31/10/2015

INTEGRIDADE/ CAPÍTULO 17

-Lavínia, por favor. Tudo tem uma explicação.
-Claro que tem! Você é engenheiro, certamente estava estudando a planta do corpo dela a olho nu!- que frase tosca foi essa?- Agora, eu não consigo acreditar que eu tenha sido traída também por você! Você também, Amparo!
-Qual é o problema, Lavínia? Pelo que eu saiba, Caíque te prometeu fidelidade, e não exclusividade.
-E eu prometo meter a mão na tua cara, vagabunda!- Lavínia agride a diretora com duas bofetadas, e Caíque tenta contê-la- Me solta!
-Para com isso, você tá descontrolada!
-Você não viu foi nada, meu amor! Nada! Eu poderia quebrar essa joça toda aqui, mas me contento só em destruir você e essa piranha diplomada! A filha da mãe disse pra Maribel que foi comprar pipoca! Eu sei bem o que essa vaca foi procurar!
-Olha aqui, não adiantar me chamar de todos os animais do zoológico. Seu marido está aqui comigo, e não veio obrigado, não!
-Eu não sei qual dos dois é o mais hipócrita. Se você, que se fez de minha amiga esse tempo todo, ou ele!
-Lavínia, por favor... Nunca foi minha intenção de te magoar. Você é minha amiga, minha confidente... E tem mais uma coisa: eu nunca pedi pro Caíque se separar de você. Nunca tive a intenção de pedir que ele te deixasse pra ficar comigo, apesar de amá-lo como nunca amei homem nenhum.
-Até onde o seu cinismo te permite ir, Maria do Amparo Costa Veloso?
-Opa, Maria, não!
-Agora eu entendo por que fui afastada da escola. Seu problema comigo não tinha nada a ver com Felipe, nem com essa gestão absurda que a gente é obrigada a aceitar: uma vingança pessoal.
-Por que eu faria isso? Não misturo as esferas, ao contrário do que você pensa.
-Claro que faz! Porque mesmo com um casamento em crise, Caíque não se separava de mim. Ele precisa de uma esposa, alguém que perante a sociedade pareça aprazível, amável. E por mais que ele goste de você, ele não me abandonaria... Ao contrário do que você tanto quer e deseja. E se você ainda não percebeu, ele é o Caíque Porto de Machado, o maior engenheiro do estado, e o que quer destruir o maior monumento dessa cidade: o Cais Tomé Israelita!
-Alguém aí falou em Cais Tomé Israelita?- uma gama de jornalistas, chefiados pela repórter da imprensa marrom Ludmila, entram no Hotel Pineapple.
-Quem é você?- Caíque se cobre com o lençol.
-Prazer, meu nome é Ludmila, mas pode me chamar de Ludmilla, porque é hoje, meu bem! É hoje que estamos diante do maior escândalo de foro íntimo do estado! Imagina se eu vendo essa notícia pro blog da Fabíola Reipert!
-Fabíola Reipert? Mas eu nem sou celebridade!
-Mas teu amante é subcelebridade, e pra mim é isso que importa. Quer dizer que o engenheiro que quer tanto expulsar os cracudos do cais tem um caso com a diretora da Escola de Referência em Ensino Médio Antonio Nipo? Arebabado fortíssimo!
-Como é que você sabe que eu sou diretora da Escola de Referência em Ensino Médio Antonio Nipo?
-Wikipédia, meu bem. E eu tinha que decorar esse nome grande, porque senão o último capítulo não teria graça nenhuma. Agora, vamos partir para uma pergunta mais indiscreta: o que você achou dos surtos do Théo Becker na "Fazenda"?
-É demais pra mim! Chega de tanta perversidade, de tanta baixaria. Já aguentei demais por hoje!- declara Lavínia, seguida de Caíque enrolado no lençol.
-Lavínia, me espera! Por favor, meu amor, me dá mais uma chance!
-Tá certo, Caíque. Eu vou te dar mais trinta minutos e você vai arrumar a sua mala e não deixar um vestígio sequer no meu apartamento. Depois disso, faça o favor de desaparecer da minha vida!- Lavínia se retira do recinto EM meio aos flashes.


