Sabrina
entra no auditório acompanhada de Montserrat e fica apavorada.
SABRINA:
Por que as luzes estão apagadas?
MONTSERRAT:
Certamente não querem que ninguém saiba o que está acontecendo aqui.
SABRINA:
Quem são aquelas pessoas que estão cobrindo-se com um capuz?
MONTSERRAT:
São José Fernando e Alejandra. Mas vejo outras duas pessoas também.
SABRINA:
Amiga, será que este é um culto dedicado às forças ocultas?
MONTSERRAT:
Não sei, mas se ele tocar naquela mulher, a única que ele verá é a força do meu
braço na sua cara!
SABRINA:
O melhor a fazer é nos disfarçarmos também.
MONTSERRAT:
Tens razão, Sabrina. Não estou gostando nada, nem do que estou vendo, nem do
que estou imaginando.
SABRINA:
Umbadabada, badabá, badaué! Undegundê, degundê, degundê...
MONTSERRAT:
Mas o que pensas que estás fazendo, Sabrina?
SABRINA:
Falando coisas incompreensíveis. Não é isto que sempre fazem nessas ocasiões?
MONTSERRAT:
Querida, tu estás completamente louca. Isto é um meme brasileiro.
SABRINA:
E desde quando memes são compreensíveis?
MONTSERRAT:
Tenho uma ideia melhor: nós sentamos e esperamos José Fernando cair em desgraça
para eu trucidá-lo.
SABRINA:
E se nos perguntarem alguma coisa a respeito do que estamos fazendo aqui?
MONTSERRAT:
Concordamos com tudo. Exceto se disserem que dois mil e dezoito só tem ótimos
candidatos à presidência.
SEBASTIÁN:
Silêncio! Os novos integrantes são bem-vindos e podem sentar-se, mas só falarão
quando a nossa seita permitir.
MONTSERRAT:
Seita?
SEBASTIÁN:
A seita que dói menos! Este espaço é para todos que sofrem deste grave problema
e não sabem como liquidá-lo.
MONTSERRAT:
De que problema ele está falando?
SEBASTIÁN:
Da universidade!
MONTSERRAT:
O homem escuta tudo, melhor nós não sussurrarmos.
SABRINA:
Melhor mesmo.
SEBASTIÁN:
Correligionários, vamos começar a compartilhar nossos problemas acadêmicos com
nossos amigos. Antes de mais nada, eu quero contar uma vitória pessoal: eu
estou há dois dias, cinco horas, vinte minutos e quarenta e sete segundos
acessando o Sistema de Irritação Garantida, o Siga. E sem problemas no
servidor.
Todos
aplaudem.
SEBASTIÁN:
Quem gostaria de falar?
ALEJANDRA:
Eu. Eu quero dar meu depoimento, Mestre Sebastián.
SABRINA:
A tarada!
MONTSERRAT:
Calada, Sabrina!
ALEJANDRA:
Minha confissão é muito difícil de ser feita, mas é necessária. Eu sinto muitos
calores.
MONTSERRAT:
Percebe-se.
ALEJANDRA:
Há anos, o prédio do meu curso comprou dois condicionadores de ar. Mas o
governo não concedeu a licitação para a instalação do equipamento. Derretemos
dentro daquela sala, Mestre. Já vi pessoas desmaiarem duas vezes na faculdade:
a primeira na fila do Restaurante Universitário e a segunda na minha sala. A
vontade que eu tenho é de assistir à aula nua! Mas minha graduação está no fim,
e eu tenho medo de ser jubilada por atentado ao pudor. Por causa disso, eu não
pude tirar a roupa durante os protestos no impeachment.
SEBASTIÁN:
Não digas. Queres dizer que apoiaste a entrada de Michel Temer na presidência
da república?
ALEJANDRA
O impeachment do reitor, não é, meu filho?
SEBASTIÁN:
Comoventes tuas palavras. Próximo frustrado!
PABLO:
Eu quero falar. Na verdade, eu fui obrigado a falar anteriormente.
SEBASTIÁN:
Fiques à vontade. Não como a tua colega gostaria de ficar, mas podes.
PABLO:
Desde que eu comecei o segundo período, eu passei a ser usuário de um
entorpecente perigoso.
SEBASTIÁN:
Qual entorpecente, correligionário?
PABLO:
Café.
SEBASTIÁN:
Mas café não é droga, rapaz!
PABLO:
Por ingestão venosa, é! Certa vez, o ônibus em que eu estava foi parado por uma
blitz, e os policiais revistaram apenas os homens.
SEBASTIÁN:
Algo foi encontrado em tua mochila, Pablo?
PABLO:
Um pacote de Melita! Muito suspeito!
SEBASTIÁN:
Tu estás exagerando em teu desespero...
PABLO:
Eu? Não é você que tem que ficar acordado vinte e quatro horas por dia. A minha
vida social acabou antes mesmo de existir! A última vez em que eu fui flagrado
em público, estava cantando “Gaivota”.
SEBASTIÁN:
Por que isto?
SABRINA:
É o tema de abertura de “Café com aroma de mulher”. Eu vi a novela!
PABLO:
Também tive que vender meu apartamento. Com o dinheiro, paguei as multas que a
biblioteca me cobrava.
SEBASTIÁN:
Agora me veio à memória: tu disseste que estava num ônibus e ela foi parado
numa blitz. Mas não dirigias um carro?
PABLO:
Dei fim a ele. Vendi para pagar as fotocópias das quais ainda precisarei até o
final do curso. Eu tenho um professor que pediu-me para ler cem páginas do seu
livro para a prova. Coloquei fita isolante nos olhos para mantê-los abertos...
Porque sou malandro!
SEBASTIÁN:
Queres desabafar com o grupo aqui presente, José Fernando?
JOSÉ
FERNANDO: Sim, Mestre. Possuo uma espécie de fetiche acadêmico.
SEBASTIÁN:
Mas o que estás dizendo?
JOSÉ
FERNANDO: Quando eu volto para casa e deito-me na cama, não consigo dormir.
SEBASTIÁN:
Sim, e o que tu fazes?
JOSÉ
FERNANDO: Ponho “Sábado”, de José Augusto, para tocar até que eu durma.
SABRINA:
Ah! Eu estou passada, chocada!
SEBASTIÁN:
Desde quando este comportamento tem a ver com a universidade?
JOSÉ
FERNANDO: Todas as vezes que eu a ouço, lembro-me de que sábado é o único dia
em que posso dormir até mais tarde e não preciso preocupar-me com as aulas. Não
tenho mais tempo para mim, para minha namorada, para nada. Porque quando chega
o domingo, e eu recordo que o dia seguinte será dentro do Barro/ Macaxeira
(Várzea), que o professor fará uma chamada durante duas horas... Outro dia ele me perguntou se eu sabia quanto
era a raiz quadrada de 1. Quando eu respondi que era 1, ele falou que era para
eu desenvolver a resposta! Como, Mestre? A impressão que eu tenho é de que o
mundo caminhou e eu congelei dentro de uma sala de aula. Sem contar na
especialização, no mestrado e no doutorado! As pessoas assinam seus nomes na ata e correm
para o bar. Já eu... Corro para o manicômio! Isto é vida que se leve, Mestre?
Isto é vida?