31/05/2014

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 8: EM DESEJO

-Que estória é essa de óvulo, sua cretina? Que sandice é essa que você veio contar? Não basta ter um caso com o meu marido? Ainda tem que inventar mentiras a respeito do meu filho?
-Eu não acredito que seja mentira, Verônica. Eu não sei por quê, mas eu tenho quase certeza de que, por mais perturbador que tudo isso seja, ela está falando a verdade...
-Você cala a boca, Murilo! Cala essa boca, que eu não quero mais escutar você! Eu não aguento mais você protegendo essa mulher...
-Essa mulher não! A mãe do seu filho! Aliás, seu não é. O “Gigante” nunca foi nada seu. É meu e do seu marido!
-Vagabunda!- desfere uma bofetada no rosto de Natália.
-É essa sua arma? Me bater? Então, eu dou a outra face também! Mas não vai mudar o fato de que você foi enganada todo esse tempo.
-Bem que eu desconfiava... Onde é que vocês se refestelavam, hein? Na minha cama, quando eu saía pra trabalhar? Quer dizer que o grande pastor trazia a fiel pro quarto e eu não sabia?
-Eu não tive nada com essa mulher!- grita- Nada!
-Levantando o tom de voz, Murilo? Definitivamente, você não se cansa de me surpreender. O que mais? O que mais eu vou descobrir com relação a você e a essa rameira?
-Agora chega!- Natália devolve a bofetada, derrubando a esposa de Murilo no sofá- Eu não tive, não tenho, nem quero ter caso com o seu marido. Ele não me interessa como homem, e também não me interessa o que você pensa de mim. Só que da próxima vez que você me ofender, eu acabo com a sua raça.
-Quem você pensa que é pra encostar sua mão em mim, sua...
-A mãe do “Gigante”! A mãe do garoto que você criou durante dezoito anos, sem saber que ele não era seu filho! Não é nada seu! Pensa que só porque ele saiu da sua barriga é o seu filhinho querido? Ledo engano, Verônica! Quando eu disse que você foi enganada, foi pelo meu pai! Ele sabia, sempre soube que você não conseguia engravidar, e se aproveitou disso pra pôr o neto dele no mundo, já que eu e o meu marido não quisemos ter filhos naquela época. Mas eu tinha congelado os meus óvulos. E sem que eu soubesse, ele implantou um deles em você. Esse rapaz, que tanto você enche a boca pra dizer que é seu, é meu filho! Esse delinquente, esse ladrão, esse marginal não passa de alguém criado por você! Eu é que estou há mais tempo longe dele. Dezoito anos, sua imbecil! Ele é meu filho! Meu filho, e do seu marido!
-Como é que você... –a voz de Verônica fica embargada- Como é que você deixa essa mulher falar essas barbaridades, Murilo? Isso que ela diz não tem cabimento...
-Eu quero um exame de DNA! Se existe prova pra mostrar a todos que eu sou a verdadeira mãe do “Gigante”, essa prova é o DNA!
-Eu não acredito em você... Em nenhuma palavra do que você “tá” me dizendo... Você é uma mentirosa!
-Durante anos, o meu pai investigou a vida de vocês. Seguiu bem de perto os passos do meu filho. Isso porque ele pretendia deixar metade da sua herança pro “Gigante”. E não é só pelo dinheiro que eu quero encontrar o meu filho. Eu quero conhecê-lo, abraçá-lo, dizer que eu sou a mãe biológica dele!
-Você é uma louca!
-Você não tem como me negar esse direito! Eu vou até o fim, vou contratar os melhores advogados, os melhores investigadores do país pra encontrá-lo, e fazer com que ela assuma o meu sobrenome! O sobrenome que é dele!
-O sobrenome do meu filho é Nobre! Se você quer dar uma família pra alguém, procure outra pessoa! Eu tenho fé que ele vai voltar pro seio da família dele. Da única e verdadeira família! Mas a única mãe que ele vai abraçar é a Verônica.
-Já vi quer eu não posso contar com você... Apesar de ver que você vê verdade nos meus olhos...
-Pois o que eu vejo nos seus é engano, mentira, trapaça... –interrompe Verônica- Uma obra contrária, preparada pelo inimigo! Mas que não tem força nem poder!
-Guarde o seu vocabulário! Ele não me intimida. Eu vou encontrar o meu filho, mesmo sem a ajuda de vocês.
Passos apressados são ouvidos por Murilo.
-Meu filho... Ele está aqui... “Gigante”!- sobe as escadas- “Gigante”- Natália vai atrás, mas é impedida por Verônica.
-Acabou o seu show. Vai embora daqui. Nunca mais pise nessa casa.
-Se for pra cá que o meu filho vai voltar, aqui vai ser o meu lugar, Verônica. Pode escrever- toma a bolsa de volta e sai da residência.
Murilo abre a porta do quarto do filho e percebe a janela aberta, com uma forte ventania que balança uma cortina branca.
-Alguém esteve aqui. Será que era ele?