Felipe finalmente chega ao hospital e consegue ver a tia, que já está consciente. O médico avisa:
-Não demore muito, nós temos que transferi-la o mais rápido possível.
-Valeu, Doutor. Como é que a senhora tá?
-Eu vou melhorar, Felipe. Mas e você?
-O que é que tem eu, Tia?
-Quando é que você vai melhorar?
-A senhora não tá falando coisa com coisa, deve ser por causa da medicação...
-Não, Felipe. Eu sei o que eu estou dizendo. Sei porque eu quase morri hoje de manhã.
-Tia, não diz uma coisa dessa de novo...
-Você me ama, Felipe?
-Que pergunta é essa, Tia? Se não fosse a senhora, eu acho que não ia aguentar sozinho.
-E o que você quer, então? Ficar sozinho? Você não vai conseguir o respeito de ninguém colocando medo nos outros, mandando na vida dos outros. Tente se recuperar, se ver livre do mal que você fez aos outros. Não faça por mim, por Rayane... Faça por você.
-E se ninguém me desculpar pelo que eu fiz?
-Pense em você agora, como sempre fez. Você é feliz sendo do jeito que é?


A campainha do apartamento de Lavínia toca. Irritada, ela atende: é o marido.
-Por que eu não estou conseguindo abrir com a minha chave?
-Porque já chamei o chaveiro e ele trocou a fechadura. Eficiente ele, não?
-Você não pode fazer isso comigo, Lavínia. Não tem esse direito...
-E o seu? Hein? Qual é o seu direito, hein, Caíque? De rir da minha cara, por todas as vezes que eu tentei recomeçar essa droga de casamento, refestelado numa cama com aquela vagabunda?
-Não fala assim da Amparo!
Após o choque com a defesa do marido, Lavínia volta ao comportamento agressivo e bate no rosto de Caíque.
-Nunca mais pronuncie o nome daquela vadia dentro da minha casa. E não se preocupe, porque eu já fiz o seu trabalho. Eu mesma arrumei as malas pra não sobrar nada seu aqui dentro da minha casa!
-Sua casa? Ou melhor dizendo: o apartamento que eu mesmo comprei, com o meu dinheiro? Aquela merreca que você ganha deu pra comprar o quê até hoje? Uma caixa de sapato? Se engana se acha que eu vou arredar o pé daqui, Lavínia. Isso daqui é tanto meu quanto seu, e se você se sente extremamente incomodada com a minha presença, suma você daqui!
-Não acredito que você tá falando sério!
-Se você tivesse um pouco de juízo nessa sua cabeça oca, ia saber que seu showzinho acabou com a minha vida profissional!
-E você desgastou a minha vida pessoal!
-Dane-se ela! Eu já amei muito você, fui louco de uma forma que pensava que não podia viver sem você, mas agora acabou! Não me peça pra mentir, porque eu não sinto mais nada! A não ser ódio do que você fez comigo hoje. Eu juro que você vai me pagar por tudo o que aconteceu comigo!
-Obrigada. Muito obrigada!- diz, com lágrimas nos olhos- Tudo o que eu queria, Caíque, era que você fosse sincero comigo, acabasse com esse sofrimento. Agora eu não tenho mais dúvidas sobre o que você sente por mim. Nada. Tudo bem. Eu vou tomar um banho e, quando eu sair, eu vou arrumar minhas coisas. Se tem uma coisa que você não vai mais ter que fazer é ouvir falar de mim.
Lavínia entra no banheiro, tira a roupa e liga o chuveiro.
-Ela acabou com a minha vida. Mas isso não vai ficar assim.
Descontrolado, o engenheiro corre até a cozinha e pega uma faca. Anda lentamente até o banheiro, com cuidado para que os seus passos não sejam escutados. Ouve-se apenas o chuveiro ligado. Abre a cortina com cuidado, para que a esposa não possa ouvi-lo. Encontra-a com as mãos na cabeça, ao chão, chorando bastante, debaixo do chuveiro, e revelando o texto da tatuagem que ele jamais notou:
-Minha
Blusa
Que
Você
Adora
E
É
Um
Pano
Sem
Nenhum
Valor
O
Jornal
Que
Você
Guarda
Ao
Ler
Se
Tanta
Coisa
Lembra
O
Nosso
Amor...
Afasta-se de Lavínia, que não o nota, e volta para a cozinha, largando a faca e caindo em prantos ao finalmente entender o que quanto sua esposa precisava de sua companhia e como ele encerrou aquele casamento.

