12/08/2016

DIÁRIO DE LUTA/ CAPÍTULO 10: TODOS

Desesperado, Nuno tira os sapatos o mais rápido que pode e entra na água para resgatar Luiza. Ao mergulhar, procura a moça, e só a encontra quando vê o rosto da jovem na superfície, já se afogando. Ele tenta segurá-la, mas Luiza busca se desvencilhar dele. A correnteza, por sua vez, arrasta os dois para um pouco mais perto da beira da praia. Nuno volta a ter Luiza nos braços e nada até trazê-la para a areia.
-Você não... – Luiza tem um acesso de tosse- Você não tinha que ter me tirado de lá. Devia ter me deixado morrer...
-Eu nunca ia deixar você fazer isso.
-Mas devia. Não ia dar fim a nada tão importante mesmo.
-Por que você queria se matar?        
-Não é da sua conta, me deixa em paz!
-Parece que você não entende mesmo, né? Tudo que acontece de ruim com você me machuca também.
-Como é que isso pode acontecer? A gente mal se conhece, eu deixei bem claro que não queria você por perto e você ainda insiste?
-E vou continuar, Luiza. Mesmo que eu não fosse apaixonado por você, eu ia ficar perto do mesmo jeito porque eu sei que você precisa de ajuda.
-Por que de tanta menina que existe nesse mundo, você tinha que cismar logo comigo?
-Não é cisma! Também não é atração sexual, como você pensa. É vontade de ter por perto, de proteger, de abraçar. Se não é amor, eu não sei o que é.
-Só pode ser obsessão. Amor não é, nem pode ser. Porque ele não existe.
-Pode ser. Mas eu não fico com quatro pedras na mão, esperando todo mundo me dar uma punhalada, como você faz.
-Quando você viver uma vida sem amor, repleta de ausência, de carinho, de proteção, e de não poder confiar em ninguém porque sempre tem alguém pronto pra te trair, aí você para com esse discurso idealista, e para de me criticar. Isso é típico de vocês homens: primeiro, dizem que vão dar o apoio que a gente tanto precisa e depois...
-Para! Para, Luiza! Eu não sou melhor nem pior do que ninguém, nem quero ser. Mas eu não tenho medo de amar. Eu não tenho medo de descobrir que alguém, mesmo que não esteja comigo, vai se importar se eu sofrer ou não.
-Que discurso lindo!- Luiza ironiza o comentário de Nuno- Comovente... Mas quando é pra ser o porto seguro da gente, ninguém está do nosso lado!
-Quem sabe você não é o porto seguro de alguém?
-Seu?
-Da sua irmã. Já pensou se ela te perde?
Luiza cai em si e deixa as lágrimas dominarem seus olhos.
-Eu não sou ninguém pra proteger a Talita. Nem ninguém de quem ela possa orgulhar.
-Faça por onde. Viva errando até encontrar o caminho certo. Só não deixe de viver. Se não for por mim ou por você mesma, faça por ela.
Tocada pelas palavras de Nuno, que já desistiu de argumentar com ela, Luiza abraça o vizinho aos prantos. Pela primeira vez, o rapaz tem a sensação de que pode protegê-la de qualquer coisa. Abalado também pelo que aconteceu à Júlia, ele toma para si as palavras que disse e se sente também o porto seguro de alguém.

