21/10/2016

ONZE MIL/ CAPÍTULO 5



-Não é possível...
Osmar corre para levantar o filho da calçada.
-Você está bem, meu filho?
-Aquela moça ali... É Carolina!
-Quem?
-A Carolina, Pai!- levanta-se e corre, apesar de um machucado na perna causado pelo empurrão.
-Peraí, Lucas...
-Carolina? Fala comigo, pelo amor de Deus! Carolina!
O dono da lanchonete corre para ver o carro que atropelou a filha de Bernardo Mutarelli. A janela do veículo está aberta, ele verifica a pulsação do motorista. Faz um sinal negativo para Osmar, que corre atrás do filho. Lucas levanta a cabeça de Carolina.
-Não mexe nela, não. Pode ter quebrado alguma coisa.
-Liga pra ambulância, Pai, chama um médico!
-Espera, eu vou pegar o celular- tira o aparelho do bolso da calça.
-Me dá. Deixa que eu ligo.
-Por que você não me disse nada?
-Nada do quê, Pai?
-Disso que eu tô vendo.
-E eu sabia disso? Ela não falou nada disso pra mim. Ainda fui no aeroporto pra me despedir e ela não me disse nada!
-Tá. Isso a gente vê depois. Liga pro Samu, rápido!
-Alô. Moça, por favor, teve um acidente de carro aqui na Rua Augusta Toledo. Um carro atropelou uma moça e bateu num poste. Nome da vítima? A moça é Maria Carolina Figueiredo Mutarelli.
                                                       
...

Bernardo chega para jantar com o irmão. Yanna está ao telefone, desesperada.
-Tá bom, eu já tô indo praí. Obrigada.
-Aconteceu alguma coisa?- Miguel pergunta à sobrinha.
-Carolina...
-Ah, não. Nós não vamos mais uma vez discutir a situação da sua irmã.
-Carolina voltou pro Brasil.
-Sem avisar a ninguém? Mas por quê? Onde é que ela está?
-Acabaram de me ligar, ela tá no hospital.
-Hospital? A Carolina deu a luz?
-Um carro atropelou a Carolina- Yanna chora bastante, enquanto Bernardo não acredita no que a moça diz.
-Tem certeza disso, Yanna? Será que não foi algum trote?- Miguel desconfia.
-Só tem um jeito de saber se é verdade ou não, Miguel- Bernardo disca o número do colégio interno onde a matriculou.
-Boa noite.
-Aqui é Bernardo Mutarelli.
-Doutor, eu não esperava que o senhor ligasse tão cedo. Nos falamos por telefone de manhã e...
-Eu exijo falar com Carolina agora mesmo. Vá chamá-la. O que foi? Por que está demorando tanto? Cadê a minha filha?
-Eu sinto muito, Doutor. Estávamos ligando agora mesmo pra comunicar o senhor.
-Do quê?
-Carolina desapareceu do internato.
Bernardo desliga o telefone.
-O que foi que a diretora disse, Bernardo?
-Carolina não está no colégio e ninguém sabe do paradeiro. Quem ligou pra cá não mentiu pra Yanna. Ela veio pro Brasil... O que disseram? Como ela está?
-Ninguém me disse nada, só que ela tinha sido atropelada e que tava lá numa policlínica do bairro de Casa Amarela.
-Mas o que a Carolina foi fazer lá? A gente não conhece ninguém que more nesse bairro!
-Tem uma pessoa que mora lá, Miguel. E eu sou capaz de apostar que ele é o culpado. Não vamos perder mais tempo, vamos pro hospital.
Yanna e Miguel seguem Bernardo, que dirige em alta velocidade.

...

