-Calma
aí, você não pode fazer isso comigo, não!
-Não
mesmo? Então, você acha razoável faltar a quatro sessões? Tua falta de profissionalismo
não basta pra eu te afastar do ensaio que eu idealizei, Vinícius? Me diz uma
coisa: quando você saiu de casa, se é que você esteve lá nas últimas horas, se
olhou no espelho? Viu o estado do seu rosto? O cabelo desgrenhado? A barba por
fazer?
-Mas
isso a equipe da caracterização pode resolver...
-Maquiadores?
Eles não fazem milagres, meu caro. Pelo que eu estou vendo, você está insone há
dias. Deve ter tomado um banho antes de vir pra cá, mas só isso não basta. Eu
não vou perder meu tempo e meu dinheiro com você. Chega! Já me cansei da sua
falta de profissionalismo. Se você respeitasse ao menos sua namorada, que foi
quem implorou pra eu te dar uma chance, estaria aqui antes de todo mundo
chegar.
-Lúcia,
me dá mais uma chance, por favor.
-Pra
você desperdiçar? Não mais, Vinícius. Agora, me deixa terminar o ensaio com a
Victória e honrar o compromisso dela, por favor.
-Tudo
bem. Você é quem manda.
-Você
é quem me obrigou a isso.
-Já
disse que tá tudo OK. Dá licença... – Vinícius vai embora da Casual.
-Lúcia,
me dá cinco minutinhos, por favor?- Victória suplica à fotógrafa- Eu preciso
falar com ele, explicar o que aconteceu.
-O
Vinícius entendeu perfeitamente o que houve, Vicky, tanto quanto nós. Se você
quiser falar com ele, eu te entendo, mas vai ter que ser depois do ensaio. Você
sabe como foi difícil de convencer a diretoria da agência de fazer ele estrelar
o ensaio contigo, e o cara me inventa de faltar quatro vezes? Não dá!
Calada,
Victória volta para a sua marca, enquanto o seu namorado volta pra casa.
Horas
depois do ocorrido, o policial Luciano volta para casa depois de um dia de
trabalho. Ouve o filho Vinícius revirando tudo em seu próprio quarto, e logo
depois correndo para o seu. Logo chega à porta do cômodo e pergunta:
-O
que você pensa que está fazendo?
Luciano
é colocado contra a parede pelo modelo, cada vez mais agressivo.
-Mexeu
nas minhas coisas de novo, não foi? Fala!
-Pra
começar, modere o tom que você usa pra falar comigo. Eu não sou o pessoal da
boca de fumo que você frequenta!
-Por
que você fez isso comigo? Onde foi que você deixou a minha encomenda?
-Joguei
pro caminhão de lixo levar. Satisfeito?
-Não
podia ter feito isso comigo! Foi pra um trabalho da agência...
-Acha
que eu não vi que era droga, Vinícius? Para de tentar me fazer de idiota!
-Era
minha, entendeu? Não era pra ter mexido em nada, nem pra ter entrado no meu
quarto! Comprei só pra... Pra me acalmar- solta o pai, ao mesmo tempo que faz
um desabafo desconexo- Sabe que eu ando muito nervoso nesses dias... O que foi?
Vai me dizer que nunca fumou? Nunca experimentou nada?
-Nada
que me levasse ao fundo do poço, como você está.
-Tá
pensando que eu não tenho o controle, né? Aposto que você torce pra que eu caia
de uma vez.
-Não
fala besteira.
-Pensa
que não sei? Nunca foi a favor da minha carreira.
-Fui
até demais, Vinícius. Até você se envolver com esse vício. E depois que
começaram a rarear seus convites pra trabalho...
-Relaxa,
que é só uma fase. Daqui a pouco, nem você vai lembrar dessa maré de azar.
-Filho,
pra mim você não precisa mentir. Você precisa de ajuda.
-Ajudar
como? Me fala: que tipo de ajuda você quer me dar? Mexendo nas minhas coisas?
-Vê
se entende que isso tá acabando com a sua vida!
-O
que o senhor queria? A agência não me chama mais como antes, já disseram até
que eu tô velho pra fotografar. Tirando o meu sonho de mim, e eu tenho que
ficar na minha por quê?
-É
isso que você quer entregar pra Victória? Um homem fraco, influenciável? O que
mais eu preciso fazer pra te ver livre dessa porcaria, Vinícius?
