Desesperado, Nuno tira os sapatos
o mais rápido que pode e entra na água para resgatar Luiza. Ao mergulhar,
procura a moça, e só a encontra quando vê o rosto da jovem na superfície, já se
afogando. Ele tenta segurá-la, mas Luiza busca se desvencilhar dele. A
correnteza, por sua vez, arrasta os dois para um pouco mais perto da beira da
praia. Nuno volta a ter Luiza nos braços e nada até trazê-la para a areia.
-Você não... – Luiza tem um
acesso de tosse- Você não tinha que ter me tirado de lá. Devia ter me deixado
morrer...
-Eu nunca ia deixar você fazer
isso.
-Mas devia. Não ia dar fim a nada
tão importante mesmo.
-Por que você queria se matar?
-Não é da sua conta, me deixa em
paz!
-Parece que você não entende mesmo,
né? Tudo que acontece de ruim com você me machuca também.
-Como é que isso pode acontecer?
A gente mal se conhece, eu deixei bem claro que não queria você por perto e você
ainda insiste?
-E vou continuar, Luiza. Mesmo
que eu não fosse apaixonado por você, eu ia ficar perto do mesmo jeito porque
eu sei que você precisa de ajuda.
-Por que de tanta menina que
existe nesse mundo, você tinha que cismar logo comigo?
-Não é cisma! Também não é atração
sexual, como você pensa. É vontade de ter por perto, de proteger, de abraçar.
Se não é amor, eu não sei o que é.
-Só pode ser obsessão. Amor não
é, nem pode ser. Porque ele não existe.
-Pode ser. Mas eu não fico com
quatro pedras na mão, esperando todo mundo me dar uma punhalada, como você faz.
-Quando você viver uma vida sem
amor, repleta de ausência, de carinho, de proteção, e de não poder confiar em
ninguém porque sempre tem alguém pronto pra te trair, aí você para com esse
discurso idealista, e para de me criticar. Isso é típico de vocês homens:
primeiro, dizem que vão dar o apoio que a gente tanto precisa e depois...
-Para! Para, Luiza! Eu não sou
melhor nem pior do que ninguém, nem quero ser. Mas eu não tenho medo de amar.
Eu não tenho medo de descobrir que alguém, mesmo que não esteja comigo, vai se
importar se eu sofrer ou não.
-Que discurso lindo!- Luiza
ironiza o comentário de Nuno- Comovente... Mas quando é pra ser o porto seguro
da gente, ninguém está do nosso lado!
-Quem sabe você não é o porto
seguro de alguém?
-Seu?
-Da sua irmã. Já pensou se ela te
perde?
Luiza cai em si e deixa as
lágrimas dominarem seus olhos.
-Eu não sou ninguém pra proteger
a Talita. Nem ninguém de quem ela possa orgulhar.
-Faça por onde. Viva errando até
encontrar o caminho certo. Só não deixe de viver. Se não for por mim ou por você
mesma, faça por ela.
Tocada pelas palavras de Nuno,
que já desistiu de argumentar com ela, Luiza abraça o vizinho aos prantos. Pela
primeira vez, o rapaz tem a sensação de que pode protegê-la de qualquer coisa.
Abalado também pelo que aconteceu à Júlia, ele toma para si as palavras que disse
e se sente também o porto seguro de alguém.
////
-O Beto tá morto?- Talita não
consegue acreditar quando César e Fátima lhe comunicam sobre o óbito.
-Fiz tudo que era possível pra
salvá-lo, mas não foi o suficiente.
-Parece que tudo é mentira. Não
só a morte dele, mas... Tudo o que aconteceu nesses últimos dias... E a Luiza?
-Eu não sei, meu anjo. Não sei
onde sua irmã foi, eu estava conversando com seu pai e não vi ela saindo de
casa.
-Tia Fátima... A Luiza não vai
ser presa, né?
Neste momento, Luiza abre a porta
do apartamento e entra com o vizinho que a salvou.
-Vem, Nuno.
-O que é que esse moleque está
fazendo na minha casa, posso saber?
-Luiza, por que você tá assim,
toda molhada? O que foi que houve, minha linda?
-Você estava com ele, não foi?
Claro que estava. Mesmo eu proibindo você de falar com esse...
-O Nuno salvou a minha vida, Pai.
-Como assim?
-Dr. César, ela... Se jogou no
mar. Eu tava na praia e tirei ela da água.
-Isso é verdade, Luiza?
