-Gabriel, chama uma ambulância pra Zilda! Por
favor!
-Eu vou ligar pro 192! Alguém precisa ir com
ela!
-Eu! Eu vou com ela, eu não posso deixar ela
sozinha!
-Mas, Felipe, você tem que pegar os
documentos dela, a carteira de identidade e levar pro hospital.
-Só se eu for em casa!
-Me diz o endereço e a gente vai junto-
Gabriel se oferece para o favor.
-Com você, eu não vou pra canto nenhum!
-Felipe, por favor, eu vou com ela e você vai
com Gabriel pra pegar os documentos da Zilda! Só que a gente não pode perder
tempo! Aceita a ajuda dele!
-Ela ficou assim por causa dele!
-Para de arrumar confusão com todo mundo! Será
que você não entende que ela pode morrer? Deixa de ser orgulhoso e aceita a
ajuda dele!
-Tá! Liga pra ambulância, rápido!
Gabriel e Felipe vão até o quarto da
empregada e reviram todas as gavetas atrás da documentação de Zilda. Em dado
momento, o estudante senta na cama da tia e começa a chorar.
-A culpa é minha. Ela vai morrer e a culpa
vai ser minha.
-Não pensa nisso agora. Eu também tenho culpa.
Queria que você fosse humilhado, do mesmo jeito que Fred e Lavínia foram.
-Eu não vou aguentar. Primeiro a minha mãe,
agora ela...
-Não vai acontecer nada.
-Já aconteceu. E a minha vida ia ser bem
diferente se minha mãe...
-Continua. O que você ia dizer?
-Se minha mãe não tivesse dado em cima
daquele desgraçado do Norberto!
-Norberto?
-Norberto Nunes. Meu pai.
-Espera. Você disse que... Não, não é
possível. Você tem certeza de que o Norberto Nunes é teu pai?
-Tenho. A minha mãe teve um caso com ele. Mas
ele deixou ela por causa da mulher e do filho...
-Você tá de brincadeira comigo.
-Não tô, não. Você vai saber da minha estória
agora.
Lavínia está aflita, à espera de informações
sobre Zilda. O médico volta da emergência.
-O senhor tem alguma notícia dela, Doutor?
-Sim. A equipe médica constatou que sua
empregada sofreu um princípio de enfarte.
-Ai, não.
-Como se pode supor, ela terá de ficar em
repouso, e evitar emoções fortes.
-Isso vai ser bem difícil, pelo que ela
sofreu. Mas ela ainda corre risco?
-Infelizmente, não temos estrutura para
mantê-la aqui. Mas eu já entrei em contato para que ela seja transferida ainda
hoje para um hospital. E apesar do que houve, Dona Zilda está consciente. Não
se preocupe. Ela vai se salvar.
-Ai, obrigada, Doutor!- Lavínia abraça o
médico- E pra onde vão levá-la?
-Para o Pronto-socorro Cardiológico, que é
perto daqui.
-Acabei deixando meu celular em casa. Vou ter
de avisar ao Felipe que ela vai ser transferida, e pegar meu celular.
-Como vai fazer pra avisar a esse Felipe?
-Eu vou pegar um táxi. E vou aproveitar
também pra saber por que os meninos estão demorando tanto.
O diálogo revelador prossegue.
-Há muitos anos, esse Norberto Nunes atuava
como empresário. Era dono de uma boate que fechou até esse ano mesmo, uma tal
de Lust. Ele agenciava mulheres e menores de idade pra prostituição. Uma dessas
mulheres era a minha mãe.
-Quer dizer que ela virou garota de programa
por causa dele?
-Mais que isso. Ela se apaixonou pelo
miserável, e engravidou dele.
-E ele?
-De início, pediu pra ela abortar. Disse que era
viúvo, que tinha um filho pequeno, e que não ia ajudar minha mãe.
-E depois disso, eles não se viram mais?
-Norberto concordou em dar uma esmola pra
calar a boca da minha mãe. O tempo foi passando, e ele foi protegendo ela cada
vez mais.
-Mas sua mãe era envolvida com alguma coisa
errada? Tô perguntando por causa da arma.
-Foi ele que deu. Ele ficou preocupado que
alguém descobrisse o caso deles e quisesse chantagear. Por isso deu o revólver,
e ensinou ela a atirar. Mas ela tinha pavor daquele trambolho e jogou as balas
fora.
-E você teve contato com ele?
-Nunca veio me ver. Tudo o que eu sei dele
foi Tia Zilda que contou. Mas se a coisa era ruim, piorou muito depois que ele
conheceu a segunda mulher. Aí, ele cortou o pagamento que fazia, acabou o caso
com ela... Fingiu que a gente era pior que lixo. Disse pra minha mãe que agora
só queria saber da nova esposa e do filho. Ela foi adoecendo, murchando e...
Até que morreu de tristeza, desgosto, ódio por ele. Carreguei isso comigo.
Quando eu soube que a esposa dele morreu num acidente, eu até ri, sabia? Foi
como se a morte dela tivesse servido pra alguma coisa. Pena o outro filho dele
não ter ficado naquele carro, preso... Até morrer!
