-Que atrevimento é esse de entrar aqui na
minha sala, pra me dar ordens?
-Talvez só assim você entenda que essa gestão
sua não funciona, e não vai funcionar nunca! Pra não sofrer com escândalos, você
deixa o pior aluno da turma fazer o que bem entender.
-Mas o que foi que Felipe fez agora?
-Apontou uma arma pra Fred e pros outros
alunos da sala.
-Tem certeza do que está dizendo?
-Mais do que você. Porque pelo que eu soube,
ele fez isso tudo e a diretora não estava aqui.
-Como é que ele arranjou o revólver?
-Isso ninguém sabe. Mas você certamente sabe
menos, já que não estava na escola.
-Eu fui resolver coisas relacionadas à festa
do dia...
-Não me interessa o que você foi fazer. Eu só
quero que você tome uma atitude.
-Você estava lá na sala quando isso
aconteceu? Viu a cena?
-Não, estava preso no engarrafamento. Mas
quem me contou foi Vivi, da sala dele.
-E que evidências ela te deu de que essa cena
realmente ocorreu?
-Será que você vai continuar se fazendo de
burra? Ninguém vai querer abrir a boca, todos estão com medo dele...
-Mesmo assim, eu exijo evidências!
-Como a do celular que filmou Lavínia, e que
causou o afastamento dela?
-Sem provas, eu não posso fazer nada.
-E com elas, faz menos ainda! Amparo, não
estamos falando de qualquer aluno, e sim de Felipe, que já é reincidente! O que
você quer? Que ele mate alguém pra tomar uma atitude? Fred não vai voltar pra
escola enquanto esse bandido colocar medo em meio mundo!
-Pois então eu arranjo outro. Quantos
estagiários não têm por aí, tentando arranjar alguma vaga?
-Você trata as pessoas como se elas pudessem
ser escanteadas quando bem você entendesse.
-E podem. Só que você ainda não percebeu
isso.
-Muito bem. Já vi que não posso contar com
você. Mas uma coisa eu te digo, Amparo: ninguém vai me impedir de dizer o que
eu penso na cara daquele filho da mãe!- Gabriel abre a porta e se retira da
diretoria.
Lavínia ainda está ao telefone tentando falar
com Amparo.
-Parece que tá fora do gancho.
-A senhora disse que ouviu uns passos apressados
antes da ligação cair.
-Foi, Zilda. Deve ser algum problema com
aluno. Zilda, você não quer vir comigo amanhã?
-Eu?
-É, mulher. Você tá sempre com serviço, pelo
menos a gente se diverte um pouquinho.
-Por que é que a senhora não chama o Dr.
Caíque? Agora que vocês estão mais unidos...
-Pois é, eu pensei nisso, mas Caíque avisou
que vai ter uma reunião com o pessoal pra evitar o tombamento do Cais Tomé Israelita...
Enfim, aquela agonia de sempre.
-Vou, sim.
-A propósito, eu quase nunca te pergunto pelo
seu sobrinho.
-A verdade é que eu evito falar dele.
-Por quê?Ele é problemático?
-Meu sobrinho passou por umas coisas
recentemente. A morte da minha irmã, a troca de colégio nesse ano. Hoje ele não
se abre tanto comigo, e comigo trabalhando então...
-Queria conhecer ele um dia desses. Quem sabe
ele não passa um dia aqui?
-Por favor, Dona Lavínia, eu não quero encher
a senhora com meus problemas. E ele já é um rapazinho, pode ficar em casa só.
-Mesmo assim, está mais que convidado.
-Obrigada, Dona Lavínia. Bom, deixa eu servir
o jantar,quem daqui a pouco Seu Caíque chega.
Quarta-feira,
14 de outubro de 2015...
Não, ainda não é o dia do professor. Mas
considerando que é feriado, a festa foi adiantada. Barracas de comes e bebes e
umas gincanas foram instaladas no pátio da escola. Maribel, aquela coordenadora
da qual ninguém que acompanha a estória se lembra, recepciona Lavínia com um
abraço.
-Que saudades de você.
-E eu, que estou morrendo mais ainda de saudade,
Maribel? Cadê a Amparo?
-Ela disse que ia buscar dois pacotes de
pipoca. Teve um problema com o fornecedor da cantina e ela vai voltar daqui a
meia hora.