////

-O Beto tá morto?- Talita não consegue acreditar quando César e Fátima lhe comunicam sobre o óbito.
-Fiz tudo que era possível pra salvá-lo, mas não foi o suficiente.
-Parece que tudo é mentira. Não só a morte dele, mas... Tudo o que aconteceu nesses últimos dias... E a Luiza?
-Eu não sei, meu anjo. Não sei onde sua irmã foi, eu estava conversando com seu pai e não vi ela saindo de casa.
-Tia Fátima... A Luiza não vai ser presa, né?
Neste momento, Luiza abre a porta do apartamento e entra com o vizinho que a salvou.
-Vem, Nuno.
-O que é que esse moleque está fazendo na minha casa, posso saber?
-Luiza, por que você tá assim, toda molhada? O que foi que houve, minha linda?
-Você estava com ele, não foi? Claro que estava. Mesmo eu proibindo você de falar com esse...
-O Nuno salvou a minha vida, Pai.
-Como assim?
-Dr. César, ela... Se jogou no mar. Eu tava na praia e tirei ela da água.
-Isso é verdade, Luiza?
-Não tá me vendo toda ensopada, Dr. César?
-Mas por que você fez isso?
-Pelo motivo mais óbvio do mundo: eu matei um homem.
-Luiza!
-Não precisa disfarçar, eu já contei tudo pro Nuno.
-Eu não imaginei que você fosse ter essa reação à morte do Beto.
-O Beto ter morrido não me interessa. O problema foi que ele morreu por minha causa.
-Luiza, eu já telefonei pra um conhecido que eu tenho no IML. À noite, ele vem tirar o corpo daqui, aproveitando que tem pouca movimentação no prédio. Daí, nós vamos criar uma causa mortis pra que ninguém saiba do que o Alberto morreu.
-Não precisa se sujar por minha causa, Pai. Quando eu estava vindo pra cá, eu tomei uma decisão.
-Tá falando do quê, Lu? Que decisão é essa?
-Eu vou me entregar à polícia.
-Luiza, tem certeza do que está fazendo?- Fátima tenta demover a sobrinha da ideia.
-Tia, eu sempre fui justa em tudo que eu faço. Não tem sentido eu fugir, fingir que nada aconteceu. Quando eu escutei meu pai contando que o Beto tinha morrido, eu senti muita culpa. Mas agora eu vejo que... Eu não posso me culpar porque eu não queria matar o Beto. Tudo o que eu queria era defender a minha irmã.
-E o que você quer? Virar uma mártir das mulheres da família?- César se irrita com a atitude da filha- Tem noção de que você vai parar no reformatório se assumir a culpa do assassinato do Beto?
-Sei, eu sei disso, Pai. Mas eu só quero que esse pesadelo acabe o mais rápido possível. Eu vou até a delegacia.
-Eu vou com você- diz Talita- Eu quero falar o que aconteceu, que você não faz nada premeditado. Você não vai ser presa se eu contar o motivo de você ter atirado. Qualquer juiz vai te deixar em liberdade depois de saber toda a verdade.
-Talvez se você contasse que o Beto abusou da Júlia, ele não te deixaria presa, Luiza- Nuno supõe.
-Não. Ninguém sai dessa casa. Eu não vou deixar filha minha pisar em delegacia nenhuma.
-Agora não é mais questão de você decidir ou não por mim, Pai. Eu sou a assassina do Beto.
-Tudo bem. Já que é pra falar a verdade, eu ligo pra polícia e o delegado vem até aqui. Aí aproveitam e tiram o corpo do Beto. Vamos acabar com essa história de uma vez por todas.
-César, se a Luiza alegar legítima defesa, ela vai poder responder o processo em liberdade...
-A minha filha não vai responder processo nenhum, Fátima. Eu vou ligar pra delegacia, e vocês vão esperar aqui. Ninguém coloca o pé pra fora dessa casa.

////

Alguns minutos depois, Júlia está com Hugo na portaria do prédio, esperando por notícias de Nuno, pensando que ele ainda não chegou.
-Por que é que o meu irmão não atende esse telefone, gente?
A delegada chega e se dirige aos dois jovens.
-É aqui que mora César Barbosa Telles?
-Sim, no apartamento 1202.
-Obrigada. Vamos, rapazes- diz aos outros oficiais.
-Espera. Aconteceu alguma coisa?
-Nós recebemos uma ligação de alguém se identificando como sendo o César, dizendo que no apartamento há o corpo de um homem.
-Por isso que ouvimos o barulho de um tiro ontem- constata Hugo.
-E nenhum dos vizinhos avisou à polícia?
-O meu irmão ouviu, sim, e até correu pra porta do Dr. César pra saber se tinha sido lá, mas ele negou.
-Pois é. Agora sabemos que de fato, há um corpo lá dentro.
-Vocês sabem quem foi que morreu no apartamento?
-Segundo o tal César, é um rapaz que namorava uma das filhas dele. O nome que ele deu pelo telefone foi Alberto Tavares Siqueira Filho. Vocês o conhecem?
-Beto... Mataram o Beto...
-Ele estudava com ela na faculdade de Jornalismo.
-Então, você pode reconhecer se realmente o corpo é do Alberto.
-Claro. Claro que eu posso.
-Então, vamos.

