-Gabriel, como é que seu pai está?- indaga Otávio.
-O IML já foi chamado... Não tive nem tempo pra... - Henrique é silenciado com um abraço de Ariela.
-Pode deixar. Deixa que eu entro e tomo conta da situação. Fica aqui com sua noiva. Eu sinto muito...
-Obrigado, Otávio. Ainda bem que você chegou, porque não sei como é que eu ia resolver tudo.
-Não se preocupe. Eu só peço que fique aqui, pra saber de alguma informação nova.
-Tudo bem, eu espero- Otávio tenta entrar no presídio, e ele explica a situação por telefone ao diretor do presídio, afastado dos repórteres de outros veículos- Eu não consegui fazer nada por ele, Ariela. Quando eu entrei, só encontrei o corpo.
-Eu sei como essa situação é difícil pra você, Rique. Já passei por isso.
-Eu só queria que alguém me dissesse que isso é um pesadelo. Que não aconteceu justamente hoje, que isso nunca aconteceu... Desculpa te deixar esperando na igreja, me perdoa!
-O que é isso, Rique? Você fez o que eu teria feito também. Não precisa se justificar, o seu pai era o mais importante, sim. Mas não vamos falar disso agora. Agora, a gente tem que esperar o Otávio cuidar dessa questão da liberação do corpo...
-Se não fosse você aqui do meu lado... Cada vez eu amo mais você.
-Só sei retribuir esse amor. Porque sei que você nunca vai me machucar. E eu vou ficar com você. Pra sempre- mais uma vê, os dois se abraçam e Henrique se deixa ser amparado pela noiva, numa cena que chama a atenção de alguns jornalistas que ali estavam, à espera de informações sobre a rebelião e o estado de saúde do empresário.
Fred está do lado de fora da sala de Amparo, ouvindo uma discussão entre Lavínia e Felipe. Logicamente, todos os alunos do 3º A, sem aula, estão lá para escutar todos os detalhes.
-Chega!- Amparo grita em meio à balbúrdia instalada- Vamos conversar, e com calma! Felipe, quer me explicar o que houve?
-Felipe? Ele vai contar do jeito dele, é um hipócrita!
-Tá vendo? Nem me deixa falar, Amparo!
-Eu disse Felipe, Lavínia!
-Precisa explicar? Ela deu um tapa na minha cara! Se fosse eu, a senhora já tinha mandado chamar o pessoal da minha casa pra tirar satisfação, me colocado pra fora do colégio, chamado a polícia!
-Modere seu tom, Felipe!
-Agora pergunta a ele por que eu bati nele. Pergunta, Amparo.
-Deixa que eu digo: porque ela me pegou beijando Rayane do lado de fora da sala. Me diga mesmo se isso é motivo!
-Claro que não! O motivo é você me desrespeitar na frente de todo mundo!
-Eu não gosto da sua aula, não queria assistir! Pronto! Vai me obrigar a ver o que eu não quero?
-Você estuda aqui, tem que comparecer, sim.
-Parece que você não entendeu, né, Lavínia? Ninguém manda em mim!
-Logo se vê! Se mandasse, não ia ser tão cínico! Tão cara de pau!
-Já chega, Lavínia!- Amparo novamente impõe o silêncio na sala- Felipe, volta pra sua sala.
-Mas tá sem aula, esqueceu?
-Eu mandei você pra sala, Felipe- o jovem abre a porta e tenta pegar o corredor à esquerda, o que é visto por Amparo- Pra sala, eu falei!- ao bradar, a diretora consegue fazê-lo obedecer, diante dos olhares assustados dos alunos e de Fred. Ela levanta e fecha a porta. O telefone toca- Alô? Sim, é ela mesma. Como é? É que eu estou numa reunião, não estou sabendo de nada disso. Certo... – olha para Lavínia completamente irritada- Eu vou averiguar aqui, o computador está ligado. Obrigada, até logo.
-O que houve?
-Você vai descobrir já, já- Amparo faz o login em uma rede social e encontra diversos comentários em uma publicação na qual foi marcada- Olha aí. Compartilhado diretamente do Instagram- vira o monitor para a professora. Dá play, Lavínia.
A professora atende ao pedido e começa a ver o vídeo de quinze segundos. As imagens divulgadas apenas mostram a briga entre ela e Felipe a partir do momento em que ela o agride com a bofetada.
-Quem colocou isso na internet?
-Um dos alunos. Mas pode ter sido o mundo, não é? Deu pra ver que mais da metade da sala estava com celular na mão, filmando toda essa cachorrada em que você se meteu!
-Eu me meti? Você está de que lado, Amparo? Do meu ou de Felipe?
-Do lado da justiça!
-Ótimo. Então, eu continuo sem entender por que você dispensou ele e faz esse inquérito só comigo!