Alexandre, após fugir pela janela do quarto, corre por duas ruas próximas à casa de Murilo. Pálido, ele permanece sem acreditar naquilo que acabou de escutar.
-Não pode ser... É mentira daquela mulher. Ela não pode ser a... Não, não pode ser... – pensa, enquanto continua correndo. Algumas pessoas olham para ele sem entender o motivo de seu desespero. Ele percebe que está chamando a atenção e começa a andar mais devagar. Pega a última rua à direita e, ao entrar nela, dá de cara com Célio.
-Alexandre? Eu não posso acreditar! É você mesmo?
O rapaz tenta correr, mas o pastor que trabalha com Murilo o segura pelo braço.
-Onde é que você estava? Onde está agora?
-Não é da sua conta!
-Será que você não vê o que está acontecendo? Sua família está desesperada, sem saber notícias suas, sem saber se você está vivo ou não... Como você consegue causar todo esse mal sem sentir culpa nenhuma?
-Minha família, pastor Célio? Eu não tenho família, não tenho ninguém pra chamar de família, não. Só tenho um pai, e ele não está preocupado comigo.
-Você não pode ser tão injusto assim. Não sabe o que se passa no coração de um homem.
-Ah, esse papo de igreja de que todos são pecadores, que todos erram, que todos fazem besteira. Não adianta falar disso se continuar errando. Apontar os erros dos outros é fácil, eu quero ver olhar pro seus. E meu pai errou muito, sem se arrepender de nada do que fez pros outros.
-Meu filho... Pense bem no que você está fazendo da sua vida. O seu caminho pode não ter volta.
-Assim é melhor. Não quero voltar pra vida que eu levava.
-Não é pior do que esse vazio que você deve estar sentindo agora...
-Para, Célio! Vazio eu senti antes, quando eu descobri o que meu pai fazia por debaixo dos panos. Um ladrão. Um cara que roubava dos outros. Marginal, era isso que ele era. E não duvido nada que ele continue roubando os outros. Não digo que sou um santo pra enganar ninguém. Tiro mesmo porque acho que aquela vida que os outros levam era pra ser minha.
-Coloque a mão na consciência, Alexandre. Reflita sobre o amor que seu pai tem por você. Lembre todas as vezes que ele se ajoelhou pedindo pra você voltar pra casa.
-Por culpa. Se orou pra eu voltar, por que não fez pra que eu não me transformasse num bandido igual a ele? A polícia não “tá” me procurando, e sabe por quê? Porque ele não chamou.
-Claro. Nenhum pai quer ver seu filho preso.
-Ou não quer ser preso junto. Até nunca mais, pastor Célio!- volta a correr. Célio começa a chorar, olhando para o céu.
-Por que me tentas a esse ponto, Senhor, se sabes que eu não sou capaz de suportar tanto?


Murilo volta do quarto do filho desaparecido e vai até a cozinha, ao perceber que Verônica não está mais na sala. A esposa do pastor está sentada à mesa.
-Eu quero saber onde é que essa mulher mora.
-Deve estar hospedada em algum hotel perto daqui, Verônica. Não sei qual.
-Mentira! Deve saber, sim. Só não quer me contar. Aliás, quando é que você pretendia me contar a verdade sobre essa desgraçada?
-Não pretendia contar.
-Como eu imaginava...
-Porque não sabia se ela estava falando a verdade.
-Da mesma forma que eu não posso confiar em tudo o que você me diz.
-Por favor, Verônica! Eu omiti porque não tinha confiança nela.
-E o que fez você ter, então?
-Aparentemente, ela não tem nenhum motivo pra mentir sobre o nosso filho. A não ser que ele tenha feito alguma coisa e ela queira se vingar.
-De um jeito ou de outro, você consegue jogar a culpa pra cima do “Gigante”.
-Eu posso ser um homem ingênuo, mas ele, certamente, não é. Tanto é que essa tribulação toda começou bem antes dele fugir de casa, quando começou a roubar e eu descobri tudo. Se eu cometi algum erro nessa estória, foi o de não te contar tudo desde o início. Te abrir os olhos, dizer que mesmo com todo o amor que demos a ele...
-Pode parar, Murilo. Você mesmo adora encher a boca de frases prontas da Bíblia, como aquela que você adora repetir nos cultos, que a gente tem que ensinar uma criança qual o caminho que ela deve andar pra não se desviar dele. Não é isso? Então, como você explica o seu próprio filho ter fugido de casa? Sim, porque vai ver que agora nem chamar de nosso eu posso mais, não é?
-Dessa culpa eu fico isento. Como também posso isentar você. Nós dois amamos o “Gigante” do mesmo jeito, na mesma intensidade. Mas ele sempre quis mais do que eu posso dar, do que você pode dar. Lembra uma vez, na festa do dia das mães do colégio? Que perguntaram a ele o que a mãe dele fazia? Ficou com vergonha de dizer que você vendia perfume, coisa que mulher usa, de porta em porta. Isso é vergonha, por acaso? Ser pobre? Vergonha, pra mim, é roubar, matar, tirar o que é dos outros... Por isso, eu sinto vergonha dele, mas o meu amor por ele não diminuiu nem um minuto. E eu sei que o seu também não. O que te perturba, Verônica, é pensar na possibilidade de isso ser verdade, mesmo que a Natália traga falsos indícios de que possa ser a mãe do nosso filho.
Verônica abaixa a cabeça e leva as mãos aos olhos. Depois, levanta-se e diz ao marido:
-Amanhã, eu vou caçar essa mulher. Vou procurar em tudo quanto é hotel, até encontrar.
-E vai fazer o quê?
-O pai dela não era rico? Não tinha condições? Então, que ela pague o exame de DNA. Ela vai pagar, e eu vou levar alguma coisa dele pra provar que ele é meu filho.
-Só uma coisa que eu quero saber, Verônica: e se não for o seu filho? Vai deixar de amar o “Gigante”?
-Não. Vou deixar de amar você. Aliás, estou começando desde que percebi a sua relação com aquela mulher.
-Pela última vez: Natália não é minha amante!
-Eu não consigo acreditar em você. Não mais.
-Então, eu vou te pedir uma coisa: acreditar no mover que um milagre faz.
-Só nisso mesmo. Porque em você eu não consigo mais acreditar.