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A delegada bate à porta, que é atendida por César.
-Nuno?- Júlia vê o irmão sentado no sofá.
-O senhor é César Barbosa Telles?
-O próprio.
-Muito prazer. Sou a delegada Estela Munhoz, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.
-Pode entrar. Fiquem à vontade.
-E onde está o corpo?
-Primeiro quarto à esquerda.
Estela segue alguns de seus subordinados, enquanto um deles fica à porta. Júlia entra ao lado de Hugo.
-O que você tá fazendo aqui, Nuno?
-É uma longa história, Júlia. Por isso que eu tive que desligar o celular.
-Mas... Mataram o Beto mesmo?
-Sim, é verdade.
-E quem foi?
-Dr. César, nós teremos que acionar a perícia pra saber a que horas o corpo veio a óbito, a causa da morte... Mas eu vou ter que colher seu depoimento.
-Não. Delegada. Sou eu que tenho algo pra falar.
-Você, quem é?
-Luiza de Lima Telles. Sou a filha mais velha dele.
-Sei. E o que você tem a dizer? Você viu alguma coisa?
-Fui eu quem atirou no Beto, o rapaz que está lá dentro.
-Quando foi isso?
-Ontem à noite. Acho que devia ser umas oito horas da noite.
-Por que você atirou nele?
-A minha irmã era namorada dele, e tinha marcado um encontro aqui no apartamento. Quando ele chegou, eu não tava em casa.
-E onde estava?
-No colégio, fazendo um trabalho.
-Certo, mas o que te levou a atirar?
-Minha irmã, Talita, tava com ele no quarto. Assim que eu entrei no apartamento, chamei por ela, pra saber se tinha alguém em casa. Ela tinha gritado. Eu corri pro quarto e flagrei o Beto tentando estuprar a minha irmã.
-Aí você atirou nele?
-Não. Eu parti pra cima dele, tentando tirar ele da minha casa, mas ele me empurrou e eu bati a cabeça no guarda-roupa do quarto.
-Era lá que estava guardada a arma que você usou contra a vítima?
-A arma tava no quarto da minha tia, Fátima.
-Essa tal de Fátima está aqui?
-Sou eu, Delegada.
-Dona Fátima, a senhora por acaso tem porte legal de arma pra guardar alguma em sua residência?
-Sim, Delegada. Tanto eu como o César, meu irmão.
-Pelo que eu entendo, você foi até o quarto da Fátima pra pegar a arma e atirar no Beto.
-Isso...
-Mas, pelo que eu pude perceber, o rapaz não chegou a óbito imediatamente. A temperatura do corpo está baixa e a coloração da pele está diferente, mas não é de quem faleceu ontem à noite. Ao que parece, o rapaz morreu hoje, há menos de duas horas. O senhor, que é médico, não fez nada para salvá-lo? Por que não o levou ao hospital?
-Porque meu pai sabia que um ferimento à bala ia gerar suspeita. Ele quis me proteger, e por isso tratou do Beto aqui em casa.
-Sabe que o senhor foi negligente, não sabe? Não é apenas a sua filha responsável pela morte da vítima. O senhor também.
-Beto não é vítima de ninguém- Hugo surpreende pela raiva que transmite- Ele não passava de um estuprador, que além de ter atacado a Júlia, também tentou atacar a Talita, pelo visto.
-Os crimes possivelmente cometidos por ele não estão em discussão. A questão é o que aconteceu com o Beto enquanto vítima. Portanto, se o Dr. César omitiu socorro, ele é tão culpado quanto Luiza da morte do Beto, já que o tiro que ela deu provocou a morte do rapaz.
-A asfixia provocou a morte dele- César, para a surpresa de todos, expõe um detalhe interessante na condução dos esclarecimentos.
-César, do que está falando? Todos nós sabíamos que a situação do Beto era grave, e que ele ia morrer mais cedo ou mais tarde, mesmo você fazendo de tudo pra salvar a vida dele.
-Realmente, Fátima, eu fiz... Até a página dois- o médico se vira para a irmã, as filhas e os vizinhos- Eu fiquei consternado quando soube que minha filha foi capaz de atirar no Beto, e até cheguei a recriminá-la por isso. Nós discutimos e ela e Talita foram pro quarto.
-Sua irmã, onde estava nessa hora?
-Presenciou a discussão, Delegada. Antes, eu havia pedido para que ela fosse até a clínica onde trabalho e me trouxesse alguns medicamentos, pra evitar que ele ficasse desidratado ou que tivesse algum tipo de infecção. Foi então que...