Sábado, 17 de outubro de 2015...

Lavínia, Fred e Xande e Gabriel estão acenando para Rayane, que está embarcando com os outros nove alunos da escola que vocês sabem o nome para a Suíça. Dizem os novelistas que há vários bancos lá... Mas quem se importa?
Os personagens que conhecemos estão emocionados com a partida da garota. Mas não mais do que Felipe, que chega correndo pra se desculpar com a jovem pelo que disse e fez.
-Cadê Rayane? Cadê a Ray?
-Ela já embarcou, Felipe- Gabriel esclarece a situação.
-Eu não acredito... Eu não acredito que perdi ela de vez... – o jovem pranteia até demais para uma gênese como a sua.
-Felipe.
-O que é, Xande?
-Rayane deixou uma carta pra nós dois. Eu queria ler, mas ela disse que só era pra abrir com você, e depois que ela tivesse ido embora. Toma.
Felipe segura a carta, com medo do que ela possa ter escrito. Os outros observam com aflição.
-Meus dois amores... Eu sabia que seria difícil de encarar vocês na hora da despedida e resolvi contar uma coisa que ninguém sabe sobre mim. Decidi dar um rumo novo pra minha vida, e essa viagem eu sei que vai me ajudar, porque eu não vou voltar sozinha.
-Sozinha? Mas ela vem com quem, então? Só se for com os outros do intercâmbio...
-Fica quieto, Gabriel, não tá vendo que tem uma narração em off da carta em pleno aeroporto?- Fred volta a dar humor a essa trama.
-Depois de tudo que aconteceu, eu descobri que a prioridade da minha vida não pode ser eu sozinha, e foi pro isso que eu menti pra todos. A verdade é que o médico me disse que a minha gravidez, por estar bem no começo, é de risco. Com medo do que podia descobrir, resolvi mentir pra todos e aceitar a oportunidade do intercâmbio. Não quero que se preocupem, que sintam pena de mim, que tentem me ajudar. Essa criança é minha responsabilidade, e desde que eu fiquei sabendo que ela existia, comecei a amar ela mais do que amo a vocês. Quero me desculpar por ter escondido a verdade, mas quero também que pensem que eu vou voltar mais feliz, com um novo motivo pra sorrir. Obrigado a você, Xande, por me proteger e me amar tanto. E obrigado a você, Felipe, pois sem você, esse meu presente não ia existir. Um beijo pra todos. Rayane.
Gabriel se aproxima de Felipe e, sem dizer uma palavra sequer, toma a iniciativa de consolá-lo diante da revelação da carta. Lavínia e Fred abraçam Xande.

Segunda-feira, 19 de outubro de 2015...

Tomando um suco de goiaba no Gigabyte (não, não é nesse lugar), Felipe e Gabriel estão refletindo sobre a partida de Rayane.
-Ela tirou meu chão. Ainda não tô acreditando que ela foi embora sem se despedir, e ainda mais escondendo que tá grávida.
-Você ia fazer o quê se ela tivesse aqui?
-Eu? Não faço a menor ideia.
-Pois é. Mas alguém tinha que pensar nesse filho. Sobrou pra Rayane.
-O pior é que eu escutei o que minha tia disse. Resolvi consertar meus erros com os outros.
-Olha, Felipe, além da Rayane, tem outra pessoa com que você vacilou muito, e vai ter que arrumar.
É. Eu sei bem de quem tu "tá" falando. Mas como é que eu faço?
-Olha, eu tive uma ideia. Só que pra isso, eu vou ter que usar todo seu poder de persuasão.
-Lascou!