Na penitenciária, voltando ao tempo atual, Murilo visita Irandir e continua a conversar com ele.
-Que susto você deu!
-É, escapei por pouco. Só que ninguém veio me ver. Nem trouxeram a minha filha.
-Calma, depois alguém vai vir te visitar. Pelo menos, já passou o pior.
-Verdade. Aquele médico foi uma bênção.
-O que foi que você disse?
-Aquele médico. Não tinha nenhum, aí ele veio pra cuidar do pessoal do presídio. Se não fosse ele, eu tinha morrido.
-Não é do médico que eu perguntei. Você disse que ele... Foi uma bênção.
-Eu falei isso?
-Falou. Sem pensar, mas falou.
-Vai ver é porque eu pensei que não fosse mais escapar, que não fosse mais ver a minha filha, e daí eu...
-Já entendi.
-Ou é de tanto falar com você. Não acredito totalmente N’Ele. Aliás, às vezes eu penso que Ele existe, mas não se envolve com meus problemas, entende?
-Todo mundo deve passar por isso, pelo menos uma vez na vida.
-Quer dizer que o pastor já passou?
-Vivi muitos milagres. O nascimento do meu filho foi o maior da minha vida, Irandir.
-Sei como é.
-Depois, como pastor, era o que eu mais via: a transformação na vida das pessoas. Gente voltando pra família depois de ter se viciado em crack, marido que retoma o casamento depois de ter agredido a esposa diversas vezes, marginal que aceita o Senhor como salvador depois de ter quase morrido... Exemplos não faltam.
-Não foi isso que eu perguntei. Queria saber se já duvidou alguma vez.
-Quase todo dia, depois que eu vim parar aqui. Desde que o advogado disse que eu ia ser transferido pra cá... Não sei, parece que eu “tô” num jogo e o desafio é saber quanto tempo eu vou aguentar.
-Seu caso é mais complicado que o meu.
-É. Pelo menos você sabe que sua filha ainda te ama.
-Não. A família da minha mulher veio em peso pra cima de mim. Não sei se disseram alguma coisa, falaram mal de mim pra ela... Duvido que o amor dela por mim seja o mesmo.
-Amor não muda.
-Sabe quando eu realmente vou acreditar nesse poder que você tanto fala? Quando você sair daqui e tudo voltar a ser como era antes.
-Cuidado com o desafio. Minhas orações “tão” sendo ouvidas, mas esse desafio... Pode ser aceito.


Aquela mesma noite serve para que Alexandre volte para o apartamento onde se esconde aos prantos. Rebeca sai do quarto vestindo uma camisola e encontra o comparsa na sala.
-Alexandre? Você saiu daqui? Ficou maluco? A gente pensou que você já “tava” dormindo, no quarto... O que é que você tem?
-Cadê o Paulo? Onde é que ele “tá”?
-Paulo já foi pra cama. Mas o que foi que houve?
-Me abraça, Rebeca. Não me pergunta nada, me abraça!- agarra a moça, que toca em seu cabelo.
-O que é que você “tá” fazendo? Se o Paulo pega a gente aqui...
-A gente não “tá” fazendo nada demais- enxuga as lágrimas- Só se você quiser fazer.
-Para com isso, Alexandre. É só um capricho.
-Quer pagar pra ver?
-Desiste disso. Você não sabe com quem “tá” se metendo.
-Vai valer a pena se no final de tudo isso, eu tiver você. Será que você ainda não entendeu que eu te quero?
-Entendi muito bem. Mas eu não posso.
-Pode, sim. E quer.
Os dois se beijam e vão até o quarto do rapaz, onde Alexandre tira a roupa de Rebeca e, em seguida, a sua. Por diversos momentos, a jovem tenta se desvencilhar dele, mas ele traz seu rosto de volta. Até que, num determinado momento, ela cansa de resistir.


