Perto
do horário em que o filho Fábio largaria, o empresário Caio Marinho Vasconcelos
vai à casa da namorada do rapaz, sabendo que a adolescente não está em sua
residência. A empregada abre a porta ao escutá-lo tocar a campainha.
-Bom
dia. Em que posso ser útil?
-Eu
tenho que falar com Ariane, agora!
-Pode
deixar, Cleusa- Ariane vem da cozinha- Eu atendo esse senhor.
-Com
licença- a doméstica deixa a sala de estar, esquecendo-se de fechar a porta.
-Quer
beber alguma coisa, Caio?
-Como
é que você conseguiu se manter sob as aparências ontem à noite?
-Era
o dia em que Fábio pediu Gabriela em namoro. Nunca que eu ia imaginar que
aquele rapaz era seu filho.
-Meu
coração quase saiu pela boca quando entendi quem era você, quando pude te reconhecer...
-Dezoito
anos já se passaram.
-Pra
mim, é como se tudo tivesse acontecido ontem.
-Caio,
você sabe muito bem por que não fomos adiante na nossa relação.
-Sei,
sim. Mas não posso agir como se fôssemos dois estranhos.
-O
que quer que eu faça? Que eu grite aos quatro ventos que nós dois já tivemos um
relacionamento? Isso já faz tanto tempo que nem vale mais a pena lembrar!
-Só
que eu não esqueci, Ariane. Todo dia eu lembro e lamento que eu joguei o que a
gente tinha fora.
-Agora
as coisas são diferentes, Caio. Você é casado e tem um filho, formou uma
família, seguiu com a sua vida.
-E
você, seguiu com a sua?
-Olha
só, eu não vou admitir que você interfira na minha vida pessoal desse jeito!
-Qual
é o problema? Um dia eu já fiz parte dela.
-Tem
noção do que está acontecendo nessa sala? Eu estou falando do passado com o pai
do namorado da minha filha...
-Comigo,
Ariane. Com o Caio que um dia você amou.
Saindo
de um apartamento que ajudou a decorar, a mãe de Fábio, Alice, passa em seu
carro na porta da escola do filho. Ele está saindo com o melhor amigo e a
namorada, surpreendendo-se com a presença da esposa de Caio.
-Tá
fazendo o quê aqui, Mãe?
-Eu
tinha visitado uma cliente aqui perto e resolvi passar pra dar uma carona a
vocês, já que também estou indo pra casa.
-Ih,
Dona Alice, não vai dar. O professor de Física passou um trabalhou sobre óptica
geométrica, e a gente combinou de fazer lá em casa- explica Gabriela.
-Mas
bem que a senhora podia levar a gente do mesmo jeito, né?- sugere Fábio.
-Claro
que posso, meu anjo. Entrem aí.
Quando
Eduardo abre a porta traseira do veículo, repara que esqueceu o caderno na
sala.
-Gente,
“peraí” um minutinho, que eu vou buscar um negócio na sala e já volto.
-Vê
se não demora lá dentro mandando “pala” pras meninas, hein, Edu?
-Deixa
do teu “queijo”, Fábio... – o comentário de Eduardo o constrange diante de
Alice- Foi mal aí, Dona Alice.
-Tudo
bem, Eduardo. Eu nunca vou entender esses “elogios masculinos” mesmo.
-Já
venho.
Eduardo
corre de volta à sala de aula, quase vazia, mas encontra Bete e Diego, junto a
alguns rapazes de outras turmas, usando cigarros ao fundo da sala, de luz
apagada e com a porta entreaberta. O irmão de Gabriela religa o interruptor e
se assusta com o grupo, descobrindo dessa forma que estes faziam uso de
substâncias entorpecentes. Diego se mostra irritado.
-Tá
fazendo o quê aqui, rapaz?
-Relaxa
que eu não vi nada, vim só pegar meu caderno.
-Melhor
mesmo pra você- avisa, em tom de ameaça. Quando Eduardo deixa a escola e entra
no carro, o rapaz pergunta à namorada- E se ele entregar a gente pro diretor?
-Que
entregue. Ele expulsa a gente do colégio, e todo mundo fica sabendo o que rola
aqui dentro. Acha mesmo que vão querer um escândalo por causa de fofoca?
-Não
dá pra vacilar, não, Bete. Esqueceu que você é bolsista?
-Esqueci,
não, gato. Mas esse aí é peixe pequeno. Não vai fazer nada que prejudique a
gente.
O
filho mais velho de Ariane entra no carro sem comentar o que presenciou dentro
da escola, e os demais não reparam. À medida que o carro se aproxima da
residência de Ariane, cresce a tensão entre a anfitriã e o convidado indigesto.
-Se
você não tem mais nada pra fazer aqui, pode sair.
-Não
é possível que você vai me tratar como se eu não fosse ninguém, como se essa
situação não fosse estranha.
-Claro
que é. Meu coração quase pulou pela boca quando vi de quem Fábio era filho.
Achei que fosse mentira, mas não. Vi que você estava tão surpreso quanto eu.
-Me
diz, Ariane: o que é que a gente faz com isso?
-Eu
prometi pra mim mesma que eu não tocaria nesse assunto com ninguém. Eu não
quero e nem vou resgatar o nosso passado. Foi doloroso demais pra mim, e eu não
vou revivê-lo, Caio!
-Essa
reação sua... Quer dizer o quê? Alguma coisa por mim está viva em você, é isso?
-Caio,
você refez a sua vida com outra mulher, construiu uma família com ela...
-Com
a qual não estou feliz. Ariane, você não tem ideia de como eu me arrependo, do
quanto que eu penso como tudo ia ser diferente se a gente tivesse ficado
juntos.
-Mas
não estamos, Caio! O que você quer? Que eu admita um sentimento por você que eu
não vivo mais? Eu refiz a minha vida.
-E
conseguiu ser feliz longe de mim?
-O
que passou não me importa mais.
-Mas
a mim sim! Porque não há um só dia em que eu não sinta arrependimento por ter
perdido você.
Gabriela
chega à própria residência e toca a campainha, mas sua mãe e o pai de Fábio não
ouvem. Ela, então, lembra-se da cópia da chave que carrega consigo.
-Caio...
Se existe algum assunto que a gente precise tratar, são sobre os nossos filhos.
“Nós” não existe mais, entendeu?
-Como
eu fiz mal a você, Ariane...
-Você
nem imagina o quanto. Eu me vi destruída quando estava com você, com medo de te
perder o tempo todo e acabando comigo mesma- Ariane não segura as lágrimas-
Agora você vem falar do passado que nós dois, juntos, não realizamos?
O
marido de Alice se aproxima e enxuga o rosto da dona de casa.
-Não.
Não é justo eu falar do que poderíamos ser. Mesmo assim, eu não deixo, nem um
só dia, de me perguntar o que podemos ser ainda- Caio a surpreende com um
beijo.
-O
que significa isso?- Alice grita, na companhia de Gabriela, Eduardo e Fábio,
incrédulos com a atitude do empresário.
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