Júlia, a professora linha-dura de Fred, recebe Felipe e Gabriel em sua sala.
-Eu vim aqui pra pedir que a senhora deixe Fred voltar pra minha turma. A culpa foi minha.
-Eu admiro a sua integridade, a sua hombridade de assumir o seu erro. Aliás, eu admirei muito isso no próprio Frederico quando ele veio me contar isso, mas...
-Por favor, tia...
-Não sou sua tia!
-Fred é o melhor professor que a gente já teve, melhor até do que a Lavínia na menopausa.
-Não exagera, Felipe. Não carrega as tintas desse personagem.
-Se a senhora quiser, eu peço pra galera até um abaixo-assinado da turma pedindo a volta do professor.
-Tudo bem. Tendo em vista o bom comportamento e o empenho em me tentar entregar um plano de aula decente, vou liberar Fred, mas por um único motivo.
-Qual?
-Eu quero sentar no meu sofá e acompanhar as emoções desse último capítulo, que está bombando no Twitter.
-Valeu, "fessora"!- Felipe abraça Júlia, e esta logo exclama:
-Detesto vilões redimidos!

Terça-feira, 20 de outubro de 2015...

Lavínia volta à escola e atrai a atenção dos demais alunos. Bernardo e Vivi comentam.
-Quem diria, hein? Felipe tanto fez, mas ela voltou pra sala de aula.
-Ih, maninho. Nem se iluda. A Secretaria de Educação chamou Lavínia pra ela assumir o cargo de diretora.
-Como assim, Bial?
-Como assim? Depois que vazou aquele escândalo da Amparo com o marido dela, a Secretaria de Educação pensou que ela tinha afastado Lavínia por misturar pessoal com profissional. Resumindo: se ferrou!
-E o marido dela? O tal engenheiro?
-Tá passando direto na televisão! Ele tentou impedir na justiça o tal tombamento do cais, e os manifestantes destruíram a casa dele. Tá no olho do furacão!
-Bem-feito pra ele. A coitada da Lavínia tá tendo que se virar. Adivinha onde ela tá morando?
-Onde?
-Na casa de Felipe.
-Mentira, né? Que babado é esse?
-Lembra a tia de Felipe, que enfartou? Pois é: ficou com pena da Lavínia e levou ela pra casa. Agora, Felipe, que tanto fez pra se livrar dela, tá morando na mesma casa que ela.
-Que final corrido. Eu tô me sentindo na Manchete!
-É porque vem mais coisa por aí- Bernardo ouve o sinal tocar- Vamos pra sala.
Felipe chega bem na hora, e é parado pela nova diretora.
-Bem-vindo à nova era da Erem Antonio Nipo, Felipe.
-Valeu, professora.
-Ah, antes de você entrar, eu queria só te avisar de uma coisa.
-Pode falar.
-Se antes eu estava de olho em você, agora estou pior ainda.
-Glup!
-Pode ir pra sala. Seu irmão está lá dentro.
-Gabriel? Mas o que ele tá fazendo aqui?
-O professor de português o convidou para uma aula prática.


Fred entra na sala de aula e é recepcionado calorosamente pelos alunos.
-Depois de quase quatro anos de faculdade, você não sabem como é bom ouvir isso. E só pra constar: agora eu recebo salário sem ser concursado! Pense numa coisa boa!
-Seja bem-vindo, Professor.
-Obrigado, Xande. Mas eu quero agradecer a três pessoas pela minha volta. A primeira é a Lavínia, pelo convite pra assumir o 3º Ano "A"; a Felipe, por ter intercedido por mim lá na faculdade; e ao meu mais novo amigo, Gabriel, que cresceu bastante com jornalista e como irmão nesse período de poucas semanas. Mas eu quero fazer uma homenagem a uma pessoa. Ou melhor: essa pessoa vai receber um convite.
-Curiosidade já tá coçando, Fred. Quem é que vai receber esse convite?
-Gabriel, você conhece alguém chamado Henrique?
-Conheço. Melhor do que eu mesmo.
-Pois é. Esse Henrique deixou uma pessoa e uma decisão pra trás. Mas hoje ele vai ter que responder.  Lavínia e Xande, venham pra cá, pra frente. Vivi, vem também pra cá- os três ficam em frente à lousa, e o jornalista é surpreendido com a entrada da noiva na sala, acompanhada por um juiz de paz, e uns poucos convidados que saem da sala dos professores.
-Eu disse que te daria todo o tempo do mundo. Mas eu não consigo. Tenho que te perguntar se você, Henrique Soares Nunes, ainda quer dividir sua vida ao meu lado.
-Se eu disser que aceito, a gente se casa agora mesmo?
-Trouxe o juiz já pra isso!
-Mas aqui?
-Você tem outra, por acaso?
-Claro que não, que pergunta!
-Então, cala a boca e me beija!
-Ainda não!- o juiz toma a palavra- Vamos resolver essa questão aqui mesmo. Ariela Ramos de Oliveira, aceita Henrique Soares Nunes, cujo nome de guerra é Gabriel Arenas, como esposo para amá-lo e respeitá-lo todos os dias de sua vida?
-Aceito.
-Henrique Soares Nunes, aceita Ariela Ramos de Oliveira, aquela que você deixou plantada no primeiro capítulo, para ser sua legítima esposa, e promete amá-la e respeitá-la todos os dias da sua vida?
-Sim. E eu me só me aceito se tiver do lado dela.
-Então, pelos poderes a mim investidos e todo aquele blá blá blá da Anitta, eu vos declaro marido e mulher. Já podem se beijar e ligar o ventilador, que essa sala está um mormaço.
-Beija! Beija! Beija! Beija!- se os noivos não aceitassem o clamor popular, eu poderia jurar que os alunos cantariam aquela popular canção de 1995 chamada "Salada Mixta".
-Adoro finais felizes- Fred seca o rolo do papel higiênico, porque chorou muito em 2015.
-Calma aí: casamento sem foto não é casamento!
-Tem razão, Lavínia. Vamos pra fachada do colégio fazer a foto oficial da cerimônia.
-E isso pode ir pro Instagram à vontade!- declara a nova diretora.
-Vamos lá pra fora, povo!- todos acatam a ideia do professor e saem junto com os noivos. Fred pega o celular com câmera frontal e sobe numa cadeira quebrada abandonada na calçada. Os presentes ficam atrás do jovem em posição de selfie (com um bico e agachados feitos sapos)- Todo mundo gritando "paçoca"!
-PAÇOCA!