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-Sinceramente, eu me recuso a acreditar como você foi capaz de descer tão baixo. Atentar contra o Beto? Eu devia ter combatido seu cinismo, seu sarcasmo. Desde que eu dei permissão pra ele namorar sua irmã você fez questão de mostrar que não simpatizava com ele. Eu tenho vergonha de você.
-César!
-Pode deixar, Tia. Eu também não morro de amores por você. Tomara mesmo que ele morra, porque assim eu vou pro reformatório e você se livra de mim- Luiza vai para o quarto, sendo seguida de Talita.
-Isso era tudo que ela não precisava ouvir, Pai.
-O que a sua irmã fez foi um crime.
-O que a minha irmã fez foi salvar a minha vida!
-Salvar de quê? Pensa que eu não reparei em você seminua no quarto quando Fátima e eu entramos? Na certa, você deve ter tentado alguma coisa com o Beto. Por influência da Luiza.
-Pensa o que você quiser, Pai. Eu não vou me defender. Eu não quero me defender, e se essa história vazar, eu vou mentir pra proteger a minha irmã. Tirando a Luiza, a única pessoa que lutou um dia pra nos defender foi a minha mãe. Só que eu não sabia que ela queria me defender de você- Talita também vai para o quarto.
-Viu? Mais um pouco e ela vai me peitar, como faz a mais velha.
-Como ele está agora?
-Um pouco febril. O quadro é instável, não há muito o que fazer.
-Acha mesmo que o Beto vai escapar com vida?
-Tomara, Fátima. Porque a Luiza está em maus lençóis.
-Maus lençóis por sua culpa! Se você não tivesse permitido que aquele desaforado namorasse a Talita, sua filha não teria armado a mão!
-A culpa é minha de ela odiar todo mundo, de ter um temperamento difícil? Qual é a culpa que o Beto tem de ter se apaixonado pela Talita?
-O Beto estuprou a Júlia!
-Quê?
-Eu ouvi ela contando pro irmão que tinha sido abusada por ele, César! Ninguém me contou, eu vi!
-Isso é teatro. É teatro dessa menina... Aposto que ela consentiu.
-Por tudo que é mais sagrado, nunca mais diga isso. A Júlia não precisava mentir pra mim. Eu vi e ouvi tudo. A Luiza não sabia do que havia acontecido. Por isso, pra ela ter pego a arma do meu quarto, alguma coisa ele deve ter feito, não acha? Pensa nisso, César, antes de acusar a Luiza de qualquer coisa- Fátima deixa o irmão pensativo antes de ir para os seus aposentos, até que, tomado pela angustiante dúvida, vai até o quarto das meninas (onde está Beto, convalescente). O agressor de Júlia está com os olhos abertos, e César se aproxima.
-Você tentou abusar da Talita?
Com dificuldade, Beto responde:
-O que o senhor acha?
-Responde, infeliz!
-Uma pena que eu não consegui. Talita finalmente ia saber o que é um homem.
-Eu não acredito... Eu não acredito que eu salvei a vida do homem que tentou abusar da minha filha...
-Se pensa que isso vai aliviar a barra da Luiza, tá enganado. Eu vou jogar a tua filha no reformatório. Pode apostar.
Furioso, César toma o travesseiro no qual Beto apoia a cabeça.
-Não faz nada com ela...
-Tarde demais... A Talita já me denunciou, a Luiza quis ferrar comigo... Eu não vou ter pena da tua família.
-Nem eu de você- diz em voz baixa, sufocando Beto com o travesseiro. Desesperado, César procura se manter frio. Sem causar barulho, vai ao banheiro e se tranca, onde chora silenciosamente.

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-Eu menti pro Beto, dizendo que tinha chamado a polícia pra testar se ele era culpado da acusação de estupro. Foi por isso que ele partiu pra cima de mim. Pra se vingar- Talita admite que a denúncia era falsa.
-Por que você fez isso, Pai?
-Muitas vezes você chegou a duvidar que eu realmente te amava por causa das minhas atitudes, não é? Mas não é bem assim, Luiza. Eu protegi você e a sua irmã.
-Bom, Dr. César, o senhor vai me desculpar, mas eu vou ter de levar o senhor e a sua filha pra prestar esclarecimentos na delegacia.
-Espera. Eu também quero ir. Eu quero confirmar o que o Beto fez comigo- Júlia tenta defender o médico.
-Está bem, então. Acho melhor todos vocês irem juntos, já que conheciam a vítima e... Os agressores.
-Fátima... Cuida delas pra mim na minha ausência.
-Você não vai ser preso, César. Fez isso pra defender suas filhas.
-Não importa a motivação, e sim o crime. Cuida delas pra mim, por favor.
-Sabe que pode contar comigo.
-Vamos logo, então. Mas antes, eu tenho que fazer um procedimento de praxe. Espero que me desculpem- Estela algema César e Luiza, e os leva numa viatura à parte. Enquanto os demais, sorumbáticos com a situação, acompanham os outros oficiais, que esperam a perícia recolher o corpo de Beto.

ALGUNS MESES DEPOIS...

