-Como está dando aula no lugar de uma professora? Ela não
está com você?
-Não. A professora que eu peguei pro estágio foi Lavínia
Machado.
-Esse nome não me é estranho...
-Lavínia é a professora que foi afastada no começo do
mês, depois de ter dado no aluno.
-Continuo sem entender. Se ela foi afastada, como você
conseguiu ficar em sala com os alunos?
-Voltei dois dias depois pra tentar falar com Amparo, a
diretora da escola. Pedi que ela me arranjasse outro professor que me aceitasse
como estagiário. Nenhum quis. Mas ela viu em mim a oportunidade de abafar o
escândalo. Pediu que eu desse aula no lugar de Lavínia até que ela voltasse, ou
até quando ela arrumasse alguém que ficasse de vez.
-Pelo visto, o tiro saiu pela culatra, senão você não
estaria me contando tudo agora.
-Saiu bem antes. Nesse dia, o Gabriel tava lá e ouviu a
conversa.
-Quem é esse?
-O jornalista do Diário do Recife, que veio atrás de
informações sobre o afastamento de Lavínia. Como eu tava preocupado com o
relatório, ele se ofereceu pra me ajudar a redigir o relatório.
-Quer dizer que você não escreveu o relatório? Foi ele?
-Não, ele me ajudou, mas eu fui escrevendo enquanto
podia. Ter que dar aula, elaborar plano de aula, observar comportamento dos
alunos... Foi desgastante, mas ele me ajudava.
Gabriel leva Vivi para o hospital e exige que, antes que
ela entre na enfermaria onde está Rayane, conte o que sabe.
-Ah, não. Você ficou calada todo o caminho,
agora vai ter que falar.
-Tudo bem. Mas promete que não vai fazer
escândalo?
-Do que você tem medo, Vivi? Que eu bata de
frente com Felipe?
-Você não tem ideia do que ele fez pra Fred.
-Pode começar a falar.
-Me promete que não vai fazer nada?
-Qual é a tua, Vivi? Se ele fez algo sério,
vai ter que ser punido, sim. E senão for pela Amparo, vai ser por mim mesmo.
Não é a casa dele, pra fazer o que bem entender...
-Felipe apontou uma arma pro professor!
-O quê?
-Pra ele e pra todo mundo da sala. Fred ia
saindo da sala e ele disse que se o professor saísse, ele ia atirar. Depois,
deixou ele sair.
-E Amparo? Disse o quê desse absurdo?
-Parece que ela não tava na escola. Mas
Felipe mostrou pra todo mundo que a arma tava descarregada, e proibiu a gente
de contar o que houve.
-O Xande também? Por que ele não me disse
nada? Ficou com medo daquele imbecil?
-Fred tinha pedido pra Xande pegar o apagador na sala de Amparo.
Quando ele voltou pra sala, e entrou com você, Fred já tinha fugido de Felipe.
-Desgraçado! Esse cara tem que parar! Podia ter causado uma
tragédia! Ter matado Fred, ou então ter matado vocês!
-Não acho que ele ia fazer isso mesmo...
-Claro que ia! Ou acha que ele veio com uma arma pra dentro da
sala se não tivesse intenção, só pra assustar Fred? Mas isso não vai ficar
assim! Eu vou exigir de Amparo que ela...
-Exigir o quê dela? Tá doido? Ela e nada é a mesma coisa! Se ela
não teve consideração com Lavínia, que trabalha lá há mais de anos, vai ter com
um novato? Acorda, Gabriel! Ela não vai fazer nada!
-Ela vai ter que punir Felipe. Desse jeito, com ele pondo em risco
a vida de todo mundo, é que não vai ficar. Nem que eu tenha que denunciar no
jornal!
-E você por acaso conhece alguém que trabalha em jornal?
-É... Da faculdade. É, a gente paga cadeiras eletivas de outros
cursos lá.
-Sei...
-Mesmo assim, eu vou insistir. Alguma coisa ela vai ter que fazer.
Fred precisa desse estágio.
-Estágio?