A Família Mutarelli, com exceção de Raffael, chega atônita à recepção da policlínica. Bernardo toma a palavra.
-Eu tô procurando minha filha.
-Desculpe, senhor, mas não pode passar na frente...
-Que se dane os outros. Eu quero saber como está minha filha!
-Senhor, por favor, se acalme, senão eu vou ter de chamar a segurança.
-O médico não saiu de lá ainda, não, senhor- Osmar explica ao pai de Carolina a falta de notícias, enquanto Lucas está de cabeça baixa- Ainda estão examinando sua filha.
-O que foi que aconteceu com ela exatamente?- Yanna pergunta a Osmar, enquanto Bernardo não tira os olhos de Lucas e Miguel percebe a fúria do irmão.
-Ela estava na minha rua, quando um carro atropelou ela e bateu num poste. O motorista morreu na hora. A polícia disse que ele se descuidou porque estava falando pelo celular.
-O motorista morreu? Não devia ter morrido sozinho.
-Do que o senhor está falando?
-Não finja que não sabe! Minha filha fugiu de uma escola interna, viajou de avião e onde é que ela sofre acidente? Na rua da sua casa! Ela foi procurar esse negro desgraçado...
-Cala a boca!- Lucas grita com Bernardo- O senhor sabia, não foi? Sabia que Carolina tava grávida, e ficou enchendo a cabeça dela pra ela ir embora, pra eu não ficar sabendo de nada?
-Hum, quem terminou o namoro com ela foi você.
-O senhor colocou ela dentro de um avião, trancou ela num colégio, só pra que ela não ficasse com um preto que nem eu.
-Pelo menos, eu não atraí a Carolina para a morte.
-Deixa de ser cara de pau! Você sabia que ela ia me contar a verdade uma hora, senão ela não tinha ido me procurar.
-E graças a você, ela está internada aqui, nessa pocilga, sabe-se lá em que estado! Será que você não vê que tudo que tem acontecido de ruim na vida da Carolina é culpa sua?
-Bernardo, para!- pede Miguel, segurando o irmão para que ele não agrida o jovem.
-Você domina a vida dela, não deixa ela ser feliz e quer botar a culpa pra cima de mim? Vai te catar!
-O que é que tá acontecendo aqui?- intervém o Dr. Joaquim- Isso é um hospital; se quiserem resolver algum problema, resolvam lá fora. Tem gente doente aqui!
-Eu quero saber como é que é está a minha filha! Será que ninguém pode me dar essa informação?
-Ele é o pai da Carolina, Doutor- explica Lucas.
-As notícias, infelizmente, não são muito boas.
-O que foi? A minha irmã piorou? Alguma coisa com o bebê?
-Tivemos que fazer uma cesariana de emergência. O bebê nasceu. É um menino e...
-Tá, tá, mas e a Carolina? Minha filha está como?
-Tanto sua filha como o seu neto estão em estado grave. Tivemos que colocar a criança em uma incubadora, e não existe previsão de alta.
-Por favor... Só se atenha às informações sobre a minha Carolina.
-Ela perdeu muito sangue. Conseguimos conter a hemorragia, mas o estado de saúde dela é muito delicado. Eu temo que... Seja apenas uma questão de horas.
Todos ficam em choque com as palavras do médico. Mas Bernardo volta a dialogar.
-Está acordada?
-Não. E infelizmente eu não posso nem lhe dizer se isso acontecerá.
-Posso vê-la?
-Sim. Por favor, pode vir comigo.
Lucas chora bastante, e é amparado pelo pai.
-Eu sabia que isso ia acontecer. Ela não tava feliz, não queria sair daqui.
-Agora a gente tem que ter fé, Yanna. Fé. Porque só assim sua irmã vai se salvar- aconselha Miguel.

...

No apartamento onde Alice mora, Raffael está em um jantar romântico com a namorada. O empenho do rapaz em agradá-la chega a deixá-la constrangida.
-Tá aqui. Meu melhor prato. Aliás, o único que sei fazer.
-Não precisava. Aqui, eu já me acostumei a pedir uma comida japonesa toda noite.
-Pois é. Mas hoje eu quis que fosse diferente, dar um toque especial.
-Por quê?
-Porque todo dia com você é especial. Não sei ver de outro jeito.
-Fael, você tá a fim de me dizer alguma coisa?
-A gente tá junto há um tempo já, Amanda. Sabe, eu andei pensando... Acho que tá na hora de te apresentar pra minha família.
-Não precisa- levanta-se da mesa, aflita.
-Você não quer conhecer meu pai, minha irmã?
-Raffael, o que a gente vive é só entre a gente, tá? Tá bom demais!
-Até parece que você tem medo de um lance mais sério. Outra no seu lugar tava cheia de expectativas.
-Só que eu sou bem diferente das outras, tá, meu querido?
-Não importa. Não deixa de ter medo. E parece que, quanto mais a gente passa o tempo junto, menos você confia em mim pra dar a resposta- levanta-se.
-Aonde você vai?
-Pra casa.
-Peraí, você faz um jantar pra gente e vai sair sem comer nada?
-Pra você. Não pra gente. Meu mundo sem você já deixou de existir há muito tempo. Depois a gente se fala- beija rapidamente Alice e deixa o apartamento.

...

Yanna está nos corredores da policlínica, ainda ao celular, tentando se comunicar com o irmão para falar sobre o estado de saúde de Carolina.
-Conseguiu falar com Raffael?
-O celular continua fora de área.
-Deixou algum recado pedindo pra que ele venha pra cá?
-Milhões de recados, mas continua na caixa postal. Deve estar com a namorada.
-Tantos problemas e seu irmão enfurnado na casa de uma garota de...
-O que o senhor ia dizer?
-Esquece. Pensei besteira.
-Falou com o médico?
-Falei. Pedi pra transferi-la pro hospital onde o nosso plano tem convênio, mas ele disse que a situação é muito delicada pra tirá-la daqui.
-Tá, mas e o bebê?
-Que é que tem ele?
-Como é que ele tá?
-Na incubadora ainda, sem previsão de alta. Isso foi o que disse seu tio Miguel.
-Ainda não viu?
-Minha preocupação é e vai continuar sendo sua irmã. A propósito, vou vê-la.
-Cuidado pra não cruzar com o pai do filho dela. Porque pelo que eu tô vendo, o senhor tá fazendo de tudo pra não olhar pra cara dele.
-E não sei o que vou fazer se ele se aproximar da sua irmã de novo.
-Dá uma trégua, Pai.
-Não. Enquanto ele estiver perto de mim, não vai ter trégua nenhuma- vai para o quarto onde está internada Carolina.
A moça está com um nebulizador, e com a mão esquerda segurada por Lucas, que se mostra atencioso. Bernardo não gosta da presença do rapaz e se apressa para tocá-lo, a fim de expulsá-lo do quarto, mas Carolina abre os olhos e nota ambos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário