10/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 7

Montserrat deixa a universidade caminhando lentamente, e José Fernando recohece a namorada de longe.
JOSÉ FERNANDO: Montserrat? O que estás fazendo aqui?
MONTSERRAT: Eu... Eu vim procurar-te.
JOSÉ FERNANDO: Para quê?
MONTSERRAT: José Fernando, é que... Hoje nós completamente três anos de namoro.
JOSÉ FERNANDO: Hoje? Caramba!
MONTSERRAT: Tu não lembravas, não é?
JOSÉ FERNANDO: Montserrat, é que...
MONTSERRAT: Não penses que eu quero escutar tuas desculpas.
JOSÉ FERNANDO: Conheço-te bem. Sei que nada do que eu diga vai desfazer a raiva que sentes de mim agora...
MONTSERRAT: Quem tem de pedir desculpas sou eu.
JOSÉ FERNANDO: Tu? A melhor mulher que um homem poderia ter? Eu estou em dívida contigo, Montserrat. Sempre estarei.
MONTSERRAT: Insistir em nosso namoro não adianta mais, José Fernando.
JOSÉ FERNANDO: O quê?
MONTSERRAT: Eu estou cansada. Não te quero mais como meu namorado.
JOSÉ FERNANDO: Só porque eu esqueci uma data?
MONTSERRAT: Também por isso, José Fernando!
JOSÉ FERNANDO: O que é? Tem mais alguma coisa contra mim que tu tenhas e queres falar? Fales agora!
MONTSERRAT: Além do fato de todos os sábados tu não cogitares a possibilidade de ver-me para ficares dormindo?
JOSÉ FERNANDO: É o único dia em que eu sei que posso ficar na cama até mais tarde...
MONTSERRAT: Mas nunca comigo! Por isso que eu não quero mais insistir no nosso namoro.
JOSÉ FERNANDO: Não é porque eu não te dou atenção que eu deixei de te amar.
MONTSERRAT: Só que, pra mim, este namoro não é suficiente.
JOSÉ FERNANDO: Queres terminar comigo mesmo, Montserrat? Porque apesar de te amar, não vou implorar para que voltemos.
MONTSERRAT: Isto é inútil, José Fernando. Já não me interessa mais ser tua namorada. Para mim, nossa relação só voltaria a ter sentido quando eu for tua mulher.
JOSÉ FERNANDO: Que queres dizer-me?
MONTSERRAT: José Fernando, tu aceitas casar-te comigo?
JOSÉ FERNANDO: Sim, eu quero ser teu pra sempre. Quero dizer... Teu eu já sou. Mas tem uma coisa...
MONTSERRAT: Fales, meu amor.

JOSÉ FERNANDO: Nós somos podemos casar depois que eu apresentar minha monografia.

09/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 6

Sabrina entra no auditório acompanhada de Montserrat e fica apavorada.
SABRINA: Por que as luzes estão apagadas?
MONTSERRAT: Certamente não querem que ninguém saiba o que está acontecendo aqui.
SABRINA: Quem são aquelas pessoas que estão cobrindo-se com um capuz?
MONTSERRAT: São José Fernando e Alejandra. Mas vejo outras duas pessoas também.
SABRINA: Amiga, será que este é um culto dedicado às forças ocultas?
MONTSERRAT: Não sei, mas se ele tocar naquela mulher, a única que ele verá é a força do meu braço na sua cara!
SABRINA: O melhor a fazer é nos disfarçarmos também.
MONTSERRAT: Tens razão, Sabrina. Não estou gostando nada, nem do que estou vendo, nem do que estou imaginando.
SABRINA: Umbadabada, badabá, badaué! Undegundê, degundê, degundê...
MONTSERRAT: Mas o que pensas que estás fazendo, Sabrina?
SABRINA: Falando coisas incompreensíveis. Não é isto que sempre fazem nessas ocasiões?
MONTSERRAT: Querida, tu estás completamente louca. Isto é um meme brasileiro.
SABRINA: E desde quando memes são compreensíveis?
MONTSERRAT: Tenho uma ideia melhor: nós sentamos e esperamos José Fernando cair em desgraça para eu trucidá-lo.
SABRINA: E se nos perguntarem alguma coisa a respeito do que estamos fazendo aqui?
MONTSERRAT: Concordamos com tudo. Exceto se disserem que dois mil e dezoito só tem ótimos candidatos à presidência.
SEBASTIÁN: Silêncio! Os novos integrantes são bem-vindos e podem sentar-se, mas só falarão quando a nossa seita permitir.
MONTSERRAT: Seita?
SEBASTIÁN: A seita que dói menos! Este espaço é para todos que sofrem deste grave problema e não sabem como liquidá-lo.
MONTSERRAT: De que problema ele está falando?
SEBASTIÁN: Da universidade!
MONTSERRAT: O homem escuta tudo, melhor nós não sussurrarmos.
SABRINA: Melhor mesmo.
SEBASTIÁN: Correligionários, vamos começar a compartilhar nossos problemas acadêmicos com nossos amigos. Antes de mais nada, eu quero contar uma vitória pessoal: eu estou há dois dias, cinco horas, vinte minutos e quarenta e sete segundos acessando o Sistema de Irritação Garantida, o Siga. E sem problemas no servidor.
Todos aplaudem.
SEBASTIÁN: Quem gostaria de falar?
ALEJANDRA: Eu. Eu quero dar meu depoimento, Mestre Sebastián.
SABRINA: A tarada!
MONTSERRAT: Calada, Sabrina!
ALEJANDRA: Minha confissão é muito difícil de ser feita, mas é necessária. Eu sinto muitos calores.
MONTSERRAT: Percebe-se.
ALEJANDRA: Há anos, o prédio do meu curso comprou dois condicionadores de ar. Mas o governo não concedeu a licitação para a instalação do equipamento. Derretemos dentro daquela sala, Mestre. Já vi pessoas desmaiarem duas vezes na faculdade: a primeira na fila do Restaurante Universitário e a segunda na minha sala. A vontade que eu tenho é de assistir à aula nua! Mas minha graduação está no fim, e eu tenho medo de ser jubilada por atentado ao pudor. Por causa disso, eu não pude tirar a roupa durante os protestos no impeachment.
SEBASTIÁN: Não digas. Queres dizer que apoiaste a entrada de Michel Temer na presidência da república?
ALEJANDRA O impeachment do reitor, não é, meu filho?
SEBASTIÁN: Comoventes tuas palavras. Próximo frustrado!
PABLO: Eu quero falar. Na verdade, eu fui obrigado a falar anteriormente.
SEBASTIÁN: Fiques à vontade. Não como a tua colega gostaria de ficar, mas podes.
PABLO: Desde que eu comecei o segundo período, eu passei a ser usuário de um entorpecente perigoso.
SEBASTIÁN: Qual entorpecente, correligionário?
PABLO: Café.
SEBASTIÁN: Mas café não é droga, rapaz!
PABLO: Por ingestão venosa, é! Certa vez, o ônibus em que eu estava foi parado por uma blitz, e os policiais revistaram apenas os homens.
SEBASTIÁN: Algo foi encontrado em tua mochila, Pablo?
PABLO: Um pacote de Melita! Muito suspeito!
SEBASTIÁN: Tu estás exagerando em teu desespero...
PABLO: Eu? Não é você que tem que ficar acordado vinte e quatro horas por dia. A minha vida social acabou antes mesmo de existir! A última vez em que eu fui flagrado em público, estava cantando “Gaivota”.
SEBASTIÁN: Por que isto?
SABRINA: É o tema de abertura de “Café com aroma de mulher”. Eu vi a novela!
PABLO: Também tive que vender meu apartamento. Com o dinheiro, paguei as multas que a biblioteca me cobrava.
SEBASTIÁN: Agora me veio à memória: tu disseste que estava num ônibus e ela foi parado numa blitz. Mas não dirigias um carro?
PABLO: Dei fim a ele. Vendi para pagar as fotocópias das quais ainda precisarei até o final do curso. Eu tenho um professor que pediu-me para ler cem páginas do seu livro para a prova. Coloquei fita isolante nos olhos para mantê-los abertos... Porque sou malandro!
SEBASTIÁN: Queres desabafar com o grupo aqui presente, José Fernando?
JOSÉ FERNANDO: Sim, Mestre. Possuo uma espécie de fetiche acadêmico.
SEBASTIÁN: Mas o que estás dizendo?
JOSÉ FERNANDO: Quando eu volto para casa e deito-me na cama, não consigo dormir.
SEBASTIÁN: Sim, e o que tu fazes?
JOSÉ FERNANDO: Ponho “Sábado”, de José Augusto, para tocar até que eu durma.
SABRINA: Ah! Eu estou passada, chocada!
SEBASTIÁN: Desde quando este comportamento tem a ver com a universidade?

JOSÉ FERNANDO: Todas as vezes que eu a ouço, lembro-me de que sábado é o único dia em que posso dormir até mais tarde e não preciso preocupar-me com as aulas. Não tenho mais tempo para mim, para minha namorada, para nada. Porque quando chega o domingo, e eu recordo que o dia seguinte será dentro do Barro/ Macaxeira (Várzea), que o professor fará uma chamada durante duas horas...  Outro dia ele me perguntou se eu sabia quanto era a raiz quadrada de 1. Quando eu respondi que era 1, ele falou que era para eu desenvolver a resposta! Como, Mestre? A impressão que eu tenho é de que o mundo caminhou e eu congelei dentro de uma sala de aula. Sem contar na especialização, no mestrado e no doutorado!  As pessoas assinam seus nomes na ata e correm para o bar. Já eu... Corro para o manicômio! Isto é vida que se leve, Mestre? Isto é vida?

08/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 5

Alejandra e José Fernando chegam à porta do auditório, sendo seguidos por Montserrat e Sabrina.
MONTSERRAT: Não tenho certeza de que quero prosseguir com este plano.
SABRINA: Vais desistir agora, Montserrat?
MONTSERRAT: É melhor nós irmos embora, Sabrina. Até agora não tivemos nenhuma evidência de que José Fernando tem um caso com Alejandra.
SABRINA: Viste a roupa que ela está usando?
MONTSERRAT: O que tem ela?
SABRINA: A estampa de um panda.
MONTSERRAT: Qual é o problema? É um animal conhecido por ser extremamente carinhoso.
SABRINA: Mas transam trinta e duas vezes por dia. Isto deve significar alguma coisa.
MONTSERRAT: Sabrina, não delires. José Fernando é um homem alheio aos prazeres da carne, não vai me trocar por uma atleta sexual como Alejandra. Ele não seria capaz...
ALTO-FALANTE: A senha?
Alejandra abaixa-se até a fechadura da porta e fala alguma coisa, empinando os glúteos diante de José Fernando e chocando Sabrina e Montserrat. Na sequência, ela entra no auditório.
MONTSERRAT: Darei na cara desta mamífera tarada!
SABRINA: Chega, Montserrat! Queres que eles descubram que estamos aqui?
José Fernando repete o mesmo gesto de Alejandra e segue a ex-namorada.
SABRINA: Que estranho... Por que ele não entrou imediatamente?
MONTSERRAT: É isto que nós vamos descobrir agora! Trancaram a porta por dentro!
ALTO-FALANTE: A senha?
MONTSERRAT: Senha? Para entrar neste motel acadêmico? Abras esta porta agora!
ALTO-FALANTE: Entrada não autorizada!
MONTSERRAT: José Fernando, ou tu abres esta porta agora ou eu não respondo por mim!
ALTO-FALANTE: Entrada não autorizada!
MONTSERRAT: Pensas que eu não vi tu olhares para o derrière daquela compulsiva sexual?
SABRINA: Misturou espanhol com francês agora, está completamente louca...
ALTO-FALANTE: Entrada não autorizada!
MONTSERRAT: O que foi? Tens medo de encarar tua namorada agora, safado?
ALTO-FALANTE: Entrada não autorizada!
MONTSERRAT: Eu sei muito bem o que está entrando aí!
ALTO-FALANTE: Entrada não autorizada!
MONTSERRAT: Para ser corna também não estou autorizada! Abras essa porta, José Fernando!
SABRINA: Já basta, Montserrat!
MONTSERRAT: Deixa-me matar este desgraçado, Sabrina!
SABRINA: Amiga, eu sei que é difícil este momento, mas o mal já está feito: José Fernando é um safado que te trocou pela ex. Montserrat, tentes controlar-te! Aceites, que dói menos.
ALTO-FALANTE: Senha correta!
MONTSERRAT: “Aceites, que dói menos”?
ALTO-FALANTE: Senha correta!

MONTSERRAT: Agora ele vai conhecer a verdadeira Montserrat!

07/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 4

Pablo passa apressadamente pelos corredores da universidade, quando Sebastián o aborda vestindo um casaco preto com capuz.
SEBASTIÁN: Pablo? Aonde tu pensas que vais?
PABLO: Não sabia que estavas aqui, Sebastián.
SEBASTIÁN: É comum que me encontres aqui. Estudamos no mesmo lugar. Por que tanta pressa?
PABLO: É que...
SEBASTIÁN: Espero que não tenhas esquecido-se da reunião que marcamos para daqui a pouco.
PABLO: Sebastián, eu pensei melhor sobre este assunto.
SEBASTIÁN: Por acaso, existe algo a se pensar, Pablo? O que temes? Que todos saibam de teu problema?
PABLO: Não me sinto à vontade para falar sobre isto com ninguém.
SEBASTIÁN: Deste tua palavra.
PABLO: Por favor, eu não quero ir.
SEBASTIÁN: Estavas fugindo, não é verdade?
PABLO: Eu sei muito bem o que te falei.
SEBASTIÁN: Pablo... Todos estão esperando-te. Não pode simplesmente desistir sem dar-nos nenhum tipo de explicação.
PABLO: E achas que existe explicação para o absurdo desta situação?
SEBASTIÁN: Absurdo por quê?
PABLO: A ideia de fazer com que todos revelassem os próprios segredos foi tua
SEBASTIÁN: Queremos ajudar-te. Não entendes que perdeste o controle?
PABLO: E quem falou que eu perdi? Hein? Tu? Ou será que é isto que queres fazer-me pensar? Não duvido nada de que tu estás manipulando a mente de todos para que eles façam o que tu quiseres. Mas eu não vou compactuar com isto, ouviste? Não vou compactuar!- recebe uma bofetada de Sebastián.
SEBASTIÁN: Baixes o tom para falar comigo! O que pretendes, Pablo? Servires de motivo de chacota para tua família, por causa do teu fracasso? Será que podes ouvir os risos das pessoas que contemplam o teu fracasso? Que apontam o dedo na rua e dizem “olhem o fracassado do ensino superior”, “vejam o homem que não consegue acessar a conta do Siga”, “sabem quem é aquele? O frustrado do Barro/ Macaxeira (Várzea)!”. É isto que queres? Então, pares com este ataque de pânico e entres naquele auditório! Agora!
PABLO: Está bem, Sebastián. Vou para lá. Tomara que eu não me arrependa.

SEBASTIÁN: Só mais uma coisa: não te esqueças da senha. Estamos te esperando.