No quarto em que Natália está hospedada, uma camareira recolhe alguns lençóis.
-A senhora deseja mais alguma coisa?
-Não, obrigada. Pode se retirar.
-Onde é que ela “tá”? Ela “tá” aqui?- Verônica entra intempestivamente.
-Quem é você? Eu vou chamar a segurança!
-Não, pode deixar. Eu já esperava por essa visita. Pode ir tranquila, ela vai ficar aqui conversando comigo.
-Se é assim, com licença.
-Sabia que você ia dar um jeito de me encontrar.
-Não foi muito difícil.
-Como é que você passou e ninguém tentou te impedir?
-Falei que era parente sua e que o assunto era urgente, que não podia esperar me anunciarem. Você é tão cara de pau que fez questão de se enfiar num hotel perto da minha casa. Não deu trabalho nenhum.
-Se engana, Verônica. Não é pra ficar perto da sua casa, e sim do meu filho.
-Me poupe dessa conversa fiada.
-Bom, se você não quer falar sobre isso, creio que nós duas não temos nenhum assunto em comum. Certo?
-Ontem você falou que a gente podia fazer um exame de DNA pra saber se o “Gigante” é mesmo seu filho ou meu, como sempre foi e sempre vai ser.
-Está disposta a isso mesmo?
-Só não tenho dinheiro pra fazer o exame. Mas isso você deve ter de sobra.
-Tudo bem. Mas eu preciso de alguma prova pra fazer o exame.
-Trouxe duas- tira duas sacolas da bolsa que está carregando- Essa daqui é a escova de dente que ele usava- diz, ao abrir uma delas, para em seguida abrir a outra- Já esse pente tem alguns fios de cabelo. Era o que ele usava também.
-Você veio preparada pra tudo.
-Como eu sei que você deve ter seus contatos, vai indicar um lugar pra que a gente faça o exame.
-Pode ser numa filial da clínica do meu pai...
-Não, vai ser em qualquer outro lugar. Por isso que eu já vim preparada com tudo. Sei que em dois dias o resultado sai. Vou esperar na clínica até que o resultado saia. Porque sei que você não vai poder comprar ninguém, muito menos fraudar o resultado.
-Verônica, eu não seria capaz disso, e não acredito que você pense isso de mim.
-Não me mande confirmar o que acho ou deixo de achar de você.
-Se é assim, eu também vou ficar dia e noite esperando o resultado. E pode ter certeza de que o “Gigante”, quando voltar pra casa, vai ter que me chamar de mãe.
-Vamos ver se vai.
-Então, vamos? Eu só preciso pegar o meu talão de cheques e passar na recepção do hotel pra avisar que vou ter de me ausentar.
-Faça o que quiser. Mas não demore nem tente me enganar. Eu quero ver se essa sua estória tem cabimento ou não.
-Além das provas que o meu pai me deixou, esse exame provará para você e Murilo que eu tenho razão.
-Quero ver no que isso vai dar.


Rebeca e Alexandre continuam despidos. Dormem abraçados na cama, que fica próxima à janela. Ela se mexe um pouco, sem abrir os olhos, e depois volta a cochilar. Mas o casal é acordado com os estilhaços do vidro da janela. E ficam mais assustados ao verem que, na porta do quarto, Paulo está esperando por eles, com uma arma em punho apontada para os amantes.
-Já são quase nove horas da manhã. Eu já “tava” com vontade de acordar o casal. Melhor se levantar, antes que o café esfrie.
-Paulo... Não vai fazer nenhuma besteira... –suplica Rebeca.
-O que vai dizer pra mim? Que isso tem explicação? Não, Rebeca. Não gaste seu latim comigo. Aliás, eu só quero escutar uma coisa: o que é que vão pedir antes de eu despachar os dois pro inferno.

