Daí que ficar espiando a própria
nora não era o único plano de Seu Arnaldo. Pelo contrário: o velhote esperou
cerca de um mês para tentar dar o bote novamente. Peter tinha ido até a casa de
Santiago para terminar um trabalho de química. E novamente, Juliane se via
sozinha com o mau-caráter.
Claro que vamos explicar o motivo pelo qual a
câmera é o nosso gancho. Juliane não sabia manejar o objeto, mas decidiu
acompanhar o crescimento de seu filho, nessa época com sete meses de idade. O
porém é que a criatura não sabia que a câmera estava no modo de filmar, e não
no de fotografar.
-Olha, Bê. Olha pra mamãe. Vamos tirar foto,
hein?- viu que o bebê sorria pra câmera. Mas ao apertá-la, percebeu que não
alcançava seu objetivo (putz grila, era necessária essa poética toda pra dizer
que a mulher não sabe bulir numa máquina fotográfica digital?). A essa altura,
o sogro da moça estava espionando-a novamente.
-O que foi? Descarregou?
-Não, acho que não. Impossível. Acabei de
tirar da tomada. Tava carregando mais de horas.
-Deixa eu ver- propositalmente, chega bem
perto do rosto de Juliane- Ah, é que você botou pra filmar, não vai tirar foto
dele assim.
-Tudo bem, deixa eu ajeitar aqui.
-Depois... - tira a câmera do alcance de
Juliane, pondo-a na mesa do computador.
-Eu vou ajeitar a câmera, seu Arnaldo.
-Eu disse que depois você ajeita...
-Depois, por quê?
-Porque agora que o meu filho não está aqui,
vai ser ótimo pra gente resolver alguns assuntos que não deu pra resolver
quando você chegou aqui.
-Não devo nada ao senhor. A única pessoa pra
quem eu devo é o Peter. Ele me fez o favor de trazer o meu filho pra cá sem
pedir nada em troca.
-Mas é lógico que não vai pedir nada. Você deu
antes disso.
-Olha aqui, não é porque eu moro na sua casa
que sou obrigada a ouvir esses desaforos, entendeu?
-Quem tem que entender alguma coisa aqui é
você. Eu não estou pedindo pra você escutar o que estou dizendo. Tô mandando
fazer o que eu quero!
Ele mesmo interrompe o raciocínio beijando
Juliane à força, mas a gata o repele com um safanão de doer a quem leu.
-Sai daqui! Sai. Se você não respeita o meu
filho, vê se dá um jeito de respeitar o seu! Fora- expulsa- e tranca a porta.
Juliane abraça o filho em estado de choque,
coloca-o no colo e vai desligar a câmera. Mas vê que o assédio do sogro fora
totalmente registrado. Como assim, Bial? Será que ela manda Arnaldo para o
paredão?
*****
São duas e meia da manhã. Os
vizinhos começam a bater na porta, pois não aguentam os gritos que Peter faz no
quarto, trancado com Juliane. Leilah bate na porta e Arnaldo atende, já se
justificando.
-Gente, desculpa, mas eu não posso fazer nada.
Bati várias vezes na porta do quarto, mas eles não atendem.
-A sorte dessa bisca é que isso daqui não é
condomínio. Mas se fosse, a gente já tinha dado um jeito de expulsar essa
menina daqui. Tá na hora da gente chamar a polícia.
-Pra quê? Eles estão no quarto! Vocês vão
alegar o quê pra polícia?
-Para! Para, Juliane! Para! Oh!- escutam-se
perfeitamente os gritos de Peter com a porta do apartamento aberta.
-Dá pra parar de fazer barulho, aí, minha
gente? – aparece Juliane num pijama que valoriza seus dotes; nem as novelas de
época das seis usam essa palavra com frequência!
-Vagaba! Rouba o namorado dos outros e ainda
faz show do prédio de madrugada? Isso não é casa noturna, não!
-Ah, é? Tá alegando o quê contra mim, advogada
de boate? Vem ver então o que eu estou fazendo!
Todo mundo entra no apartamento- o nome disso,
pra você que não está acreditando, é realismo fantástico- e qual não é a
surpresa do povo ao ver que Peter gritava de dor no pé, enquanto a bela Juliane
tentava acalmá-lo com uma massagem, embora tenha feito doer mais ainda?
-Que povo todo é esse, Juliane?
-Meu bem, se você fosse uma novela, se
chamaria “A vida da gente... Todo mundo cuida”! Fora daqui. Xô!
E todos saem decepcionados, por constatarem
que nada havia demais para acionar o 190. Inclusive Arnaldo, que pensava o
quanto o filho estava se dando bem, mesmo que este o impedisse de dormir.
Depois do momento Panis et circenses,
Juliane decide falar com Peter.
-Ei, o que foi? De repente você ficou com uma
cara...
-Eu preciso falar com você, Peter. Eu não ia
falar nada, mas eu tive medo de que desconfiasse de mim.
-Peraí, agora eu tô me assustando. Fala,
Juliane. Foi alguma coisa com o Bernardo?
Juliane levanta-se, pega a câmera e o cabo USB
e conecta-os ao computador. Aparece o aviso para acionar o assistente de
scanner e câmera.
-Juliane, o que é que tu vai me mostrar?
Logicamente, ela fica naquela
dúvida se vai ou não entregar o pai do cara. E sabe de uma coisa? Vocês também
vão ficar nessa incerteza!
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