06/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 3

SABRINA: Tens certeza de que este é o pátio no qual José Fernando está? Há muitos centros dentro da universidade, ele pode estar em qualquer um...
MONTSERRAT: Mas é neste que o imbecil de meu namorado estuda.
SABRINA: Não é ele bem ali?
MONTSERRAT: Sim, é ele.
SABRINA: Mas ele está sozinho.
MONTSERRAT: Verdade. Será que eu entendi errado aquela mensagem que eu li?
Alejandra chega e fica de frente para José Fernando, sorridente.
SABRINA: Muito pelo contrário.
MONTSERRAT: Dupla de canalhas...
SABRINA: Calma, Montserrat. Tu deves agir com sangue frio.
MONTSERRAT: Mas eu tenho que acabar com esses dois desgraçados!
SABRINA: Procures usar a razão. Tu não és mulher para se rebaixar e fazer um escândalo na frente de todos. Por sorte, José Fernando não é meu namorado, porque se ele fosse... Ah, se ele fosse...
ALEJANDRA: Até que enfim tu arrumaste um tempo para nós dois, queridinho.
SABRINA: Aproveites o tempo livre e marques uma consulta com um cirurgião plástico renomado, porque eu acabarei com o rosto de vocês!
JOSÉ FERNANDO: Meu amor?
SABRINA: Não esperavas que eu fosse seguir-te, José Fernando?
JOSÉ FERNANDO: Por favor, para tudo tem uma explicação...
SABRINA: Contigo eu falo depois. Agora, a minha conversa é com esta aí. Tu não tens vergonha de assediar um homem comprometido, não?
ALEJANDRA: Teria se ele conseguisse lembrar-se disso. Mas, se ele veio procurar-me, é porque tu não consegues ser mulher suficiente para ele.
SABRINA: Tu tens inveja! Inveja do fato de eu conseguir fazer José Fernando feliz, enquanto ele viveu um verdadeiro inferno quando era teu namorado.
ALEJANDRA: Tu o fazes tão feliz que ele veio procurar consolo nos meus braços. Muito competente você, não?
SABRINA: Cala tua boca!
JOSÉ FERNANDO: Amor, vamos embora daqui! Estão todos olhando!
SABRINA: Vou sair daqui, sim. Mas só depois de acabar com a raça desta...
ALEJANDRA: Muito cuidado com tuas palavras, porque eu não sou do teu nível!
SABRINA: E qual é o teu nível, cachorra? O Pré-sal?
JOSÉ FERNANDO: Alejandra, pares de provocá-la. Não vês que estás piorando a situação?
ALEJANDRA: Que culpa eu tenho se esta mosca morta não sabe segurar um homem?
SABRINA: Eu vou te mostrar quem é a mosca morta, infeliz!- Sabrina bate no rosto de Alejandra, que põe a mão sobre a face.
ALEJANDRA: Nunca mais ponhas tuas mãos sobre mim, maldita!- Alejandra devolve a bofetada e Sabrina vira o rosto em câmera lenta, ficando ainda mais irritada e partindo pra cima da rival aos gritos. José Fernando tenta apartar a briga.
MONTSERRAT: Sabrina? Sabrina, acordes!
SABRINA: Desculpa-me, foi um momento de empatia. Coloquei-me em teu lugar.
MONTSERRAT: Acho que tu tens razão. Devo agir com discrição absoluta. Depois eu mato José Fernando.
SABRINA: Será que dá para escutar alguma coisa que eles conversam?
MONTSERRAT: Não sei. Vamos tentar.
ALEJANDRA: Quando conversamos pela última vez, percebi que tu estavas hesitante...
JOSÉ FERNANDO: Pois é.
SABRINA: Tu ouviste? Ela falou “excitante”! Safada!
MONTSERRAT: Esperes, vamos ver se escutamos mais alguma coisa.
JOSÉ FERNANDO: Confesso que acho isso errado. Montserrat deveria saber o que está acontecendo.
ALEJANDRA: Para quê, José Fernando? Só eu posso ajudar-te, proporcionar-te esta experiência única. Montserrat jamais te compreenderia. Tudo deve ser mantido em segredo. Agora vamos.
JOSÉ FERNANDO: Vamos? Aonde, Alejandra?
ALEJANDRA: Ao lugar de sempre, queridinho. Onde nós conseguimos aliviar as nossas tensões. Tu deverias estar acostumado.
SABRINA: O que faremos agora, Montserrat?
MONTSERRAT: Nós vamos seguir os dois. À distância, para que eles não nos percebam. Quero ver que explicação ele me dará quando eu pegá-lo em flagrante.
SABRINA: Esta história está muito excitante!
MONTSERRAT: Tu queres dizer “hesitante”, não?

SABRINA: Não.