No cenário da série de reportagens "Diário de luta", estão Luiza, Talita, Nuno, Júlia, Hugo, César e Fátima. Um pouco tímidos em falar sobre suas experiências. Luiza se aproxima de Nuno e admite:
-Você tem muita coragem mesmo.
-Por quê?
-Por querer dar esse depoimento sobre sua irmã.
-É. Ontem até achei que não conseguiria falar, de tão nervoso.
-Eu queria te pedir desculpa, por todas as vezes que eu fui grossa com você.
-Tudo bem. Acho que também a gente nunca ia dar certo se um tentasse e o outro não.
-Nuno, e se...
-Fala.
-E se a gente tentasse? Acho que não custa nada, né?
-Vamos fazer o seguinte: primeiro, a gente fica firme na amizade. Afinal, do que adianta ser namorado se também não for melhor amigo?
Luiza o retribui com um leve sorriso.
Fátima conversa com o irmão sobre sua situação judicial.
-Ainda bem que o advogado conseguiu fazer você responder o processo em liberdade.
-Isso não me dá tranquilidade nenhuma, Fátima. Eu sei que em breve eu vou a julgamento e dificilmente eu vou escapar da pena.
-Não pensa nisso. Pensa que... A relação com a Luiza melhorou, e que nesse pouco tempo que vocês ficarão juntos, vão ser tempos felizes.
-A verdade é que se eu não tivesse certeza de que você vai estar ao lado delas, eu teria um medo bem maior do futuro que me espera.
Talita, por sua vez, fala com Hermínia ao telefone.
-Sim, tudo melhorou bastante. Apesar dessa tensão pelo julgamento do meu pai, a gente tem se dado bem.
-E a questão da sua irmã?
-A justiça entendeu que o que a Luiza fez foi de legítima defesa. Só que o meu pai vai ter que passar pelo júri.
-Apesar de tudo, eu torço que ele realmente consiga ficar livre. Mas e você? Como você está agora?
-Exatamente igual ao dia em que eu cheguei "na" casa do meu pai, Voinha: pronta pra começar tudo de novo.
Júlia está atrás da câmera e pergunta ao novo apresentador da série.
-Já pode começar?- ele sinaliza que sim- Então... Gravando!
Hugo se posiciona diante da câmera e começa a falar usando a Língua Brasileira de Sinais. Aos poucos, as pessoas que depuseram ao longo dos capítulos dão as mãos a Nuno, ligado à Luiza, à Talita, a César, à Fátima e, em seguida, à Júlia, que corre para aparecer, junto a todos, atrás do rapaz.
-Essa é uma história de ficção que, em algum momento, pode ter agredido a quem leu. Mais forte e agressiva do que a ficção, entretanto, está a realidade. Pense no esforço que é feito para mudar a ficção, e o compare com o anseio de mudança do mundo real. Não é tão difícil: basta se colocar no lugar do outro, que não é mais do que a maior vítima do semelhante. Colocar-se no lugar do outro é a nossa luta diária, sem levantar bandeiras ou necessariamente seguir uma corrente. Acabar com o egoísmo que toma conta de nós todos os dias é uma batalha difícil, da qual não podemos desistir. É a nossa luta, que pode ser sua também.
Desta forma, encerra-se a série jornalística "Diário de luta", sob o aplauso dos presentes, os que calaram um dia e os que já foram silenciados, e de muitos que não podem falar.