-Deixa eu te apresentar: essa daqui é a
Zilda. Trabalha lá em casa.
-Muito prazer.
-O meu também, dona... Qual o seu nome mesmo?
-Maribel!
-Isso! Engraçado que o meu sobrinho estuda aqui
também.
-É? Que série ele é?
-Terceiro Ano, só não sei dizer a turma.
-Bom, deixa eu ver se Amparo já chegou com a
pipoca. Com licença.
-Toda, senhora.
Lavínia é cumprimentada por Xande, Vivi e
outros alunos da sala.
-A senhora vai voltar?
-Não, Xande. Eu só vim hoje porque a Amparo
me convidou.
-Que pena- Vivi lamenta.
-Mas eu soube que vocês estão em ótimas mãos.
Amparo elogiou muito o novo professor. Aliás, cadê ele?
-A gente não sabe se ele vai voltar.
-Ué, por quê? Desistiu do estágio?
-Engraçado, a senhora é a segunda pessoa que
confunde "emprego" com "estágio" nessa semana.
-Bem, é que... Tá tudo no mesmo campo
semântico, Vivi- Lavínia disfarça- Vem cá, e cadê Rayane?
-Ela tava internada, aí chegou em casa ontem-
Xande explica.
-Sério? Mas o que é que ela tinha?
-Isso a gente fala depois, Professora.
-Dona Lavínia, a senhora vai me dar licença,
mas eu vi meu sobrinho ali e eu vou falar com ele.
-Teu sobrinho estuda aqui também? Quem é ele,
Zilda?
Gabriel passa como um verdadeiro foguete e
puxa o ombro de Felipe, que ignora a todos e está provando os doces.
-Tá pensando que isso vai ficar assim, seu
moleque?
-Epa! Peraí! Quem te deu liberdade de falar
assim comigo?
-Eu falo do jeito que eu quiser, e do jeito
que você merece!- aumenta o tom de voz, chamando a atenção de todos- Não é
porque Amparo ignora as atrocidades que você faz que eu vou ficar calado! Dessa
vez você passou dos limites!
-Vem cá, você tá tomando as dores de quem? Do
professorzinho que não sabe se defender?
-Dele, de Rayane, que perdeu o filho por sua
culpa...
-Cala sua boca!
-Não me calo! Vem calar se
você for homem! Mas eu vou continuar falando porque isso você não vai ser
nunca! Agora pra mostrar que é macho tem que se esconder atrás de uma arma?
-Felipe, o que ele tá dizendo?- Zilda se
aproxima do jovem.
-A senhora é o quê desse marginal, desse
bandido?
-Não fala assim do meu sobrinho! Quem você
pensa que é?
-Alguém que já tá cansado das atrocidades do
seu querido sobrinho! Será que ela sabe tudo que você fez?
-Se você não se calar, eu acabo com a tua
raça!
-Ele engravidou a namorada dele, e ia sugerir
que ela abortasse! Agora, ela tá internada num hospital, porque sofreu um
aborto espontâneo!
-Felipe...
-E pra completar, ele apareceu com um
revólver ontem na sala, e apontou pro professor. Porque como se não bastasse
ele ter agredido Lavínia, agora ele ameaçou Fred de morte!
-Como foi que você conseguiu essa arma,
Felipe?
-Tia, ele tá mentindo!
-Agora, eu tô entendendo! Você mexeu nas
coisas da sua mãe e pegou a arma de lá! Mas por quê?
-Pra tirar o Fred daqui. Pra ele desistir da
regência. E ainda ameaçou matar todo mundo se alguém contasse que a arma tava
descarregada.
-Você não fez isso, Felipe... –Zilda leva a
mão ao peito- Você não foi capaz de fazer... Ai...
-Tia, o que a senhora tem?
-Não chega perto de mim! Eu não tô me
sentindo bem...
-Zilda, o que você tem?- Lavínia corre para
prestar assistência, e é surpreendida quando a doméstica desmaia em seus
braços.
-Tia! Tia,o que é você tem?
-Felipe, eu acho que ela tá morrendo!
-Não, é mentira! Tia, acorda! O que é que você
tem, Tia? Tia! Alguém chama um médico! Socorro!
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