-Lavínia, você já se cansou de saber que aluno, por pior que seja, sempre tem razão.
-Discordo!
-O que adianta discordar? Você meteu os pés pelas mãos, agrediu um aluno em plena sala de aula!
-Queria que eu fizesse o quê, Amparo? Ficasse calada? Pra ele se sentir na liberdade de me agredir de novo? Sim, porque se ele bate na minha bunda sem que eu peça, já é agressão! Quer você queira, quer não!
-A questão, Lavínia, é que ele é mero aluno, como tantos outros aqui! A gente pode punir Felipe com uma suspensão, uma advertência, até mesmo expulsando ele daqui da escola. O lado mais fraco da corda é você. Você é quem tem de dar o exemplo.
-Mas não calada! Não quieta! Ele não me desrespeitou apenas fisicamente, me expôs ao ridículo também, Amparo! E por muito menos que isso, quantos colegas pediram transferência, ficaram com medo, apresentaram quadro de depressão? Quantos?
-Lavínia, eu entendo perfeitamente o que você passa no momento, com seu marido...
-Ah, Amparo, me poupe! Minha relação com Caíque nada interfere no meu trabalho. Se eu desabafo, é com você, por ser minha amiga! Nunca dei o direito de aluno nenhum se meter na minha vida.
-Só que agora, você se complicou por causa de um. Olha aqui... Sabia que a redação de um jornal acabou de mandar uma mensagem pelo WhatsApp, querendo que eu explique o que houve? Está bem claro o seu descontrole. Infelizmente, eu me vejo obrigada a tomar uma decisão.
-O que quer fazer?
-Vou ter que te afastar da escola por um tempo. Pelo menos até a poeira abaixar.
-E quanto ao Felipe? Vai sofrer punição também?
-Não sei, não sei o que faço com ele.
-Não interessa! Faça! Ele não era assim. Também não era bom aluno, mas agora passa dos limites o tempo todo. E por que você não disse nada a ele quando ele esteve aqui? Ao menos pra dizer que ele seria punido?
-Porque ele não é professor! Porque mesmo sendo um cínico, um cara de pau como você diz, um dos piores alunos da turma, ele sabe que vai passar no fim do ano! Acorda, Lavínia! Felipe não é só mais um dado em meio a tantas estatísticas! Ele é a estatística! Tem que fazer parte da lista dos alunos aprovados! Tem que nos ajudar a melhorar no meio dessa infinidade de escola pública! Tem que aumentar os índices de aprovação! Sabe o intercâmbio, onde só os melhores alunos são selecionados? Felipe não vai ser chamado nunca, nem em sonho! Mas, querendo ou não, ele é aluno de uma escola de referência, e vai ter de se comportar como tal. Aliás, pra mim ele não é aluno; pra mim, não passa de mero produto de gestão. Assim como os outros professores e você: produtos de gestão- fala pausadamente, para depois dar uma pausa e retomar mais calmamente- Assim que eu perceber que as coisas se acalmaram mais, eu prometo que devolvo as tuas turmas. Mas vamos evitar um novo escândalo... Até abafar o de hoje.
O apartamento está num incenso medonho! Pensou que entramos num núcleo zen, como o do clipe da Anitta? Errado: era o apartamento da Lavínia, que em nada combina com o comportamento atual da dona. Zilda, a empregada doméstica, colocou temperos demais para provar às domésticas concorrentes o porquê de não ser demitida até hoje.
Mas a surpresa é o espanto da empregada ao ver a patroa entrar no apartamento.
-A essa hora em casa? O que foi? Greve de novo?
-Mesmo com a situação precária, eu nunca faço greve. Fico pensando em como atrapalha meu calendário todo...
-Por que chegou tão cedo, Dona Lavínia?
-Problemas com alunos.
-Hum, já sei: se estressou e veio pra casa.
-Não, fui posta pra fora! Perdi a cabeça, Zilda. Um rapaz resolveu ser ogro comigo e eu respondi a provocação. Sobrou pra mim. Pra piorar, filmaram a briga que a gente teve.
-Briga? Mas foi da boca pra fora ou cacete mesmo?
-Só não foi pior porque os alunos separaram a gente. Mas era coisa de se atracar mesmo. Amparo achou melhor que eu desse um tempo, pra evitar uma repercussão maior do caso.
-Minha gente... E agora?
-E agora que eu vou ficar sem trabalhar.
-E o bonito do aluno? Ninguém fez nada com ele?
-Não deu tempo. Mas se Amparo tivesse tempo, colocava uma medalha de honra ao mérito no pescoço dele. Não te digo que aluno sempre tem razão?
-Numa escola paga, pode até ser. Mas pública? Se eu fosse a senhora, Dona Lavínia, botava os dois, a diretora e o aluno, na justiça. Tá errado.