05/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 2

Na fila do ônibus, José Fernando pensa que está indo para a faculdade sozinho, mas Montserrat está lhe seguindo.
MONTSERRAT: Três anos. Três anos dando o melhor de mim, sendo carinhosa, fazendo dívidas no cartão de crédito para agradar a este homem... E ele me fazendo passar esta vergonha no débito... – passa a pensar em voz alta- Como eu fui burra!
SABRINA: Não faças propaganda, amiga.
MONTSERRAT: Sabrina? O que estás fazendo aqui?
SABRINA: Tomar o ônibus. Tenho que descer na Ceasa e comprar uma cabeça de peru para fazer a sopa. E tu?
MONTSERRAT: Estou seguindo José Fernando.
SABRINA: No Instagram?
MONTSERRAT: Não! Li uma mensagem na qual ele marcou um encontro com Alejandra.
SABRINA: Deve ser uma colega de faculdade...
MONTSERRAT: É a sua ex.
SABRINA: A quem estou tentando enganar, não é mesmo? Mas o que tu vais fazer?
MONTSERRAT: Não sei. Mas quero conferir com meus próprios olhos. Por isso, eu estou seguindo José Fernando. Pelo que estou vendo desta fila, não vou conseguir entrar no mesmo ônibus que ele.
SABRINA: Tudo é uma questão de estatística, Montserrat.
MONTSERRAT: Como assim?
SABRINA: Estás vendo teu namorado daqui?
MONTSERRAT: Sim, é o primeiro da fila.
SABRINA: Ótimo. É só tu esperares José Fernando entrar e depois invadir o ônibus.
MONTSERRAT: Além de tudo, eu ainda vou ficar em pé?
SABRINA: Montserrat, aprendas comigo: transporte público comprova que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, mas duzentos cabem. Corpo de pobre é maleável, por isto que usamos tantas roupas da grife SM.
MONTSERRAT: SM?
SABRINA: Segunda Mão.
MONTSERRAT: E se ele me vir?
SABRINA: Ninguém é capaz de se reconhecer no ônibus. A vida de alguém abaixo da linha de pobreza não é um videoclipe. Eu vou contigo.
MONTSERRAT: Mas... E tuas compras?

SABRINA: Podem esperar. Estarei lá para dar-te apoio moral. O financeiro eu não dou porque teu nome está sujo na praça.

04/03/2018

SOBREVIDA/ CENA 1

José Fernando arruma alguns papeis na pasta que tem que levar para a faculdade quando chega uma mensagem ao seu celular, que está num criado-mudo longe do estudante. O rapaz se levanta da cadeira para ler o texto, em silêncio, sendo surpreendido pela chegada de sua namorada, Montserrat.
MONTSERRAT: Meu amor?
JOSÉ FERNANDO: Montserrat? Que surpresa! Não imaginei que tu vinhas me ver.
MONTSERRAT: Decidi de última hora. Sabia que tu terias que ir para a faculdade e passei aqui - beija o rapaz - Aconteceu alguma coisa, José Fernando?
JOSÉ FERNANDO: Comigo? - afasta-se da moça- Por que estás me perguntando isso?
MONTSERRAT: Sinto-te distante. Como se estivesses preocupado com algo.
JOSÉ FERNANDO: Só na Tua cabeça.
MONTSERRAT: Não. Sinto que tu queres desabafar comigo e não tens coragem. Só não sei sobre o quê.
JOSÉ FERNANDO: Montserrat, acha que tenho segredos contigo?
MONTSERRAT: Me diz você.
JOSÉ FERNANDO: Eu... Tenho uma prova hoje. Estou tenso, preocupado...
MONTSERRAT: Prova de quê?
JOSÉ FERNANDO: De... De... Cálculo.
MONTSERRAT: Teu curso é de humanas, José Fernando.
JOSÉ FERNANDO: Licenciatura, meu amor. Como vamos dar notas aos alunos se não soubermos calcular? Bem, me deixes ir, que eu quero chegar antes do exame para estudar mais um pouquinho.
MONTSERRAT: O que tu planejaste para esta noite?
JOSÉ FERNANDO: Dormir feito um condenado - beija a namorada - Feches a porta quando sair.
MONTSERRAT: Não acredito. José Fernando se esqueceu do nosso aniversário de namoro. Filho da mãe! - Montserrat percebe que o namorado esqueceu o celular no criado-mudo - Meu bem, tu deixaste o teu celular no quarto... - Montserrat olha para os dois lados e verifica o aparelho - O que é isto? Mensagem de Alejandra?
ALEJANDRA: Estou te aguardando no pátio da faculdade. Vê se não se atrasa para o nosso encontro secreto. Beijos.
A câmera se aproxima de Montserrat, irritada com o texto.