MARY: E quem chamou
a polícia pra você?
CAROLINE: Não sei.
Deve ter sido algum vizinho desocupado que ouviu os gritos dela.
MARY: Bem, eu...
Acho que cheguei a uma conclusão sobre o seu caso.
CAROLINE: É nada! O
que foi que descobriu, Doutora?
MARY: Você é de uma
extrema frieza e é calculista, observa seu adversário centímetro por centímetro,
procurando algum deslize pra ser utilizado a seu favor. Mas é importante deixar
claro que você não deixa a casa cair sozinha. Muito pelo contrário: a destrói
por completo pra ninguém ter direito a nada.
CAROLINE: Realmente,
cada almoço que você pagou no restaurante universitário valeu a pena. Que
teoria fascinante! E a que conclusão você chegou?
MARY: Caroline, ao
que me consta, você apresenta um quadro de transtorno de personalidade
antissocial.
CAROLINE: Traduzindo...
MARY: Uma
psicopata.
CAROLINE: A senhora
tá enganada, pode ter certeza.
MARY: Não, nem
gaste o seu latim comigo, Caroline. Eu não costumo me enganar, ainda mais com
um caso feito o seu.
CAROLINE: Quer
dizer que a senhora realmente pensa que eu...
MARY: Eu não penso.
Eu sei. Qualquer psiquiatra pode comprovar o que eu estou dizendo a seu
respeito.
CAROLINE: (olha
para a mão esquerda de Mary, vendo a aliança que a médica usa) Inclusive seu marido?
MARY: Sei o que
está tentando fazer: me manipular para que eu demonstre ter me equivocado na
concepção do laudo que eu vou entregar à justiça, mas sua estratégia não vai
dar certo. Meu marido, pra começar, nem trabalha nessa área.
CAROLINE: Eu não
disse que trabalhava. Insinuei que a senhora tava certa quando disse que
qualquer psiquiatra pode confirmar o que a senhora pensa sobre mim, mas seu
marido não.
MARY: Por acaso
você conhece o meu marido?
CAROLINE: A fundo.
MARY: Seu desespero
é tanto que está tentando me desestabilizar.
CAROLINE: A paciente
aqui sou eu, não se esqueça.
MARY: Você acha que
o meu marido iria olhar pra um tipinho insignificante feito você, que não sabe
o que é lavar o cabelo e se sente no direito de se considerar “rústica”? Pensa
mesmo que o meu marido vai trocar uma mulher que sabe tudo de Freud e Valon por
você?
CAROLINE: Sabe
porque quer! As teorias de Valon são exigidas na psicologia. Se você conheceu
as ideias dele na psiquiatria, foi porque é enxerida.
MARY: “Ideias
dele”... SUAS IDEIAS! Suas! Esperar o quê de uma paciente que sequer sabe usar
corretamente a colocação pronominal?
CAROLINE: Já ouviu
falar em variação linguística, meu bem?
MARY: Já. O
suficiente pra saber que meu marido não é tão tolo a ponto de trocar uma mulher
como eu por outra que não sabe nem falar português direito.
CAROLINE: Mas usa o
inglês que é uma maravilha. A orelha dele é testemunha da minha fluência quando
estamos a sós... “teach me, tiger, how to kiss you” (começa a ronronar como na
canção)...
MARY: Quer dizer
que era por isso que ele vivia colecionando discos internacionais dos anos
sessenta? Por influência sua?
CAROLINE: Confesso
que tenho um único defeito, Doutora: apesar de falar em diversos idiomas, eu
não sei dizer “não” em nenhum deles.
MARY: Então, pode
começar a gritar “help”, porque eu vou te matar, desgraçada! (avança contra
Caroline)
CAROLINE: Socorro!
A mulher tá doida! (aparecem dois enfermeiros para levar Mary carregada pelos
braços)
MARY: Me deixem
acabar com a raça dessa cretina, me soltem!
CAROLINE: Próclise
numa hora dessas? A senhora me decepcionou...
MARY: Eu vou me
vingar de você! De você e daquele cafajeste! Vou fazer ele agonizar, eu te
juro!
CAROLINE: Leva ela
daqui, tá completamente descompensada!
MARY: Aguarde por
notícias minhas, Caroline! Porque eu não vou ter piedade!
CAROLINE: Quem tem
Piedade é Jaboatão! Tirem essa louca daqui!
MARY: Me larguem,
estúpidos! Me soltem! Você vai me pagar, Caroline! Eu juro que você vai me
pagar! (os enfermeiros conseguem tirar a psiquiatra do consultório)
CAROLINE: Que coisa
horrorosa! (finge fragilidade) Eu só olhei a aliança, viu que ela era casada e
comentei... Quem será o marido dela? Coitado desse cidadão, seja ele quem for!
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