-Não tá me vendo toda ensopada,
Dr. César?
-Mas por que você fez isso?
-Pelo motivo mais óbvio do mundo:
eu matei um homem.
-Luiza!
-Não precisa disfarçar, eu já
contei tudo pro Nuno.
-Eu não imaginei que você fosse
ter essa reação à morte do Beto.
-O Beto ter morrido não me
interessa. O problema foi que ele morreu por minha causa.
-Luiza, eu já telefonei pra um
conhecido que eu tenho no IML. À noite, ele vem tirar o corpo daqui,
aproveitando que tem pouca movimentação no prédio. Daí, nós vamos criar uma causa mortis pra que ninguém saiba do que o Alberto morreu.
-Não precisa se sujar por minha
causa, Pai. Quando eu estava vindo pra cá, eu tomei uma decisão.
-Tá falando do quê, Lu? Que
decisão é essa?
-Eu vou me entregar à polícia.
-Luiza, tem certeza do que está
fazendo?- Fátima tenta demover a sobrinha da ideia.
-Tia, eu sempre fui justa em tudo
que eu faço. Não tem sentido eu fugir, fingir que nada aconteceu. Quando eu
escutei meu pai contando que o Beto tinha morrido, eu senti muita culpa. Mas
agora eu vejo que... Eu não posso me culpar porque eu não queria matar o Beto.
Tudo o que eu queria era defender a minha irmã.
-E o que você quer? Virar uma mártir
das mulheres da família?- César se irrita com a atitude da filha- Tem noção de
que você vai parar no reformatório se assumir a culpa do assassinato do Beto?
-Sei, eu sei disso, Pai. Mas eu só
quero que esse pesadelo acabe o mais rápido possível. Eu vou até a delegacia.
-Eu vou com você- diz Talita- Eu
quero falar o que aconteceu, que você não faz nada premeditado. Você não vai
ser presa se eu contar o motivo de você ter atirado. Qualquer juiz vai te
deixar em liberdade depois de saber toda a verdade.
-Talvez se você contasse que o Beto
abusou da Júlia, ele não te deixaria presa, Luiza- Nuno supõe.
-Não. Ninguém sai dessa casa. Eu
não vou deixar filha minha pisar em delegacia nenhuma.
-Agora não é mais questão de você
decidir ou não por mim, Pai. Eu sou a assassina do Beto.
-Tudo bem. Já que é pra falar a
verdade, eu ligo pra polícia e o delegado vem até aqui. Aí aproveitam e tiram o
corpo do Beto. Vamos acabar com essa história de uma vez por todas.
-César, se a Luiza alegar
legítima defesa, ela vai poder responder o processo em liberdade...
-A minha filha não vai responder
processo nenhum, Fátima. Eu vou ligar pra delegacia, e vocês vão esperar aqui.
Ninguém coloca o pé pra fora dessa casa.
////
Alguns minutos depois, Júlia está
com Hugo na portaria do prédio, esperando por notícias de Nuno, pensando que
ele ainda não chegou.
-Por que é que o meu irmão não
atende esse telefone, gente?
A delegada chega e se dirige aos dois
jovens.
-É aqui que mora César Barbosa Telles?
-Sim, no apartamento 1202.
-Obrigada. Vamos, rapazes- diz
aos outros oficiais.
-Espera. Aconteceu alguma coisa?
-Nós recebemos uma ligação de
alguém se identificando como sendo o César, dizendo que no apartamento há o
corpo de um homem.
-Por isso que ouvimos o barulho
de um tiro ontem- constata Hugo.
-E nenhum dos vizinhos avisou à
polícia?
-O meu irmão ouviu, sim, e até
correu pra porta do Dr. César pra saber se tinha sido lá, mas ele negou.
-Pois é. Agora sabemos que de
fato, há um corpo lá dentro.
-Vocês sabem quem foi que morreu
no apartamento?
-Segundo o tal César, é um rapaz
que namorava uma das filhas dele. O nome que ele deu pelo telefone foi Alberto
Tavares Siqueira Filho. Vocês o conhecem?
-Beto... Mataram o Beto...
-Ele estudava com ela na
faculdade de Jornalismo.
-Então, você pode reconhecer se
realmente o corpo é do Alberto.
-Claro. Claro que eu posso.
-Então, vamos.
////
A delegada bate à porta, que é
atendida por César.
-Nuno?- Júlia vê o irmão sentado
no sofá.
