eu também não ser diagnosticado com essa doença. Porque se eu descobrir que eu estou condenado, Olga, não vai ser a AIDS que vai te matar. Sou eu- Jorge corre para o carro e sai da rua, enquanto Olga chora e a misteriosa pessoa observa, incrédula, o desfecho da cena.
Era Marina.

Passados mais alguns dias, Marina consegue disfarçar o choque pelo que descobriu sobre Jorge e Olga. Volta à escola, onde será exibido o curta-metragem "Vítimas da malícia", que protagonizou ao lado de Max e que fala justamente sobre o perigo das relações íntimas sem proteção. O retorno da garota impressiona os alunos da sua turma, em especial Thales, que vai cumprimentá-la.
-Já tava com saudades de você, Marina.
-Eu também senti sua falta- cumprimenta o rapaz com um abraço tímido.
-Mas o que foi que houve? A diretora comentou que você ia fazer segunda chamada das provas.
-Conta, maninha, o que foi que te aconteceu... – Marília passa, provocando uma saia justa.
-Alguma coisa grave?
-Foi uma infecção que eu tive. Fiquei de cama todos esses dias- mente a adolescente.
-Nossa! Mas já tá tudo bem, Marina?
-Não se preocupa, Thales, eu vou melhorar. Todo mundo que fez o curta chegou já?
-A professora ligou pra diretora dizendo que ia se atrasar pra ver o filme. Já o Max não vem. Quer dizer, eu acho que não vem.
-Acha? Por quê?
-Ué, pensei que tua irmã tinha te falado; o Marcello contou que o Max mandou um cartão postal dele com o pai. Eles foram viajar a negócios, parece que o pai dele tinha uma coisa pra resolver e não tinha com quem deixar o Max, por isso foram. Mas foi viagem curta. Deve chegar hoje de noite ou amanhã.
Marina olha ao redor e nota que a irmã já está afastada, conversando com Caíque, Fabrício e Júlia.
-Não, a Marília não me falou nada.
-Pensei que você soubesse. Nesses últimos tempos, tem ficado mais perto dele...
-Sabia da viagem. Não que ele fosse voltar. Achei que não voltaria mais. Deve ter sido meu desespero...
-Desespero? Tá falando do quê, Marina?
-Nada, Thales. Nada. Eu vou ver se Joana já chegou- deixa o rapaz sozinho, e circula livremente pelos alunos, que a veem de uma maneira diferenciada (algo notado pela própria), escutando o que Marília fala com os amigos.
-Nem te vi chegar, amiga. A Marina melhorou... Daquela infecção?- Júlia toma cuidado de perguntar, já que está em público.
-Claro que tá. Veio comigo, inclusive. Cansou de ficar em casa.
-Nossa, ela demorou muito, hein? Foi sério mesmo?- Caíque demonstra não saber o que aconteceu realmente.
-Mentira que você não sabe, né? Nossa, mas você e aquele teu amiguinho nerd estão mesmo por fora das últimas notícias!
-Como assim? A Marina não tava doente?
-Essa explicação foi a que a minha mãe que deu pra diretora. Tudo mentira. Marina tava de cama, mas foi por outra coisa. Por causa do lance que teve com Max.
-Calma aí, o que o Max tem a ver com isso?- Fabrício estranha o amigo ser parte da conversa.
-Ah, ele não te contou, Fabrício? Por pouco ele não virou papai!
-Marília, por favor... – Júlia tenta conter a amiga.
-Você não sabia, Caíque, que minha irmã ficou grávida durante as filmagens do curta? É, menino, é pra parar o mundo que a gente precisa descer com um babado desse! Só que a gravidez não foi pra frente...
Joana chega perto dos alunos.
-Tua irmã perdeu?- Caíque fica curioso, mas antes que Marília continue a contar, Joana interrompe a conversa.
-Meninos, tudo pronto pra exibição do curta?
-Sim, o pessoal só tá te esperando, Professora- explica Fabrício, enquanto Júlia vê Marina observando o diálogo e fica completamente constrangida.
-Bom, então vamos começar. Recebi comentários dos professores que viram o curta de vocês e só ouvi elogios. Gente, eu não fazia ideia de que a Marina era tão boa atriz! Parece até que nasceu pra isso! E a química que ela esbanjou com o Max? Perfeita!
-Pois é, Professora, e bota química nisso... – comenta Marília, maldosamente.
-Mas a personagem que o Thales desenvolveu é bem dissimulada, sabe, professora?- Marina entra no núcleo e começa a soltar indiretas- E eu precisei fazer um bom laboratório com a minha irmã.
Júlia, Fabrício e Caíque percebem a rispidez da adolescente.
-Que é isso, Marina? Tá dizendo que tua irmã é dissimulada?
-Não, imagina. Só que dizer que ela me ajudou muito a fazer o papel. Marília me recomendou que eu lesse "Dom Casmurro", porque quando eu entendesse as dúvidas sobre o caráter da Capitu, eu ia entender melhor a minha protagonista. Afinal, ela seduz um rapaz na maior cara de pau, e sem saber, acaba contaminada por ele. Quer alguém mais sedutor que Capitu?
-Realmente, esse trabalho foi ótimo pra vocês. Até a Marília resolveu se interessar por literatura brasileira de uma hora pra outra! Gostei de ver. Meninos, eu já vou pro palco apresentar o filme. E mais uma vez, eu quero dar os parabéns.
-Obrigada, Joana- o sorriso de Marina intriga a irmã- Será que eu posso falar com você?
-O que é que você quer comigo?
-Retocar a minha maquiagem, maninha. Quem melhor do que você pra me ajudar a me produzir? Vamos pro banheiro.
-Tá, mas agora que vai passar o curta?
-Ainda nem tem tanta gente na quadra, a gente tá fora do horário de aula... Duvido muito que comecem a passar o curta agora.
-Então, tudo bem- as duas vão ao banheiro.
-Júlia, tem alguma coisa estranha.
-Eu também senti, Fabrício. Acho que a Marina vai dar um carão por causa do que ela falou. Ou melhor, do que ela quis contar.
-Gente, ainda tem mais coisa pra saber?- Caíque fica curioso.
-Não, Caíque, claro que não. Vamos, Fabrício- o casal vai para o centro da quadra, aproximando-se mais de Joana.