FIM

11/08/2016

DIÁRIO DE LUTA/ CAPÍTULO 9: SORAIA


Assustada, Talita vê Beto sangrar pela boca após ser atingido pelo disparo. O rapaz cai da cama, desmaiado. Em choque, a filha caçula de César levanta da cama e abraça a irmã, mesmo estando suja com o sangue do agressor. Ambas choram desesperadamente.
-Que barulho foi esse?- César vê as filhas amedrontadas.
-Ai, meu Deus!- Fátima grita ao ver Beto ensanguentado no chão. César vê que Luiza está com o revólver na mão.
-O que foi que você fez, Luiza?
-Eu fui... Fui defender a Talita...
-Defender de quê? De quem? Você atirou no Beto! Ficou louca?
-Será que você não tá vendo o estado da Talita, Pai?
Fátima se abaixa para verificar a pulsação de Beto.
-Ele está vivo, Fátima?
-Ainda, César. Eu vou chamar a ambulância.
-Não. Não pode chamar ninguém.
-César, esse rapaz pode morrer aqui dentro!
-Leva ele pro hospital, Pai! Tira ele daqui, por favor!
-Se eu fizer isso, Talita, a sua irmã vai parar no reformatório! Calma... – diz, ofegante- Eu vou cuidar de tudo, vou tratar do Alberto aqui dentro de casa.
-Mas ele pode morrer, César!
-Eu sei o que eu estou fazendo, para de me pressionar!- César grita com a irmã- Você segura ele pelo braço e coloca ele na cama, de bruços. Eu vou segurar o Beto pelas pernas.
-Isso pode ser perigoso, César. A gente não pode mexer nele, pode ser pior ainda!
-Nós não temos paramédicos pra nos auxiliar! Vamos logo com isso!- César posiciona o corpo de Beto sobre a cama, enquanto Talita e Luiza continuam abraçadas uma à outra, chorando muito.
-Dr. César!- Nuno bate à porta, aos gritos.
-É o Nuno!- constata Luiza.
-Ele vai descobrir tudo, Luiza... – Talita fica mais nervosa.
-Não, não vai. Eu vou colocar esse moleque pra fora daqui.
-Mas e o Beto, César?
-Já sei: você, Fátima, vai até o meu quarto e pega minha maleta com meus instrumentos médicos, mas sem fazer barulho. Quanto a vocês, as duas vão ficar no quarto, até o tempo de eu dispensar o Nuno.
-Mas ele tá perdendo muito sangue, Pai...
-Fiquem quietas no quarto. As duas. Eu vou dispensar o Nuno. Agora, vai, Fátima. Sem fazer barulho.
-Dr. César!
-Já vai! Quietas, as três!- César sai do quarto e vai atender à porta- O que é que você quer?
-Que barulho foi esse?
-Barulho? Eu não ouvi nada, garoto.
-Ouviu, sim. Todo mundo ouviu. Os vizinhos até abriram as portas. Pensaram que fosse um tiro.
-Na minha casa é que não foi.
-Cadê a Luiza? Ela tá bem?
-Já entendi... Você tentou arrumar um pretexto pra ficar perto da minha filha de novo, não foi?
-César, não é nada disso. Eu fiquei com medo depois do que aconteceu com o Beto e a minha irmã.
-Os problemas da sua irmã não me interessam. Agora, dá o fora.
-Eu quero saber se a Luiza tá bem.
-As minhas filhas não estão aqui. Saíram com a Fátima. Será que agora eu posso trancar a minha porta e dormir em paz?
-Ouve só uma coisa: não deixa o Beto entrar nessa casa.
-O Beto, mesmo sendo assíduo frequentador do seu apartamento, não é da mesma laia que você. Portanto, não ouse difamá-lo porque não vai conquistar a minha confiança.
-Se eu tô falando que o Beto é perigoso é porque a minha irmã pode confirmar. Ele não é de confiança.
-Você também não. Mas, por sorte, Nuno, eu não acredito em nada do que venha da sua família.
-Talita tá correndo perigo namorando esse cara. O senhor tem que afastar...
-Tenho que tirar você da minha porta. Sai daqui! Anda!
-Toma cuidado. O Beto não é o que o senhor pensa que é. Pergunta à Dona Fátima, ela vai te explicar. Pelo menos, eu fico mais tranquilo de saber que não foi nada com as meninas. Com licença...
O ginecologista fecha a porta de vez e corre para o quarto. Encontra Fátima com a maleta de primeiros socorros.
-Deixa eu ver se tudo está aqui dentro...
-Vadia... - Beto acorda, sussurrando e gemendo de dor- Eu vou acabar com você...
-Eu devia ter atirado de novo, pra te matar de vez, seu vagabundo!
-Cala essa boca, Luiza! Quer que todo mundo saiba do que você fez?
-Não tô arrependida!
-César, ele não para de sangrar...
-Eu sei, Fátima! Eu não sou cego! Se pelo menos essa bala tivesse atingido de raspão... Mesmo se eu controlar a hemorragia, ele vai continuar em estado grave se eu não conseguir retirar a bala. E o pior é que eu não tenho todos os instrumentos aqui, alguns eu deixei na clínica...
-E se eu fosse até a clínica e pegasse o que está faltando?
-Perderíamos muito tempo. Ele poderia morrer antes que você voltasse, Fátima... Já sei- César pega a peça de roupa que Beto chegou a arrancar de Talita- Segura essa blusa, Fátima. Talita, pega a caixa de fósforos e uma garrafa de uísque. Luiza, vai com ela e me traz a peixeira.
-O que você vai fazer, Pai?
-Consertar a lambança que a sua irmã fez! Vão logo, as duas!
Luiza e Talita o obedecem e pegam os utensílios na cozinha do apartamento. Correm de volta para o quarto.
-Tá aqui, Pai!- Luiza entrega o objeto ao pai, e Talita repete a ação.
-Pra quê tudo isso, César?
-Toma- abre a garrafa de uísque e entrega à irmã- Dá pra ele ir bebendo. Assim ele vai aguentar a dor.
-Isso não vai dar certo, César.
-Tem que funcionar! Eu não tenho anestésico aqui! Vai ser a ponto cru e dê-se por satisfeita!
-Toma, Beto. Bebe- Fátima faz o rapaz ingerir a bebida aos poucos.
-Engoliu pouco ainda. Bebe mais. Vai, anda!
Fátima obedece ao irmão.
-Como é que o senhor vai fazer?
-Pega a blusa que eu entreguei à sua tia e amordaça a boca do Beto.
-Não. Eu não vou chegar perto dele de jeito nenhum- Talita se afasta um pouco, temendo que o agressor volte a reagir.
-Nem pra isso vocês servem, que droga!- César toma a blusa e amarra a boca do universitário com ela.
-Não precisa dar mais de beber a ele?
-Por enquanto, não, Fátima- o médico risca um dos palitos de fósforo e aquece a lâmina da faca que pediu à Luiza.
-O que é que o senhor vai fazer com isso?
-Retirar a bala. Segurem os braços dele, as três! Rápido!
Fátima, Talita e Luiza abrem os braços de Beto na cama e o seguram com bastante força. Por meio minuto, César esquenta a faca. Aproxima-se do rapaz e se põe sobre uma das pernas do moço, inserindo o objeto cortante na abertura causada pelo projétil. Beto grita de dor, sendo que o som é abafado pela blusa que serviu de mordaça. Talita procura virar o rosto. Por alguns minutos, César busca extrair a bala, o que consegue com êxito. Ao acabar a ação, põe a faca e a bala sobre o criado-mudo do quarto das meninas e fecha o ferimento com alguns materiais que trazia na maleta. Devido à dor que sentiu, Beto se encontra desmaiado.
Vasculhando a tal maleta que Fátima trouxe, o médico retira um frasco de soro e insere na veia do estudante, assim que as filhas o soltam.
-Isso é um pesadelo... César, esse menino pode morrer a qualquer momento...
-Não vai morrer. Não vai morrer porque eu vou salvar o Beto. Vou fazer o impossível. Mas a Luiza não vai pra cadeia. Isso eu posso garantir.