-O senhor é César Barbosa Telles?
-O próprio.
-Muito prazer. Sou a delegada
Estela Munhoz, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.
-Pode entrar. Fiquem à vontade.
-E onde está o corpo?
-Primeiro quarto à esquerda.
Estela segue alguns de seus
subordinados, enquanto um deles fica à porta. Júlia entra ao lado de Hugo.
-O que você tá fazendo aqui,
Nuno?
-É uma longa história, Júlia. Por
isso que eu tive que desligar o celular.
-Mas... Mataram o Beto mesmo?
-Sim, é verdade.
-E quem foi?
-Dr. César, nós teremos que
acionar a perícia pra saber a que horas o corpo veio a óbito, a causa da
morte... Mas eu vou ter que colher seu depoimento.
-Não. Delegada. Sou eu que tenho
algo pra falar.
-Você, quem é?
-Luiza de Lima Telles. Sou a
filha mais velha dele.
-Sei. E o que você tem a dizer? Você
viu alguma coisa?
-Fui eu quem atirou no Beto, o
rapaz que está lá dentro.
-Quando foi isso?
-Ontem à noite. Acho que devia
ser umas oito horas da noite.
-Por que você atirou nele?
-A minha irmã era namorada dele,
e tinha marcado um encontro aqui no apartamento. Quando ele chegou, eu não tava
em casa.
-E onde estava?
-No colégio, fazendo um trabalho.
-Certo, mas o que te levou a
atirar?
-Minha irmã, Talita, tava com ele
no quarto. Assim que eu entrei no apartamento, chamei por ela, pra saber se
tinha alguém em casa. Ela tinha gritado. Eu corri pro quarto e flagrei o Beto tentando
estuprar a minha irmã.
-Aí você atirou nele?
-Não. Eu parti pra cima dele,
tentando tirar ele da minha casa, mas ele me empurrou e eu bati a cabeça no
guarda-roupa do quarto.
-Era lá que estava guardada a
arma que você usou contra a vítima?
-A arma tava no quarto da minha
tia, Fátima.
-Essa tal de Fátima está aqui?
-Sou eu, Delegada.
-Dona Fátima, a senhora por acaso
tem porte legal de arma pra guardar alguma em sua residência?
-Sim, Delegada. Tanto eu como o
César, meu irmão.
-Pelo que eu entendo, você foi
até o quarto da Fátima pra pegar a arma e atirar no Beto.
-Isso...
-Mas, pelo que eu pude perceber,
o rapaz não chegou a óbito imediatamente. A temperatura do corpo está baixa e a
coloração da pele está diferente, mas não é de quem faleceu ontem à noite. Ao
que parece, o rapaz morreu hoje, há menos de duas horas. O senhor, que é
médico, não fez nada para salvá-lo? Por que não o levou ao hospital?
-Porque meu pai sabia que um
ferimento à bala ia gerar suspeita. Ele quis me proteger, e por isso tratou do
Beto aqui em casa.
-Sabe que o senhor foi
negligente, não sabe? Não é apenas a sua filha responsável pela morte da
vítima. O senhor também.
-Beto não é vítima de ninguém- Hugo
surpreende pela raiva que transmite- Ele não passava de um estuprador, que além
de ter atacado a Júlia, também tentou atacar a Talita, pelo visto.
-Os crimes possivelmente
cometidos por ele não estão em discussão. A questão é o que aconteceu com o Beto
enquanto vítima. Portanto, se o Dr. César omitiu socorro, ele é tão culpado
quanto Luiza da morte do Beto, já que o tiro que ela deu provocou a morte do rapaz.
-A asfixia provocou a morte dele-
César, para a surpresa de todos, expõe um detalhe interessante na condução dos
esclarecimentos.
-César, do que está falando? Todos
nós sabíamos que a situação do Beto era grave, e que ele ia morrer mais cedo ou
mais tarde, mesmo você fazendo de tudo pra salvar a vida dele.
-Realmente, Fátima, eu fiz... Até
a página dois- o médico se vira para a irmã, as filhas e os vizinhos- Eu fiquei
consternado quando soube que minha filha foi capaz de atirar no Beto, e até
cheguei a recriminá-la por isso. Nós discutimos e ela e Talita foram pro
quarto.
-Sua irmã, onde estava nessa
hora?
-Presenciou a discussão,
Delegada. Antes, eu havia pedido para que ela fosse até a clínica onde trabalho
e me trouxesse alguns medicamentos, pra evitar que ele ficasse desidratado ou
que tivesse algum tipo de infecção. Foi então que...