15/05/2014

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 7: EM VERDADE

-Por favor, vá direto ao assunto, minha senhora!
-Meu amor, eu posso explicar...
-Você? Prefiro ouvir ela falando. A não ser que exista algum tipo de relação entre vocês. É isso? Porque se for isso, eu quero saber de qual tipo.
-Natália é uma missionária vinda de São Paulo. Eu... Tomei a liberdade de contar pra ela sobre a situação do nosso filho.
-Não posso acreditar... Você decidiu se abrir com uma estranha sobre esse assunto?
-Estranho é como ele se comporta, desprezando a família que construímos há anos.
Contrariada com a mentira, Natália acaba fazendo o jogo do pastor para evitar novos problemas.
-Fique tranquila, Verônica. Eu sei ser discreta. Prometo que não contarei nada do que seu marido me disse a ninguém.
-Mesmo assim, irmã, eu não gostaria que isso chegasse no ouvido das outras pessoas.
-Sei que a situação é delicada... Irmã... Mas o que eu posso dizer... Enquanto missionária?- ironiza a farsa do pastor.
-Que o que sai do nosso controle já está sendo vigiado pelo Pai? É um ótimo começo, Natália- Murilo responde à provocação.
-Desculpe, você entrou aqui e eu não te ofereci nada...
-Irmã Natália já está de saída, meu amor.
-Não estou, não, pastor. Ainda tenho algumas pendências a resolver aqui em Olinda, e o senhor sabe bem disso.
-É que ela veio até aqui naquele dia pra tentar falar comigo. Queria ver se Célio e eu poderíamos marcar um dia em que ela pudesse dar um testemunho.
-Problemas de maternidade, Verônica. Durante anos me reneguei à chance de ser mãe. Um dia, eu realizei essa proeza.
-Um milagre, realmente. Passei por uma experiência parecida com o meu filho. Quer dizer que a senhora engravidou?
-Engravidar não é bem o termo que eu uso. Vamos dizer assim: uma graça me foi concedida.
-Amém. Quero conhecer o seu filho um dia. Veio com a senhora?
-Não, está viajando. Mas um dia, a senhora poderá conversar com ele.
-Verônica, meu amor, você pode deixar a gente a sós por um momento?
-Claro, mas antes eu queria fazer um convite. Bom, a igreja não é minha, é do meu marido...
-A igreja é do Senhor.
-Sim, Murilo, mas eu senti um desejo no meu coração. Vai ver é até uma revelação... A irmã não quer acompanhar nós dois no culto da Lar Celestial?
-Eu... Adoraria. Mas não vou dar testemunho hoje. Ficou marcado pra domingo.
-Tudo bem, mas a palavra é sempre o nosso alicerce, a gente precisa dela.
-Se é assim, eu vou, Verônica.
-Será muito bem-vinda, tenha certeza.
-Verônica...
-Ah, claro. Eu não quero atrapalhar a conversa de vocês. Com licença- sobe as escadas e vai ao quarto.
-Para um pastor, você mente maravilhosamente bem- aplaude Murilo- Parabéns... Deveria ser ator.
-Atuo na igreja. E para uma ateia, você é muito cristã. Merece mais palmas do que eu.
-Sinceramente, você não consegue ser irônico...
-Muito menos você. Não me invente de aparecer lá na igreja, eu não quero ter de dar explicações pra minha mulher!
-Que explicações? Hein?
-Fala baixo!
-Se não fosse esse seu faz-de-conta, Verônica já teria sabido da verdade. E ela tem que saber. Você, como marido, não deveria poupá-la da verdade.
-O que você quer é me destruir, e “tá” se empenhando pra isso...
-Eu quero conhecer o meu filho, me aproximar dele, e isso eu não vou conseguir me sustentando nas suas mentiras.
-Por favor... O que me garante que é você que não “tá” mentindo pra acabar com a minha família?
-Murilo, eu não iria sair de São Paulo pra confirmar um engano do meu pai. Ele tinha certeza do que estava falando em seu leito de morte.
-Como vou saber? Afinal, o inimigo é muito astucioso!
-Mas eu não!- abre a bolsa- Olha aqui. Fotos de anos passados do “Gigante”, de quando ele era uma criança, de quando eu ainda poderia segurá-lo no colo... Murilo, eu não tenho essa pretensão toda pra destruir uma família. Abre o dossiê. Presta atenção em cada linha sobre o nosso filho e a vida dele. Só parou de ser atualizado quando o meu pai faleceu, na mesma época de desaparecimento do “Gigante”.
-Isso não é prova.
-Pois muito bem, eu quero fazer um exame de DNA. Aposto que o quarto dele está intacto. Alguma coisa dele pode comprovar que ele é meu filho.
-Nunca, ouviu bem? Nunca vou te dar permissão pra isso. Agora saia da minha casa!
-Aguarde-me no culto, pastor Murilo Nobre. Saiba que eu não vou usar modos escusos pra conseguir o que eu desejo, porque não sou mulher disso, mas vou ter no fim dessa estória.
-Algo que eu duvido muito.
-Até a noite, então.
-Não se atreva a ir até lá.
-Vai me expulsar?
-Se for preciso.
-Não será, pastor. O que o senhor dirá na frente dos seus queridos irmãos?
-Pare de me chantagear!
-Então, não me impeça de ser mãe do meu filho! Mais tarde eu vou à igreja!- põe a bolsa no ombro e abre a porta da casa, saindo em seguida.
-Me faça vencer essa provação... Eu não suporto mais.


Paulo e Rebeca estão jantando no apartamento. Um aparelho televisor está ligado na sala de jantar. A moça se levanta e recolhe o prato do amante. Ao lavá-lo, para pra ver uma notícia.
-Em vinte e quatro horas, a Polícia Militar começa a sentir os efeitos da greve. A Justiça considerou o movimento ilegal e ordena que os policiais voltem ao trabalho imediatamente; caso contrário, a multa aplicada será de cem mil reais por dia de trabalho recusado. Enquanto isso, vários pontos da região metropolitana vem sofrendo saques cometidos pela própria população, que aproveita o momento da falta de segurança em todo o estado.
-Vamos ver isso lá embaixo, Rebeca?
-‘Tá” louco? E se alguém reconhece a gente?
-Reconhecer como? As únicas testemunhas o Alexandre deu um jeito de dar cabo. Limpeza.
-E ele? Vai ficar sozinho aqui?
-Preocupada com o doentinho?
-Sabe muito bem o que eu quero dizer.
-Não, Rebeca. Sinceramente, não sei.
-Alguém pode invadir a casa e denunciar o Alexandre, não sei...
-Olha, a gente está umas três semanas, praticamente, sem poder sair por conta dele. Sabe lá o que a gente pode conseguir, agora que o pessoal “tá” tirando tudo das lojas.
-Assaltar uma loja de conveniência e ser perseguido pela polícia já não foi o suficiente?
-Gosto de viver o perigo. Como o seu protegido.
-Tudo bem. Vamos lá, então.
-“Bora”- pega a chave e sai com a amante, deixando a TV ligada. Em questão de segundos, o aparelho é desligado por Alexandre, que acaba de sair do quarto, ainda com dificuldade.
-Gosta do perigo, Paulo? Bom saber. Eu também. Mas eu tenho que saber se a vida realmente andou depois que eu fugi de casa.


No presídio, Murilo acompanha Irandir que ainda está desacordado. Os carcereiros ainda olham para o detento, desesperado com a situação do companheiro.
-Eu vou orar por você. Vou orar o Salmo 23... - diz, nervoso.
O médico chega.
-Com licença- abaixa-se e verifica os olhos do paciente.
-Salva ele, doutor.
-Vamos ver...
-O que é que ele tem?
-Febre, mau súbito, pele amarelada. Ele provavelmente contraiu hepatite. Pelo visto, é do tipo fulminante. Você nem perto dele deveria estar.
-Não posso sair. Ele precisa de mim. Precisa da minha oração.
-Ele precisa é fazer exame urgente, meu amigo. Por favor, nos dê licença- responde rispidamente.
-Filha... –Irandir acorda.
-“Tá” tudo bem- segura a mão do amigo- O doutor chegou, vai cuidar de você.
-Orou tanto pra aparecer um médico que apareceu um...- afirma, ainda bastante fraco.
-Vamos levar ele pra outra sala. E você volta pra cela.
-Por favor, me dê notícias dele.
-Vou, sim. Fique tranquilo que eu mando notícias.
Os carcereiros levam Murilo de volta à cela.
-Seu amigo parece ser um homem de fé- comenta o médico.
-Não é meu amigo, não, doutor.
-Mas por que ele estava aqui?
-Porque ele é um homem de fé. Tanto orou que o milagre aconteceu.