Sozinhas no banheiro, que é próximo ao portão do colégio, Marília e Marina têm um acerto de contas. A filha mais velha de Jorge e Laura tira um estojo de maquiagem da bolsa e oferece à caçula.
-Que cor você quer que eu passe no seu rosto?- Marília é surpreendida quando recebe uma bofetada no rosto- Que é isso? Você ficou louca?
-O que foi que você falou, hein? Por que todo mundo, tirando o Thales e o Caíque, tá me olhando estranho, hein? Qual foi a fofoca que você fez de mim enquanto eu tava em casa?
-Fofoca? Até onde eu sei, fofoca é quando a gente fala mal pelas costas. Pra começar, o seu aborto não é nenhuma mentira! E depois, quando eu quiser falar mal de você, eu não vou esperar você ficar bem longe de mim, eu falo na sua cara!
-Como é que você teve coragem de jogar meu nome na boca de todo mundo? Ainda mais falando do que aconteceu com o meu filho?
-Filho? Que filho, sua estúpida? Não tem filho nenhum! Foi só um feto que você jogou fora! E ainda por cima jogou porque quis, porque ninguém te obrigou!
-Você confirmou pro meu pai que eu tava grávida do Max, tripudiou da minha cara quando ele me obrigou a abortar, porque senão ele me colocava pra fora de casa!
-E você, covarde do jeito que é, aceitou! Não quis perder a boquinha, o teto do general. Agora vem colocar a culpa em cima de mim!
-No fundo, você sabia que eu ia acabar quebrando a cara com Max, não foi? Por isso, toda aquela insistência pra me jogar em cima dele.
-De vítima você não tem nada, muito pelo contrário! Aliás, foi muito divertido te fazer acreditar que tinha o domínio da situação e que no fim o Max ia se render a você. Max não se rende à mulher nenhuma, por mais bonita que ela seja. Ainda mais se tratando de uma biscate como você! Se você se visse... Se tivesse noção da figurinha fácil que virou... Não, porque se você tivesse sido esperta, ou pelo menos me imitado, já seria um grande passo, mas você é muito otária. Tanto que não consegue conquistar um cara por você mesma, tem que imitar a irmã descolada e ainda por cima criar uma personagem patética. Falando sério: eu quase estourei de rir quando você se fez de difícil, com aquela vozinha melosa, no banheiro da casa da Júlia pro Max. Vai ver você sofreu com esse aborto porque o bebê era a única coisa que você ia ter com ele, mas sabe lá com quantos você não transou escondido?
-Cala a boca!- Marina dá outra bofetada, derrubando a irmã e a bolsa desta no chão, derrubando todos os pertences pessoais.
-Não toca mais em mim, sua vagabunda! Sabe o que você é?- Marina se abaixa.
-Para com isso, senão eu acabo com sua raça!
-Ah, pensa que eu tenho medo de você, é? Você não passa de uma piranha!
-Sua desgraçada, você vai ter o que merece agora- Marina começa a espancar a jovem no chão do banheiro!
-Piranha! Me solta!
-Toma, sua idiota!
-Para com isso, Marina! Você tá me machucando!
-Ainda é pouco! Pouco pro que você merece!
-Socorro!
-Cala a boca, Marília, senão eu faço pior!
-Marina, me solta! Me solta!
-Isso é por todas as vezes que você riu de mim! Desgraçada!- Marina recebe um empurrão, caindo momentaneamente.
-Sua idiota! Olha o que você fez com meu rosto!- Marília constata os sangramentos, após se olhar no espelho.
-Ainda foi pouco! Você vai pensar duas vezes toda vez que botar meu nome na sua boca!
-Eu vou contar isso que você fez pra Mamãe, ela vai dizer ao Papai pra te dar a surra que você merece!
-Por que você mesma não dá, sua idiota? Vai se esconder atrás da saia da mãezinha querida? Sua falsa!
-Isso não vai ficar assim! Você vai pagar, Marina, eu te juro!
-Já paguei com a vida do meu filho, Marília. Nada do que você fizer agora vai acabar comigo.
-Você não perde por esperar! Ridícula!- Marília sai do banheiro, revoltada.
-Tem razão, Marília. Não vai ficar assim mesmo. Eu faço piorar!

As duas irmãs saem rapidamente da instituição de ensino, com o objetivo de não serem vistas. Sem que Marília perceba, Marina a segue com as mãos para trás- está com a bolsa e os demais pertences que ficaram jogados no chão. Jorge está em casa, com os pés no sofá, enquanto Laura passa aspirador na casa. Os pais se assustam ao ver o rosto de Marília ensanguentado.
-Minha filha, o que foi que aconteceu com você, pelo amor de Deus?- Laura corre para amparar a filha.
-A Marina, mãe...
-Onde está sua irmã?- Jorge, atônito, pensa que algo mais grave ocorreu com a filha mais nova.
-Aqui!- Marina aparece, após a irmã deixar a porta aberta, aos prantos.

-Quem fez isso com ela, Marina?

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