-Tá errado, mas é o que vale por enquanto. Enquanto a escola fingir ser esse mar de rosas, ele vai ser mais forte do que eu. Pra você ter uma ideia, só o Xande me defendeu na hora. Lembra que eu falei dele uma vez?
-Falou, sim. O melhor aluno da sala. A senhora até disse que ele tentou o intercâmbio, não foi?
-O resultado da seleção, a gente só vai saber daqui a alguns dias... Zilda, que cheiro é esse?
-O almoço.
-Por que você fez, se eu nem avisei que ia chegar mais cedo?
-Eu que pedi- Caíque chega ao apartamento- Zilda, será que você pode me deixar a sós com Lavínia?
-Sim, senhor. Com licença.
-Você em casa tão cedo? Deve ser feriado... – ironiza- O que foi, que você nunca almoça em casa?
-Meu problema é você, meu amor.
-Como assim? Não entendi.
-Não entendeu? Como é que você explica isso?- exibe o vídeo polêmico pelo celular.
-Ah, você já sabe...
-Daqui a dez minutos, vai virar a manchete principal do jornal do meio-dia.
-Você não veio pra casa somente por isso, veio?
-Lavínia, você tem ideia do que isso significa? Meu nome vai ficar mais exposto do que já está!
-Bom, não é minha culpa de você me aparecer ao lado do prefeito, propondo a extinção do Cais Tomé Israelita, pra construir a filial de uma fábrica de roupas íntimas. Lógico que o povo não ia gostar dessa novidade sem pé nem cabeça.
-Os cracudos, você quer dizer? Porque em todas as visitas que fiz antes de desenhar a estrutura da fábrica, eu só vi drogado ali. E não é tão sem pé nem cabeça quando o seu bolso fica cheio de moedas. Agora, quer que me digam o quê? Que o engenheiro destruidor do meio ambiente é casado com a Ronda Roussey do ensino público brasileiro? Faça-me o favor!
-Você não sabe pelo que eu passei hoje. Um aluno tomou uma liberdade que eu nunca permiti.
-Passe por cima. Ignore os detratores. Não é pior que eu. Já criaram uma página pra mim: "Caíque da Depressão". E os internautas querem que eu me converta ao "Deboísmo", porque com a confusão que você arrumou, somado a minha reputação lá embaixo, só me mandam ficar de boa, de boas... Sei lá.
-Quem sabe isso não é um sinal pra você perceber que o mundo não gira ao seu redor, não é, meu bem?
-Você está fazendo isso errado, minha querida. Muito errado.
-Pois bem, Caíque... Talvez a solução seja cada um ir pro seu lado.
-Ficou louca? Não posso me separar de você, ainda mais agora que...
-Que precisa de uma mulher pra te acompanhar nos eventos sociais, não é? Porque é só pra isso que eu sirvo, segundo a sua concepção de vida.
-Lavínia, você sabe da minha dedicação ao trabalho. Não estou entendendo esse seu recente desconforto com a questão.
-Vem de muito antes. Muito antes de você apontar o dedo na minha cara e me questionar sobre um escândalo. Mesmo porque você não tem uma mancha sequer em seu currículo de engenheiro nato e marido exemplar.
-Aonde você quer chegar com esse festival de ironias?
-Ao ponto: quem é a mulher com a qual você dorme, Caíque?
Permita-se um pequeno salto de horas antes de entender como Caíque se safará da esposa ciumenta. Já é final da tarde, e todos estão indo embora do cemitério, onde foi enterrado o corpo do pai de Henrique. Um dos últimos a sair, Bento abraça o noivo da irmã.
-Precisando de qualquer coisa, liga pra mim, cara.
-Valeu, brother. Obrigado pela força.
-Você vem com a gente, Ariela?
-Não, não. Vou ficar com ele.
-Tudo bem. Eu aviso a Painho- Bento se junta aos poucos que vieram prestar as condolências ao ex-empresário.
-Eu vou te levar ao apartamento.
-Não. Eu prefiro que você descanse.
-Rique, eu não vou te deixar sozinho.
-Mas eu preciso desse tempo pra mim, entende?
-Eu não sei... Tem alguma coisa estranha com você.
-Perdi meu pai, Ariela, o que você queria?
-Não estou falando da morte do Norberto. Aconteceu mais alguma coisa.
-Do que você está falando?
-Você não está só triste. Está distante também.
-É que eu não queria que tivesse acontecido tudo desse jeito, e justamente hoje.
-Rique, eu te conheço. Fala. O que houve?
-Eu acho que a gente não devia pensar em casamento agora.
-É isso? Meu amor, não precisa se preocupar com o que houve. A gente marca outra data e...
-Não. Não foi isso que eu quis dizer.
-E então?
-Ariela, eu acho melhor a gente dar um tempo.
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