-Para! Ele mentiu pra você. Ele não te deu
amor só porque gostava do filho! O Norberto só conseguia amar a esposa, a
Vilma. Você pensou que ele prestava e se voltou contra sua mãe por causa da
esposa? Não, Felipe. Todo esse ódio que você guarda não vale a pena. Ele não
quis ser pai do outro filho, nem seu. E sabe qual é o pior de tudo? É que esses
dois filhos não sabem fazer outra coisa além de amar esse pai, como se um dia
ele tivesse sido capaz de dar amor pros dois.
-Por que tu tá falando desse jeito?
-Tá na hora de você saber da verdade.
-Que verdade?
-Eu sou o outro filho dele.
-Mentira. Seu nome é Gabriel. O outro se
chama...
-Henrique Soares Nunes. Eu assumi outra
identidade pra fugir das lembranças que ele me trazia. E comecei a usar esse
nome pra trabalhar num lugar que ninguém pudesse me reconhecer. Só quem passou
por esse rastro de destruição que foi a falta de amor do meu pai sabe o que é
chamar a atenção de alguém e não sentir nada de volta.
-Quer dizer que a gente é irmão? Meio-irmão?
-Família é o que a gente constrói ao longo da
vida. Você acha que a gente ainda pode ser uma família, Felipe?
-A gente se odeia demais pra isso. E se a
minha tia morrer por sua culpa, aí é que eu me esqueço quem você é. Porque pra
acabar com você, não me tá custando!
No táxi, Lavínia apressa o motorista.
-Por favor, senhor. Eu não tenho muito tempo!
-O trânsito também não ajuda. Vai ver quem a
senhora tá procurando tá no engarrafamento.
-Tá num hotel!
-Como é que é a estória?
A professora se choca ao avistar o carro de
seu marido estacionado na porta do Hotel Pineapple.
-O que você tá fazendo aqui, infeliz?
-Indo pelo caminho mais curto, dona.
-Sai daí!
-Mas não dá! Tô mais encoxado que transporte
público em dia de jogo!
-Não é com você, palerma! Quanto é que eu te
devo.
-Vinte reais e um dicionário, porque eu não
sei o que é palerma!
-Tá aqui- entrega-lhe o dinheiro- Eu vou
descobrir com quem esse engenheiro de araque marcou uma reunião. E o principal:
desmascarar a maldita da Bonequinha Japonesa!
Repousando, Rayane recebe
a visita de seu irmão no quarto.
-Então, a tia dele enfartou?
-Parece que sim.
-Tomara que ela se
recupere logo.
-Ray... Tem uma coisa que
eu preciso te contar.
-Olha, se for do Felipe...
-Não, escuta. Eu fui até a
sala da Amparo, a pedido do Fred, e descobri uma coisa.
-Fala, Xande, tá me dando
angústia!
-O Governo do Estado já
selecionou os dez alunos que vão pro intercâmbio na Suíça.
-E o que é que tem?
-O secretário ligou e eu
atendi. Ele perguntou se todas as dez pessoas poderiam ser confirmadas. Eu
menti. Disse que uma delas não podia ser confirmada. Ele disse que ia incluir a
primeira pessoa da lista de espera.
-Xande... Você não foi
selecionado, foi?
-Fui, sim, Ray. E eu disse
que não podia ir pra Suíça.
-Tem noção do que você
fez? Você perdeu a oportunidade da sua vida!
-Não. Eu devolvi uma
oportunidade pra sua vida. A primeira pessoa da lista é você, Ray.
-Quer dizer que... Eu vou
pra Suíça?
Entrando no Hotel Pineapple, Lavínia é
incisiva ao falar com o camareiro.
-Professora?
-Como vai, Dante?
-Quanto tempo! Era até mesmo com a senhora
que eu queria falar!
-Ah, é?
-Eu queria agradecer sobre as dicas de vocativo
que a senhora me deu pelo WhatsApp. Se não fosse isso, eu não tinha passado no
concurso público pra camareiro do Hotel Pineapple e não tava ganhando quatorze
mil por mês. E também aprova prática me ajudou bastante.
-Como era?
-Ah, era só decorar o slogan do lugar.
-Que todo mundo sabe, né?
-"Hotel Pineapple: descasque esse
abacaxi e coma a maçã do amor"!- repetem juntos, para os delírios dos
leitores que estão achando o capítulo dramático!
-Exatamente.
-Já que você está em dívida comigo, vai ter
de me retribuir de alguma forma.
-Nada de favores íntimos, eu sou um homem de
família.
-Família Addams, com essas olheiras... Mas
não. Eu quero protagonizar um escândalo.
-Ah, isso pode!
-Será que tem como você abrir a porta de um
dos quartos? Eu preciso surpreender alguém: meu marido.
-O engenheiro?
-Como sabe?
-Só tem ele aqui hoje, e com uma amante
fantasiada de oriental. Uma cheia de botox chamada Bonequinha Japonesa!
-Abre a porcaria dessa porta!
E sem que peguem o elevador, Dante e Lavínia
abrem o quarto onde estão Caíque e a tal da Bonequinha Japonesa. Entretidos,
não reparam na chegada de ambos, até que...
-Posso fechar a porta, Dona Lavínia?
-Lavínia???- o traíra fica mais branco do que
a gente vendo "Plantão da Globo" na madrugada!
-Pode, sim, Dante. Obrigada! E lembre-se: o
trema cairá em desuso.
-Obrigado pela dica!
-Lavínia, eu posso explicar...
-Vai explicar como você foi capaz de dizer
essa frase tão clichê em pleno flagra de 2015, cafajeste!
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