Alexandre entra no quarto do filho de Murilo pela janela.
-O quarto... As coisas... Parece que “tá” tudo no lugar. Não arrumaram nada. Que vida pra se levar, hein? Pelo menos, passado é passado.
-Pode entrar, irmã- ouve-se a voz de Verônica ao longe.
-Tem gente aqui!- assusta-se.


Murilo, Verônica e Natália se sentam na sala, após terem vindo do culto.
-Eu vou trazer um café pra gente.
-Não, Verônica, não precisa... Você já trouxe a irmã aqui, ela deve estar cansada, passou duas horas sentada ouvindo a palavra, veio conversando com você no caminho... Chega, não é? Deixa ela ir embora.
-Que indelicadeza... Parece até que você quer ver a irmã longe daqui... Ou será que quer?
-Como assim, Verônica?
-Você não acha que eu percebi que tentaram falar baixo depois que eu fui pro quarto? Qualquer cego vê que você está me escondendo alguma coisa, e me escondendo com a conivência dessa mulher.
-A senhora está redondamente enganada.
-Não, minha filha, não estou. Eu reparei: ela não prestou atenção no culto, não abriu a Bíblia nem pra ler a palavra. Isso não é o comportamento de alguém que quer dar um testemunho, e se recusa a fazer isso imediatamente. Vamos lá: o que é que vocês estão me escondendo? Como ela sabe do desaparecimento do “Gigante”? Fala de uma vez, porque se for alguma coisa ruim do meu filho, eu vou aguentar.
Alexandre sai do quarto e se aproxima das escadas, sem ser percebido.
-Verônica, por que essa reação? Eu já disse que essa mulher é uma missionária...
-Por favor, Murilo, eu não nasci ontem. Te conheço há mais de vinte anos! Eu sei muito bem quando você “tá” mentindo. De que igreja ela é? Quer dizer, se é que ela é de uma igreja, não é?
-De nenhuma, Verônica. Eu não sou crente. Não sou evangélica, e muito menos missionária.
-Natália, cala essa boca!
-Não! Deixa ela falar! O que é? Uma amante sua?
-Que despropósito é esse? Desconfiar de mim? De mim, Verônica?
-Hoje de manhã, você convenceu essa mulher a mentir pra mim. Por que eu deveria dar um voto de confiança?
-Porque ele é seu marido!
-Eu não estou falando com você... Ainda.
-Você já falou o suficiente. É a verdade que você quer, e eu vou dizer.
-Ótimo!
-Aliás, eu não saí de São Paulo e vim pra cá pra contar mentira nenhuma...
-“Tá”, “tá”, me poupa dessa conversa mole e diz: quem é você e o que quer com o meu filho?
-Eu sou filha do médico responsável pela sua fertilização in vitro.
-Quê?
-Natália, volta em outra hora. Eu vou conversar com a Verônica. Quando ela estiver mais calma, você fala com ela.
-Evitar essa conversa por quê, Murilo? O que “tá” acontecendo? Se você é filha do médico, do doutor Getúlio, isso não importa!
-Importa, sim. Importa porque ele enganou a vocês dois.
-Enganou como, minha filha? Seja clara de uma vez!
-O “Gigante”, o filho de vocês... Ele não foi concebido por conta de uma fertilização in vitro comum.
-Isso não tem cabimento... O médico mandou eu e o Murilo pro tratamento! Foi assim que eu consegui engravidar, foi assim que o meu filho nasceu...
-Não era o seu óvulo. O meu pai enganou a vocês e a mim também. Ele não usou nenhum dos seus óvulos. A única coisa que ele usou foi o sêmen do seu marido.
-Que idiotice é essa? Você “tá” querendo dizer o quê com isso? Se seu pai, que você diz ser seu pai, jogou meu óvulo no lixo, como é que eu fiquei grávida?
Natália passa a chorar desesperada.
-Com o meu óvulo. Com um dos óvulos que eu congelei na clínica do meu pai.
-O que você quer dizer com isso, sua mentirosa?
-Que o “Gigante” é filho do Murilo... E eu sou a mãe dele!
Os quatro ficam em silêncio. Murilo, Verônica e Alexandre olham para Natália, incrédulos com a revelação.

11/05/2014

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 6: EM NEGOCIAÇÃO

Dois carcereiros destrancam o portão da cela de Irandir e Murilo, e eles vêm acompanhados do diretor do presídio.
-O que é que ele tem?
-“Tava” com febre, agora não quer mais acordar. Tire ele daqui!- Murilo se desespera ao falar com o diretor.
-Calma, vamos chamar um médico.
-Que médico? Todo mundo que passa mal aqui dentro morre! Vocês não ajudam ninguém!- grita o preso que também pediu ajuda.
-Vai se salvar- brada Murilo.
-É cedo pra saber. O médico ainda não chegou.
-O único que tem poder pra salvar sabe.
-Vamos, levem ele pra enfermaria- ordena o diretor, após se sentir um pouco incomodado por não entender o que Murilo quis dizer com aquela frase.
Um dos rapazes tranca a cela novamente e Murilo põe a mão sobre as grades.
-Que essa enfermidade saia de você, Irandir, porque ela não tem força nem poder.