////

No dia seguinte, as duas irmãs dormiram na sala. Fátima volta da clínica com alguns antibióticos. Talita ouve a porta destrancando e pergunta:
-Tia? Cadê o Beto, Tia?
-Passou a noite no quarto. Seu pai pediu pra trazer alguns antibióticos e soros, pra evitar a infecção e a desidratação.
-Mas por que não levaram ele pro hospital?
-Pra poupar você, Luiza- César volta do quarto- Por sorte, o único lugar que tem câmera no prédio é o elevador, que está com defeito. Logo, o Beto não foi oficialmente visto por ninguém, a não ser por nós quatro.
-O senhor devia ter chamado uma ambulância...
-O Beto foi ferido por uma arma de fogo, e foi você quem provocou isso, Luiza. Um ferimento desse tipo faz a polícia abrir um inquérito. Por isso que eu tive que fazer o possível pra salvar o Beto aqui em casa.
-Eu não pensei que um dia você fosse fazer isso por mim. Obrigada, Pai.
-Agora só nos resta esperar pra ver se ele vai denunciar você.
-Não. Eu não acho que ele faça isso. Muito pior do que eu ele já fez.
-Por que é que você atirou nele, Luiza?
-Porque ele é um monstro. Antes de eu acertar ele, ele me empurrou. Eu bati com a cabeça e fui me defender. Defender a Talita também.
-Sinceramente, eu me recuso a acreditar como você foi capaz de descer tão baixo. Atentar contra o Beto? Eu devia ter combatido seu cinismo, seu sarcasmo. Desde que eu dei permissão pra ele namorar sua irmã você fez questão de mostrar que não simpatizava com ele. Eu tenho vergonha de você.
-César!
-Pode deixar, Tia. Eu também não morro de amores por você. Tomara mesmo que ele morra, porque assim eu vou pro reformatório e você se livra de mim- Luiza vai para o quarto, sendo seguida de Talita.
-Isso era tudo que ela não precisava ouvir, Pai.
-O que a sua irmã fez foi um crime.
-O que a minha irmã fez foi salvar a minha vida!
-Salvar de quê? Pensa que eu não reparei em você seminua no quarto quando Fátima e eu entramos? Na certa, você deve ter tentado alguma coisa com o Beto. Por influência da Luiza.
-Pensa o que você quiser, Pai. Eu não vou me defender. Eu não quero me defender, e se essa história vazar, eu vou mentir pra proteger a minha irmã. Tirando a Luiza, a única pessoa que lutou um dia pra nos defender foi a minha mãe. Só que eu não sabia que ela queria me defender de você- Talita também vai para o quarto.
-Viu? Mais um pouco e ela vai me peitar, como faz a mais velha.
-Como ele está agora?
-Um pouco febril. O quadro é instável, não há muito o que fazer.
-Acha mesmo que o Beto vai escapar com vida?
-Tomara, Fátima. Porque a Luiza está em maus lençóis.

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Hugo bate à porta do quarto de Júlia. A garota abre, demonstrando desprezo por ser ele a sua visita.
-Na certa, Nuno deve ter te contado tudo que me aconteceu. Mas se você pensa que, sei lá, que eu quero me abrir sobre isso, se enganou. Já pode sair.
-Então, eu posso me abrir pra você?- Hugo surpreende ao falar com Júlia sem usar a Libras, demonstrando a voz como um pouco fanha.
-Desde quando você fala?
-Desde sempre- o videomaker senta numa cadeira situada no quarto, de costas para Júlia- Mas eu preferi me calar, Júlia. Fingir pra todo mundo que eu nunca tive voz.
-Por que você mentiu?
-Porque passei o mesmo que o Beto fez com você.
-Você... Foi violentado?
-Quando pequeno ainda. Eu não entendia bem o que tava acontecendo, tinha uns dois ou três anos. Mas eu me lembro do olhar de medo que ela, a minha babá, fazia quando meus pais chegavam "em" casa. Sempre me dizia que a gente ia brincar, mas que eu nunca podia repetir isso com ninguém, que não contasse nada. Teve um tempo que ela me prendeu num quarto escuro da casa onde eu morava e abaixou a calça que eu usava. Ela me molestou  de novo e eu fiquei com medo. Meus pais perceberam que tinha algo errado quando eu fui perdendo a minha fala.
-Mas você nunca tentou contar a verdade?
-Só de imaginar eu descrevendo tudo que ela fazia comigo, me dava nojo! Quando eles desconfiaram, tiraram a prova: colocaram uma câmera escondida no meu quarto e fingiram que iam sair. Pelo circuito interno, eles viram as imagens dela me...
-Eu nunca imaginei que você tivesse vivido isso... O Nuno sabe?
-Não. Você foi a única.
-Por que você revelou isso só pra mim?
-Pra que você não pensasse que é culpada do que aconteceu. Procura a polícia e denuncia o Beto.
-Você nunca gostou dele, não é?
-Sempre soube que ele gostava de você.
-Aquele miserável não gosta de ninguém.
-Mas eu sim. Do mesmo jeito que ele, eu também escondi que era apaixonado por você. Só que chega uma hora que a gente não pode mais esconder, nem acreditar que a gente é responsável pelos erros dos outros.
-Eu não posso contar nada à polícia... Eu tenho vergonha.
-Você vai ter que expor. Vai se expor. O Beto não vai mais fazer mal a ninguém se você não deixar. Pensa na Júlia que você mostra pra todo mundo, na moça forte e decidida que todo mundo acha que você é. Mostra que você não é só uma personagem.
Comovida, Júlia se deixa abraçar por Hugo, que finalmente se sentiu livre para admitir o que sentia.