EM TEMPO:
Antonio Nipo, que batiza a escola onde se passa a estória, é um físico e filósofo nascido em 1897, responsável por fomentar a cultura da idade média e por publicar livros sobre a belicosidade em formato de papiros. Por sua contribuição ao contar quantas vezes a Gretchen casou, recebeu o Prêmio Nobel de Divagação. Atualmente reside em Tóquio, sua terra natal, e sobrevive de causas naturais esperando o resultado do Enem 2015.


FIM 

30/10/2015

INTEGRIDADE/ CAPÍTULO 16



-Gabriel, chama uma ambulância pra Zilda! Por favor!
-Eu vou ligar pro 192! Alguém precisa ir com ela!
-Eu! Eu vou com ela, eu não posso deixar ela sozinha!
-Mas, Felipe, você tem que pegar os documentos dela, a carteira de identidade e levar pro hospital.
-Só se eu for em casa!
-Me diz o endereço e a gente vai junto- Gabriel se oferece para o favor.
-Com você, eu não vou pra canto nenhum!
-Felipe, por favor, eu vou com ela e você vai com Gabriel pra pegar os documentos da Zilda! Só que a gente não pode perder tempo! Aceita a ajuda dele!
-Ela ficou assim por causa dele!
-Para de arrumar confusão com todo mundo! Será que você não entende que ela pode morrer? Deixa de ser orgulhoso e aceita a ajuda dele!
-Tá! Liga pra ambulância, rápido!


Gabriel e Felipe vão até o quarto da empregada e reviram todas as gavetas atrás da documentação de Zilda. Em dado momento, o estudante senta na cama da tia e começa a chorar.
-A culpa é minha. Ela vai morrer e a culpa vai ser minha.
-Não pensa nisso agora. Eu também tenho culpa. Queria que você fosse humilhado, do mesmo jeito que Fred e Lavínia foram.
-Eu não vou aguentar. Primeiro a minha mãe, agora ela...
-Não vai acontecer nada.
-Já aconteceu. E a minha vida ia ser bem diferente se minha mãe...
-Continua. O que você ia dizer?
-Se minha mãe não tivesse dado em cima daquele desgraçado do Norberto!
-Norberto?
-Norberto Nunes. Meu pai.
-Espera. Você disse que... Não, não é possível. Você tem certeza de que o Norberto Nunes é teu pai?
-Tenho. A minha mãe teve um caso com ele. Mas ele deixou ela por causa da mulher e do filho...
-Você tá de brincadeira comigo.
-Não tô, não. Você vai saber da minha estória agora.