-Deixa
a minha vida em paz. Com ou sem você, eu acabo conseguindo o que eu quero...
-Mas
não vai, não!
-Quem
paga sou eu ou você?
-Deu
agora pra me peitar?
-A
vida é minha e eu faço o que bem entender com ela, vê se não se mete!
-Mas
não na minha casa!
-Quer
que eu saia? Ou acha que eu não tenho condição de me virar?
-Vinícius,
você não consegue mais responder por si!
-Já
disse que eu sei o que faço da minha vida.
-Qual
é o seu próximo passo? Ter uma overdose? Se matar? Não, me fala porque eu quero
saber com que tipo de perigo a gente tá lidando! Você se isolou de mim, da sua
namorada, e acha que todo mundo tá contra você. Entende que a gente só quer o
teu bem, filho...
-Com
certeza, ela não quer. Sabe que agora ela é o rosto da campanha que a gente ia
fazer junto, Pai? Pois é. Ficou contra mim, que sou namorado dela. Quer que eu
espere o quê?
-Eu
sei muito bem o que eu estou esperando, Vinícius: a sua recuperação. Portanto,
eu acho melhor a gente resolver isso de forma civilizada, antes que eu tenha de
ser mais enérgico.
-Por
que não me interna, já que tem coragem? Ou será que não tem? Vou te dizer de
novo: eu sei quando posso parar.
-Se
você acabar com a sua vida, Vinícius, vai me condenar também. Você é a única
pessoa que eu tenho e que eu amo.
-Fica
frio. A droga não me comanda, não, tá OK?- Vinícius vai à porta.
-Onde
é que você vai?
-Dar
uma volta.
-E
se a Victória te procurar, eu digo o quê?
-Diz
que eu morri. Pra ela, não vai fazer diferença.
Longe
de casa, numa rua escura, o modelo sente seu celular vibrar no bolso. Tira-o e
vê o nome de sua namorada.
-Atende,
meu amor; atende!
Vinícius
rejeita a ligação e faz, por sua vez, um telefonema para Bete, responsável por
fornecer o embrulho que Luciano jogou no lixo.
-Qual
foi, Vinícius?
-Preciso
de mais um maço.
-Já
te dei o suficiente. Aliás, vendi e você não me pagou.
-Meu
pai jogou fora aquele que você me entregou. E eu não recebi quase nada nesse
mês.
-Posso
fazer nada, o que eu tinha eu te dei.
-Bete,
deixa de mentir, que eu sei que você tem mais aí no teu sobrado. Tô precisando
muito, por favor...
-Todo
mundo que vem atrás de mim diz a mesma coisa, Vinícius.
-O
que você quer em troca? Pede, que eu te dou. Diz o que você quer, que eu te
trago!
-Você
tem o quê de valor pra me pagar parte da tua dívida?
-Pede
qualquer coisa e eu te arranjo. Mas me arruma, vai.
-Hoje
eu não tenho.
-Tá
mentindo pra mim, o que você não quer é me vender.
-Já
disse que eu não tenho, cara, senão eu te entregava agora. Mas amanhã eu
consigo.
-A
que horas? Me diz, que eu vou buscar!
-Amanhã.
Assim que o colégio abrir, a gente se encontra na esquina e eu te entrego. Mas
nem pense em aparecer de mãos vazias- desliga o celular, sendo observada por
Diego, com um cigarro na mão.
-Por
que você disse que não tinha nada?
-Pra
deixar Vinícius atiçado. Eu quero ver até onde ele é capaz de ir pra conseguir
o que eu posso oferecer.
-Gata,
deixa eu te falar uma coisa?
-O
que é?
-Tem
hora que você me dá medo, sabia?
-Melhor
assim. Pelo menos, todo mundo fica sabendo que eu tenho o controle da situação.
O
trato é cumprido. Depois que Bete entrega a Vinícius os cigarros, o rapaz os coloca
rapidamente no bolso e entra no colégio antes mesmo da traficante, que caminha
tranquilamente pela calçada da instituição. Quando cruza o portão, entra na sala
de aula, ao mesmo tempo em que o modelo consome drogas no banheiro, com a porta
aberta, já que não há ninguém no local além da delinquente e do porteiro.