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Fátima aparenta estar brava, e espera por notícias de Beto no corredor. César sai do quarto, um pouco empalidecido. Luiza está na sala, mas não é vista pelos familiares.
-E então, César? Como é que ele está agora?
-Eu... Não tenho boas notícias, Fátima.
-Por quê? O Beto piorou?
Luiza se aproxima sem ser percebida.
-Infelizmente, ele não resistiu- César admite com certo pesar, deixando Luiza em pânico.
-Como é que você deixou isso acontecer?
-Fiz tudo o que era clinicamente possível, Fátima, mas não deu. Apesar de ter controlado a hemorragia dele, ele estava fraco demais.
Desnorteada, Luiza abre a porta e sai do apartamento, sendo que Fátima e César não atentam para isso por estarem em choque com a morte de Beto.
-E agora? O que você vai fazer? A gente não pode deixar esse corpo aqui.
-Eu vou dar meu jeito. Vou falar com um rapaz do IML pra ele levar o corpo até lá e comunicar à família.
-Só que certamente vão querer explicações sobre a causa da morte, César.
-Disso eu sei, Fátima. Mas talvez seja o caso de eu conseguir um laudo que indique outra causa mortis pra ele. Um acidente, talvez.
-Coitada da Luiza. Primeiro, a morte da Soraia, e agora isso...
-A minha filha não vai ser presa, Fátima. Pra todos os efeitos, foi apenas um acidente casual que tirou a vida do Alberto.
-Sua passividade diante de tudo isso me assusta, César...
-O que você quer? Que eu entre em desespero por ter um cadáver na cama das minhas filhas? E que ele foi morto aqui dentro? Tudo tem que ser feito pra poupar a Luiza. Ela é quem me preocupa.

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Nuno está num banco da praia, ainda chateado pelo que aconteceu à Júlia. O celular começa a tocar e se trata justamente da sua irmã.
-Júlia?
-Você tá podendo falar, Nuno?
-Tô. O que foi?
-Eu pensei melhor e... Vou pra delegacia prestar queixa contra o Beto. Você pode ir comigo?
-Claro que eu posso. Me espera que eu já tô indo pra casa e te pego.
-Tá bom, tchau.
-Tchau- Nuno desliga o celular e encontra Luiza caminhando na areia da praia, desesperada.
A garota passa a lembrar do dia que em que jogou as cinzas da mãe na água do mar, sem andar muitos passos pelo fato de não saber nadar. Dessa vez, ela entra na água com o intuito suicida.
Ao perceber que depois do mergulho Luiza não apareceu  novamente, Nuno presume que a moça está se afogando, levantando-se do banco.

DEPOIMENTO

"O que é que a minha história tem de diferente das outras que contaram aqui? Eu não sei. Eu também ouvi tudo que não precisava ouvir, pois era vítima, e não agressora. Mas quando eu era adolescente, aconteceu de ficar quatro dias preso no sótão da minha casa. Tudo começou depois de uma discussão com a minha mãe, e o meu padrasto negou tudo aquilo que ela acusava ele de ter feito. Ele prometeu ir embora da vida dela, mas me levou também. Já tinha notado que ele me lançava uns olhares, e não entendi que a minha mãe estava cada vez mais desconfiada. Nesses quatro dias, eu só pensava no que ele ia fazer comigo. Não sei se por medo, mas não aconteceu nada. A polícia conseguiu descobrir pra onde ele tinha me levado e me resgatou. Mas, desde então, a relação com minha mãe não foi mais a mesma. Até exame de corpo de delito eu tive que fazer pra provar que não houve nada, mas nem  isso foi o suficiente. Na cabeça dela, eu dei motivo pro comportamento dele. Meu nome é Daniela e reconstruir uma relação arranhada é a minha luta diária."