Lavínia está aflita, à espera de informações sobre Zilda. O médico volta da emergência.
-O senhor tem alguma notícia dela, Doutor?
-Sim. A equipe médica constatou que sua empregada sofreu um princípio de enfarte.
-Ai, não.
-Como se pode supor, ela terá de ficar em repouso, e evitar emoções fortes.
-Isso vai ser bem difícil, pelo que ela sofreu. Mas ela ainda corre risco?
-Infelizmente, não temos estrutura para mantê-la aqui. Mas eu já entrei em contato para que ela seja transferida ainda hoje para um hospital. E apesar do que houve, Dona Zilda está consciente. Não se preocupe. Ela vai se salvar.
-Ai, obrigada, Doutor!- Lavínia abraça o médico- E pra onde vão levá-la?
-Para o Pronto-socorro Cardiológico, que é perto daqui.
-Acabei deixando meu celular em casa. Vou ter de avisar ao Felipe que ela vai ser transferida, e pegar meu celular.
-Como vai fazer pra avisar a esse Felipe?
-Eu vou pegar um táxi. E vou aproveitar também pra saber por que os meninos estão demorando tanto.


O diálogo revelador prossegue.
-Há muitos anos, esse Norberto Nunes atuava como empresário. Era dono de uma boate que fechou até esse ano mesmo, uma tal de Lust. Ele agenciava mulheres e menores de idade pra prostituição. Uma dessas mulheres era a minha mãe.
-Quer dizer que ela virou garota de programa por causa dele?
-Mais que isso. Ela se apaixonou pelo miserável, e engravidou dele.
-E ele?
-De início, pediu pra ela abortar. Disse que era viúvo, que tinha um filho pequeno, e que não ia ajudar minha mãe.
-E depois disso, eles não se viram mais?
-Norberto concordou em dar uma esmola pra calar a boca da minha mãe. O tempo foi passando, e ele foi protegendo ela cada vez mais.
-Mas sua mãe era envolvida com alguma coisa errada? Tô perguntando por causa da arma.
-Foi ele que deu. Ele ficou preocupado que alguém descobrisse o caso deles e quisesse chantagear. Por isso deu o revólver, e ensinou ela a atirar. Mas ela tinha pavor daquele trambolho e jogou as balas fora.
-E você teve contato com ele?
-Nunca veio me ver. Tudo o que eu sei dele foi Tia Zilda que contou. Mas se a coisa era ruim, piorou muito depois que ele conheceu a segunda mulher. Aí, ele cortou o pagamento que fazia, acabou o caso com ela... Fingiu que a gente era pior que lixo. Disse pra minha mãe que agora só queria saber da nova esposa e do filho. Ela foi adoecendo, murchando e... Até que morreu de tristeza, desgosto, ódio por ele. Carreguei isso comigo. Quando eu soube que a esposa dele morreu num acidente, eu até ri, sabia? Foi como se a morte dela tivesse servido pra alguma coisa. Pena o outro filho dele não ter ficado naquele carro, preso... Até morrer!
-Para! Ele mentiu pra você. Ele não te deu amor só porque gostava do filho! O Norberto só conseguia amar a esposa, a Vilma. Você pensou que ele prestava e se voltou contra sua mãe por causa da esposa? Não, Felipe. Todo esse ódio que você guarda não vale a pena. Ele não quis ser pai do outro filho, nem seu. E sabe qual é o pior de tudo? É que esses dois filhos não sabem fazer outra coisa além de amar esse pai, como se um dia ele tivesse sido capaz de dar amor pros dois.
-Por que tu tá falando desse jeito?
-Tá na hora de você saber da verdade.
-Que verdade?
-Eu sou o outro filho dele.
-Mentira. Seu nome é Gabriel. O outro se chama...
-Henrique Soares Nunes. Eu assumi outra identidade pra fugir das lembranças que ele me trazia. E comecei a usar esse nome pra trabalhar num lugar que ninguém pudesse me reconhecer. Só quem passou por esse rastro de destruição que foi a falta de amor do meu pai sabe o que é chamar a atenção de alguém e não sentir nada de volta.
-Quer dizer que a gente é irmão? Meio-irmão?
-Família é o que a gente constrói ao longo da vida. Você acha que a gente ainda pode ser uma família, Felipe?
-A gente se odeia demais pra isso. E se a minha tia morrer por sua culpa, aí é que eu me esqueço quem você é. Porque pra acabar com você, não me tá custando!