-Eu aceito, irmã. Aceito o que for preciso... Quero dizer... A sua doação.
-Só me diga de quanto foi o roubo.
-Quanto foi... É... Sete mil reais- mente.
-O senhor não pensou muito pra me responder, pastor?
-Não estou acostumado a ter tanto dinheiro, mas era o que compraria os bancos da igreja. Fico ainda impressionado como um ser humano pode descer tão baixo e roubar de uma casa sagrada.
-Pouco se importam se a casa for sagrada. Dinheiro é mundano, mas todo mundo quer fazer uso dele.
Ivone volta à igreja para pegar sua Bíblia. E flagra a conversa.
-Se não lhe incomoda, irmã, eu posso saber por que está querendo doar esse dinheiro? Alguma obra de caridade?
-Ateus podem até fazer caridade, mas não vejo muito sentido em fazê-la para uma igreja.
-Mas como a senhora pode não acreditar? A vida é um milagre! Esse momento, em que os nossos problemas se resolvem, também é um milagre.
-Pastor, eu não quero entrar no mérito dessa questão. Já está tarde e eu não tenho tempo de remoer o meu passado infeliz. Amanhã, o senhor pode trocar o cheque e guardá-lo em segurança.
-Apesar de não acreditar, eu sei que esse ato vai trazer grandes bênçãos pra sua vida.
-Não muitas. Se existe um deus que pode olhar as minhas súplicas, ele vai saber que eu só preciso de uma- assina o cheque e entrega- Boa noite.
-A paz, irmã- Célio entra com o cheque.
Natália se depara com Ivone observando a cena e para pra cumprimentá-la.
-A paz!- diz, em tom irônico.
-Amém, irmã- entra na igreja- Parece que dessa vez, os dois vão comprar os bancos da igreja. É pra glorificar...


Rebeca entra no quarto de Alexandre e surpreende Paulo com a faca ao acender a luz.
-Me diz qual é o seu problema, me diz!
-Quem devia dizer era você, já que defende tanto esse cara. O que é? Foi feito de açúcar? É intocável? Qual o interesse que você tem pra deixar ele continuar vivo, Rebeca?
-O mesmo que o seu! Não se atreva a insinuar coisas a meu respeito, porque eu não sou nenhuma piranha!
-Claro que não. Porque eu sou o homem da sua vida. E quero continuar sendo o único.
-Você não entende mesmo o perigo que a gente corre, não é?
-Saquei tudo, sim. É por causa disso que eu quero me livrar do Alexandre.
-Menos com o ciúme idiota. Alexandre matou três policiais porque você o induziu. Se você não percebeu, Paulo, isso o torna mais perigoso que nós dois juntos. Eu não vou pra cadeia por roubo, muito menos por ter dado fim ao cadáver do meu ex-cúmplice. E dê graças aos céus porque eu dei um sedativo pra ele, porque se ele desconfiar do que você tenta fazer, é capaz de fugir com o dinheiro e nos matar.
-Como se eu também não fosse capaz disso...
-Paulo, me escuta porque eu não sou mulher de falar dos meus sentimentos todo o tempo. Eu amo você, e quero viver esse amor que a gente tem. Mas foi uma mulher fria que você conheceu, e eu não vou pensar muito se tiver de passar por cima de você pra garantir minha liberdade. Então, para com essa balela de ciúme besta, que eu não “tô” pra brincadeira, entendeu?
-Muito menos eu!- segura o pescoço da moça- Toma cuidado comigo, rebeca!
-Me solta, que você “tá” me machucando!
-E daí? Quantas vezes eu já não bati em você e tu “disse” que já gostou? Hein? Até pedia pra eu bater mais...
-Larga o meu pescoço, senão eu começo a gritar!
-Grita! Me denuncia porque eu “tô” te enforcando! Quero ver se “Maria da Penha” se aplica a dois bandidos! Aí, a polícia leva a gente e o dinheiro junto. Viu como é simples?
-Solta, Paulo...
-Escuta, Rebeca! Se eu desconfiar que você e esse fedelho “tão” rindo de mim, eu mato! E não sinto remorso nenhum de matar- solta o pescoço dela, jogando-lhe no chão- Nunca tirei a vida de ninguém, mas pra tudo... Se tem a primeira vez... - sai do quadro.
-Imbecil!