////
-Sinceramente, eu me recuso a
acreditar como você foi capaz de descer tão baixo. Atentar contra o Beto? Eu
devia ter combatido seu cinismo, seu sarcasmo. Desde que eu dei permissão pra
ele namorar sua irmã você fez questão de mostrar que não simpatizava com ele.
Eu tenho vergonha de você.
-César!
-Pode deixar, Tia. Eu também não
morro de amores por você. Tomara mesmo que ele morra, porque assim eu vou pro
reformatório e você se livra de mim- Luiza vai para o quarto, sendo seguida de
Talita.
-Isso era tudo que ela não
precisava ouvir, Pai.
-O que a sua irmã fez foi um
crime.
-O que a minha irmã fez foi
salvar a minha vida!
-Salvar de quê? Pensa que eu não
reparei em você seminua no quarto quando Fátima e eu entramos? Na certa, você
deve ter tentado alguma coisa com o Beto. Por influência da Luiza.
-Pensa o que você quiser, Pai. Eu
não vou me defender. Eu não quero me defender, e se essa história vazar, eu vou
mentir pra proteger a minha irmã. Tirando a Luiza, a única pessoa que lutou um
dia pra nos defender foi a minha mãe. Só que eu não sabia que ela queria me
defender de você- Talita também vai para o quarto.
-Viu? Mais um pouco e ela vai me
peitar, como faz a mais velha.
-Como ele está agora?
-Um pouco febril. O quadro é
instável, não há muito o que fazer.
-Acha mesmo que o Beto vai
escapar com vida?
-Tomara, Fátima. Porque a Luiza
está em maus lençóis.
-Maus lençóis por sua culpa! Se
você não tivesse permitido que aquele desaforado namorasse a Talita, sua filha
não teria armado a mão!
-A culpa é minha de ela odiar
todo mundo, de ter um temperamento difícil? Qual é a culpa que o Beto tem de
ter se apaixonado pela Talita?
-O Beto estuprou a Júlia!
-Quê?
-Eu ouvi ela contando pro irmão
que tinha sido abusada por ele, César! Ninguém me contou, eu vi!
-Isso é teatro. É teatro dessa
menina... Aposto que ela consentiu.
-Por tudo que é mais sagrado,
nunca mais diga isso. A Júlia não precisava mentir pra mim. Eu vi e ouvi tudo.
A Luiza não sabia do que havia acontecido. Por isso, pra ela ter pego a arma do
meu quarto, alguma coisa ele deve ter feito, não acha? Pensa nisso, César,
antes de acusar a Luiza de qualquer coisa- Fátima deixa o irmão pensativo antes
de ir para os seus aposentos, até que, tomado pela angustiante dúvida, vai até
o quarto das meninas (onde está Beto, convalescente). O agressor de Júlia está
com os olhos abertos, e César se aproxima.
-Você tentou abusar da Talita?
Com dificuldade, Beto responde:
-O que o senhor acha?
-Responde, infeliz!
-Uma pena que eu não consegui.
Talita finalmente ia saber o que é um homem.
-Eu não acredito... Eu não
acredito que eu salvei a vida do homem que tentou abusar da minha filha...
-Se pensa que isso vai aliviar a
barra da Luiza, tá enganado. Eu vou jogar a tua filha no reformatório. Pode apostar.
Furioso, César toma o travesseiro
no qual Beto apoia a cabeça.
-Não faz nada com ela...
-Tarde demais... A Talita já me
denunciou, a Luiza quis ferrar comigo... Eu não vou ter pena da tua família.
-Nem eu de você- diz em voz
baixa, sufocando Beto com o travesseiro. Desesperado, César procura se manter
frio. Sem causar barulho, vai ao banheiro e se tranca, onde chora
silenciosamente.
////
-Eu menti pro Beto, dizendo que
tinha chamado a polícia pra testar se ele era culpado da acusação de estupro.
Foi por isso que ele partiu pra cima de mim. Pra se vingar- Talita admite que a
denúncia era falsa.
-Por que você fez isso, Pai?
-Muitas vezes você chegou a
duvidar que eu realmente te amava por causa das minhas atitudes, não é? Mas não
é bem assim, Luiza. Eu protegi você e a sua irmã.
-Bom, Dr. César, o senhor vai me desculpar,
mas eu vou ter de levar o senhor e a sua filha pra prestar esclarecimentos na delegacia.