No táxi, Lavínia apressa o motorista.
-Por favor, senhor. Eu não tenho muito tempo!
-O trânsito também não ajuda. Vai ver quem a senhora tá procurando tá no engarrafamento.
-Tá num hotel!
-Como é que é a estória?
A professora se choca ao avistar o carro de seu marido estacionado na porta do Hotel Pineapple.
-O que você tá fazendo aqui, infeliz?
-Indo pelo caminho mais curto, dona.
-Sai daí!
-Mas não dá! Tô mais encoxado que transporte público em dia de jogo!
-Não é com você, palerma! Quanto é que eu te devo.
-Vinte reais e um dicionário, porque eu não sei o que é palerma!
-Tá aqui- entrega-lhe o dinheiro- Eu vou descobrir com quem esse engenheiro de araque marcou uma reunião. E o principal: desmascarar a maldita da Bonequinha Japonesa!


Repousando, Rayane recebe a visita de seu irmão no quarto.
-Então, a tia dele enfartou?
-Parece que sim.
-Tomara que ela se recupere logo.
-Ray... Tem uma coisa que eu preciso te contar.
-Olha, se for do Felipe...
-Não, escuta. Eu fui até a sala da Amparo, a pedido do Fred, e descobri uma coisa.
-Fala, Xande, tá me dando angústia!
-O Governo do Estado já selecionou os dez alunos que vão pro intercâmbio na Suíça.
-E o que é que tem?
-O secretário ligou e eu atendi. Ele perguntou se todas as dez pessoas poderiam ser confirmadas. Eu menti. Disse que uma delas não podia ser confirmada. Ele disse que ia incluir a primeira pessoa da lista de espera.
-Xande... Você não foi selecionado, foi?
-Fui, sim, Ray. E eu disse que não podia ir pra Suíça.
-Tem noção do que você fez? Você perdeu a oportunidade da sua vida!
-Não. Eu devolvi uma oportunidade pra sua vida. A primeira pessoa da lista é você, Ray.
-Quer dizer que... Eu vou pra Suíça?



Entrando no Hotel Pineapple, Lavínia é incisiva ao falar com o camareiro.
-Professora?
-Como vai, Dante?
-Quanto tempo! Era até mesmo com a senhora que eu queria falar!
-Ah, é?
-Eu queria agradecer sobre as dicas de vocativo que a senhora me deu pelo WhatsApp. Se não fosse isso, eu não tinha passado no concurso público pra camareiro do Hotel Pineapple e não tava ganhando quatorze mil por mês. E também aprova prática me ajudou bastante.
-Como era?
-Ah, era só decorar o slogan do lugar.
-Que todo mundo sabe, né?
-"Hotel Pineapple: descasque esse abacaxi e coma a maçã do amor"!- repetem juntos, para os delírios dos leitores que estão achando o capítulo dramático!
-Exatamente.
-Já que você está em dívida comigo, vai ter de me retribuir de alguma forma.
-Nada de favores íntimos, eu sou um homem de família.
-Família Addams, com essas olheiras... Mas não. Eu quero protagonizar um escândalo.
-Ah, isso pode!
-Será que tem como você abrir a porta de um dos quartos? Eu preciso surpreender alguém: meu marido.
-O engenheiro?
-Como sabe?
-Só tem ele aqui hoje, e com uma amante fantasiada de oriental. Uma cheia de botox chamada Bonequinha Japonesa!
-Abre a porcaria dessa porta!
E sem que peguem o elevador, Dante e Lavínia abrem o quarto onde estão Caíque e a tal da Bonequinha Japonesa. Entretidos, não reparam na chegada de ambos, até que...
-Posso fechar a porta, Dona Lavínia?
-Lavínia???- o traíra fica mais branco do que a gente vendo "Plantão da Globo" na madrugada!
-Pode, sim, Dante. Obrigada! E lembre-se: o trema cairá em desuso.
-Obrigado pela dica!
-Lavínia, eu posso explicar...
-Vai explicar como você foi capaz de dizer essa frase tão clichê em pleno flagra de 2015, cafajeste!