Murilo volta à Igreja Lar Celestial e encontra Célio arrumando as flores do púlpito.
-A paz do Senhor, irmão.
-Irmão Murilo? E a sua esposa? Como está?
-Se recuperando, Célio. Eu não vim ontem pra cuidar dela, mas vou ministrar a palavra de hoje.
-Amém. A irmã Natália esteve aqui.
-Irmã Natália?
-Sim, aquela mulher que esteve na sua casa.
-O que ela quis aqui?
-Veio falar comigo. Essa mulher foi usada, é coisa divina, Murilo. Nem eu consegui entender na hora, mas foi milagre.
-Milagre vai ser o dia em que essa peste sumir da minha vida.
-Por que está falando assim?
-Tenho os meus motivos, Célio. Só não quero que essa mulher chegue perto da minha família. Mas diz. O que ela veio fazer aqui?
-Cobrir a oferta roubada.
-Como assim? Eu não entendi.
-O dinheiro roubado. Ela pagou o dinheiro. Eu não sei o que ela quer em troca, mas ela disse que se existe um deus, ela precisa de um milagre. Talvez doando dinheiro pra igreja, ela veja que o milagre pode existir, e o deus que ela tanto espera também.
-Você tem noção do que está falando? Porque pra mim, você está cometendo dois erros, Célio!
-Que erros? Eu estou me regozijando da bênção que a Lar Celestial recebeu...
-Não. Muito pelo contrário. Você acha que essa fulana vai pro céu comprando um terreno lá, dando dinheiro pra desconhecidos, como se a fé dela não valesse de coisa alguma.
-A fé sem obras é morta! Como pastor, você devia saber disso.
-Os discípulos tinham uma crença, não uma máquina de cartão de crédito. Porque é só isso que falta. Se você não fosse um pastor, não duvido nada de que transformava a igreja num negócio. Olha que se duvidar, é isso o que você pensa!
-Não aceito que você duvide de minha crença no Senhor! Mas qual é o seu problema? A igreja é roubada, depois é ressarcida, e você fica com raiva da situação?
-Não “tô” com raiva da situação. “Tô” com raiva dela! Ódio dela!
-Murilo, fala pra mim. Qual é a sua relação com essa mulher?
-Nenhuma! E eu creio que não vou ser abandonado, apesar dessas tempestades. Uma hora, o vento acalma. E leva essa mulher pra longe daqui.


Rebeca entra no quarto de Paulo e deixa a bandeja de café da manhã no quarto.
-Alexandre? Alexandre, cadê você?
-Aqui, no banheiro.
A moça escuta o barulho do chuveiro ligado e, com receio, entra. As gotas embaçam a parede de vidro que envolve o rapaz. Ele limpa um pouco e olha para a cúmplice.
-Você não devia ter se levantado ainda.
-Já me sinto melhor. Também, com todo o cuidado que eu venho recebendo- volta a se ensaboar.
-Mas e a dor?
-Continua. Mas eu tenho que me levantar. Uma hora, eu vou ter que usar minha parte na grana. Não dá pra bancar o doente.
-Você está doente.
-Isso passa. Se eu não morri ou fui preso agora, vai ser muito mais difícil me tirar de circulação.
-Olha, eu deixei o café em cima da sua cama.
-Paulo “tá” aí?
-Não. “Tá” cuidando da grana dele, procurando no que investir. Claro, com cuidado pra não levantar suspeitas. Acabou de sair. Avisa quando sair do banheiro. Eu te levo pra você não cair.
-Quer entrar?
-Como é?
-Rebeca, a gente já passou dessa fase de fingir que não entende quando um cara deixa bem claro que sente desejo nela.
-Você não sente desejo por mim. Sente pelo perigo.
-Não abandonei meu pai se não quisesse viver o perigo. Ele me excita. E você sabe disso porque nisso, o perigo começa a se parecer com você. É verdade que... Bem menos.
-Dispenso.
-Sem problema- abre a porta de vidro, deixando Rebeca sem reação- Agora eu só quero ver até quando.
A moça sai do quarto de forma apressada, enquanto Alexandre já tem a certeza do que acontecerá entre eles.


Toca a campainha da casa de Murilo e Verônica. O pastor atende a porta.
-Você?
-Não vai me convidar pra entrar?
-Eu prefiro que você se convide a sair.
-Muito gentil da sua parte- ao ironizar, Natália entra na residência.
-Vai demorar muito? Se não se importa, eu queria que você não voltasse mais à minha casa.
-Queria, mas não quer mais. Aposto que o pastor Célio já contou pra você o que eu fiz.
-E eu? Devia saber do quê?
-Que cobri o roubo da Igreja que você comanda. Claro que não foi por acaso, obra do destino ou de caridade. Fiz isso pra salvar o meu filho.
-Seja mais clara- disfarça.
-Eu pude finalmente perceber o que cercou o desaparecimento do Gigante. Ele sumiu na mesma época do dinheiro da igreja. Isso significa que se ele não roubou, você tem motivos muito fortes pra acreditar que ele levou o dinheiro consigo.
-O que a senhora quer é me comprar. Comprar o carinho de um filho que não consegue ver outra mulher como mãe a não ser a Verônica. Não perca o seu tempo, dona Natália.
-Não é só o carinho do Gigante pelo qual anseio. Quero a sua confiança.
-Por quê?
-Porque o fato de não admitir que ele é o responsável pelo sumiço das ofertas demonstra que o senhor é quem mais o ama. E por isso, eu tenho que ajudar de alguma forma.
-Agora a senhora vai me responder- Verônica sai do quarto e surpreende o marido e a misteriosa mulher- Qual é a sua relação com o meu filho?
-Verônica, por favor, você tem que descansar.
-Cansei de ficar deitada, Murilo. Ontem, a senhora não me respondeu, mas ainda é tempo. Por que essa preocupação com o Gigante?

-Já que a senhora insiste tanto em saber, eu vou contar. Eu sou a... – olha para Murilo, o que é percebido por Verônica- Sou...