-Espera. Eu também quero ir. Eu quero
confirmar o que o Beto fez comigo- Júlia tenta defender o médico.
-Está bem, então. Acho melhor
todos vocês irem juntos, já que conheciam a vítima e... Os agressores.
-Fátima... Cuida delas pra mim na
minha ausência.
-Você não vai ser preso, César.
Fez isso pra defender suas filhas.
-Não importa a motivação, e sim o
crime. Cuida delas pra mim, por favor.
-Sabe que pode contar comigo.
-Vamos logo, então. Mas antes, eu
tenho que fazer um procedimento de praxe. Espero que me desculpem- Estela algema
César e Luiza, e os leva numa viatura à parte. Enquanto os demais, sorumbáticos
com a situação, acompanham os outros oficiais, que esperam a perícia recolher o
corpo de Beto.
ALGUNS
MESES DEPOIS...
No cenário da série de
reportagens "Diário de luta", estão Luiza, Talita, Nuno, Júlia, Hugo,
César e Fátima. Um pouco tímidos em falar sobre suas experiências. Luiza se
aproxima de Nuno e admite:
-Você tem muita coragem mesmo.
-Por quê?
-Por querer dar esse depoimento
sobre sua irmã.
-É. Ontem até achei que não
conseguiria falar, de tão nervoso.
-Eu queria te pedir desculpa, por
todas as vezes que eu fui grossa com você.
-Tudo bem. Acho que também a
gente nunca ia dar certo se um tentasse e o outro não.
-Nuno, e se...
-Fala.
-E se a gente tentasse? Acho que
não custa nada, né?
-Vamos fazer o seguinte:
primeiro, a gente fica firme na amizade. Afinal, do que adianta ser namorado se
também não for melhor amigo?
Luiza o retribui com um leve
sorriso.
Fátima conversa com o irmão sobre
sua situação judicial.
-Ainda bem que o advogado
conseguiu fazer você responder o processo em liberdade.
-Isso não me dá tranquilidade
nenhuma, Fátima. Eu sei que em breve eu vou a julgamento e dificilmente eu vou
escapar da pena.
-Não pensa nisso. Pensa que... A
relação com a Luiza melhorou, e que nesse pouco tempo que vocês ficarão juntos,
vão ser tempos felizes.
-A verdade é que se eu não
tivesse certeza de que você vai estar ao lado delas, eu teria um medo bem maior
do futuro que me espera.
Talita, por sua vez, fala com
Hermínia ao telefone.
-Sim, tudo melhorou bastante.
Apesar dessa tensão pelo julgamento do meu pai, a gente tem se dado bem.
-E a questão da sua irmã?
-A justiça entendeu que o que a
Luiza fez foi de legítima defesa. Só que o meu pai vai ter que passar pelo
júri.
-Apesar de tudo, eu torço que ele
realmente consiga ficar livre. Mas e você? Como você está agora?
-Exatamente igual ao dia em que
eu cheguei "na" casa do meu pai, Voinha: pronta pra começar tudo de
novo.
Júlia está atrás da câmera e
pergunta ao novo apresentador da série.
-Já pode começar?- ele sinaliza
que sim- Então... Gravando!
Hugo se posiciona diante da câmera
e começa a falar usando a Língua Brasileira de Sinais. Aos poucos, as pessoas
que depuseram ao longo dos capítulos dão as mãos a Nuno, ligado à Luiza, à Talita,
a César, à Fátima e, em seguida, à Júlia, que corre para aparecer, junto a
todos, atrás do rapaz.
-Essa é uma história de ficção
que, em algum momento, pode ter agredido a quem leu. Mais forte e agressiva do
que a ficção, entretanto, está a realidade. Pense no esforço que é feito para
mudar a ficção, e o compare com o anseio de mudança do mundo real. Não é tão
difícil: basta se colocar no lugar do outro, que não é mais do que a maior
vítima do semelhante. Colocar-se no lugar do outro é a nossa luta diária, sem
levantar bandeiras ou necessariamente seguir uma corrente. Acabar com o egoísmo
que toma conta de nós todos os dias é uma batalha difícil, da qual não podemos
desistir. É a nossa luta, que pode ser sua também.
Desta forma, encerra-se a série
jornalística "Diário de luta", sob o aplauso dos presentes, os que
calaram um dia e os que já foram silenciados, e de muitos que não podem falar.
FIM