Em
direções opostas, encontram-se Eduardo e Fábio, caminhando com constrangimento,
já que era a primeira vez que os amigos encontravam-se após o desentendimento
entre suas mães.
-E
aí, cara?
-Como
é que você tá?
-Bem...
Quer dizer, acho que eu não tenho nada melhor pra dizer.
-A
gente não conversou mais depois daquele dia, você não ligou pra minha irmã...
-Cadê
a Gabriela?
-Em
casa. Não sei se ela vem, tá muito bolada com o que aconteceu. Só não sei se é
por causa da briga da sua mãe com a nossa ou se é porque você tem ignorado ela.
-Desculpa,
Edu. Mas eu não sei o que fazer. Essa situação é difícil e voltar pra aquela
casa, onde tudo aconteceu... Os dois vão se separar, acredita?
-Sério?
-Minha
mãe já procurou um advogado. Quer saber com quem vai ficar a casa se tiver
mesmo a separação. Lá dentro, tudo virou um inferno.
-Fábio...
– Eduardo aproxima-se do amigo- Sabe que pode contar comigo pro que você
precisar, não sabe? Mas a gente tá vivendo o mesmo problema que o seu.
-Não
é a mesma coisa, Eduardo. Quando teu pai morreu, você era uma criança que nem
sabia falar ainda. Pode até sentir falta dele, mas não tem aquela sensação de
que ele foi arrancado de você. Acha mesmo que um dia eu imaginei que meu pai ia
se divorciar da minha mãe?
-Seu
Caio e Dona Alice não vão deixar de ser seus pais por causa disso.
-Mas
a gente vai deixar de ser uma família.
-Não
fala besteira, Fábio.
-A
união acabou, tudo desabou. Num “passe de mágica”, eu descubro que meu pai leva
uma vida que ele não quer há anos. É como se ele dissesse que não era pra eu
existir, porque eu sou parte do que ele levou adiante sem querer!
-Onde
é que a Gabriela entra no meio dessa insatisfação com teu pai, pra você não
querer nem ver a cara da minha irmã?
-Tenho
medo de machucar com as minhas palavras, com qualquer coisa que eu fizer.
-Se
ficar se escondendo, vai machucar bem mais. Para de usar a cabeça e pensa com o
teu coração; é isso que ela tá esperando de você, Fábio.
Eduardo
entra no colégio e deixa Fábio pensativo, sendo que o primeiro vai pra sala de
aula, onde encontra Bete sozinha, optando por não cumprimentá-la, embora ache
estranho o quão cedo ela já esteja em sala de aula. O namorado de sua irmã vai
ao banheiro e joga sua mochila sobre a pia. Fecha os olhos e encosta a cabeça
no espelho.
-Não
tô aguentando mais esse inferno! Que saco! Por que isso tinha que acontecer
comigo, por quê?
-Tá
tudo bem, cara?- Vinícius vê a raiva de Fábio e se aproxima para tentar
ajudá-lo.
-Lógico
que não! O mundo tá desmoronando em cima de mim!
-Relaxa,
velho, todo mundo passa por problema, pelo menos uma vez na vida.
-Mas
não tem solução pra tudo, não! Nem sempre depende do que a gente quer.
-Se
eu fosse você, procurava um jeito de relaxar.
-A
minha mãe vai se separar do meu pai, você sabe o que é isso? Já viu isso
acontecer com seus pais, ver uma guerra começando dentro da sua casa?
-Pois
é. Eu não vivi isso, não, mas eu sei que é chato. A última coisa que eles devem
pensar numa hora dessas é no que um filho vai achar.
-Pior
que você tem razão...
Bete
resolve deixar a sala de aula, dando uma volta no corredor para ver se seu
namorado chegou ao colégio. Ela fica próxima ao banheiro masculino e sente o
aroma do entorpecente que vendeu para Vinícius. A jovem passa a escutar parte
do diálogo entre o estudante e o modelo.
-A
gente não consegue resolver tudo sozinho, não, cara. Leva na boa.
-Não
sei como.
Vinícius
retira do bolso mais um cigarro e acende seu isqueiro.
-Toma.
-Pra
quê tá me dando isso?
-Não
faz pergunta idiota, cara. É pra abstrair, esquecer do problema só um pouco.
Experimenta, Fábio. Isso não vai te matar.
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