-Emprego, eu confundi.
-Tá. Agora, me deixa ir ver
Rayane. Obrigado pela carona.
-Obrigado sou eu que te dou, por ter me contado a verdade.
-Agora, toma cuidado. Enfrentar Felipe é perigoso.
-Se ele soubesse quem eu sou, não se atreveria a tanto.
-Quanto mistério... Só não se esqueça: Felipe pode ser tão
imprevisível quanto você.
-Agora eu entendo. Realmente, vai ser bem difícil
de voltar pra escola depois de tudo o que aconteceu.
-Eu não vou voltar. Não depois do que
aconteceu, eu não tenho condições de voltar. Mas eu vim aqui pra contar a
verdade.
-De fato, nessa correria toda de fim de ano,
eu imaginei que arranjar uma escola pra estagiar seria muito difícil. O
calendário da universidade é bem apertado mesmo... Mas isso não justifica que
você mentiu. Você mentiu pros seus alunos, assumindo uma postura de professor
que não lhe cabia. E mentiu pra mim também! Porque fez todo mundo acreditar que
você tinha conseguido uma turma, que estava fazendo tudo dentro da ementa...
-Tá bom, Júlia. A gente estuda num turno, no
outro a gente tem que se responsabilizar por um estágio, e quando chega em casa
ainda tem que estudar. Você acha que muitos de nós não tão por aí, inventando
um relatório, fingindo que foram procurar uma escola, mentindo pra você?
-O certo é o certo, mesmo que não tenha
ninguém do seu lado agindo assim. Mas tudo bem, Fred. Eu entendo que sua intenção
foi de fazer o trabalho, da melhor forma possível. Só que aí eu vou ter de
pensar o que faço com você. Se eu te passar alguma atividade diferente, vou ter
de rever também os casos de quem não arrumou nenhuma escola ainda. Vou te pedir
um tempo pra pensar. Será que você pode me esperar?
-A minha vida se resume a isso, Júlia.
No hospital, Rayane está prestes a arrumar
suas coisas para receber alta, mas é surpreendida pela presença de Vivi.
-O que você quer aqui?
-Desde aquele dia, eu não consegui falar mais
com você. Seu irmão não me deixava entrar.
-Daqui a pouco ele tá aí, pra me buscar. E
você não entrou porque eu não deixei.
-Ray, eu acho que tá...
-Não me chama de Ray. Eu não te dou mais essa
intimidade pra você me chamar assim. Não sou mais sua amiga.
-Tudo bem. Eu só queria te dizer duas coisas.
-Se for rápido...
-A primeira é que eu sinto muito, de verdade,
pelo que aconteceu com o seu bebê.
-Passa pra próxima mentira.
-Eu já disse que tô sendo sincera. Mas agora
eu acho que chegou a hora de colocar as cartas na mesa. Você merece saber a
verdade.
-Nada do que vem de você me interessa mais.
-Mas do que você tem tanta raiva? O que foi
que você viu? O Felipe dizendo que ia te induzir ao aborto? E eu, Rayane? E as
vezes que eu tive que guardar pra mim, ficar calada sobre o que eu sentia por
ele? O que foi que eu disse de tão grave que você não quer nem olhar pra minha
cara?
-O seu jeito de olhar pra ele. Felipe jogou
na sua cara que você gostava dele. E se ele tivesse falado isso mil vezes, você
tinha negado em todas elas. Só que eu sou sua amiga, eu te conheço desde que a
gente era criança. Foi naquele dia que eu entendi que você gosta dele de
verdade. E que se foi capaz de esconder isso de mim esse tempo todo, era capaz
também de mentir, de me passar a perna!
-O que você quer? Que eu saia gritando que a
minha melhor amiga conseguiu namorar com o cara que eu gosto? Que ela conseguiu
o que eu não consegui?
-Nada. De você, eu não quero mais nada. O que
eu sei, Victória, é que de todo mundo que se envolveu nessa estória, eu tô com
mais nojo de mim do que dele. Mas eu não sou falsiane, não, de dizer que não
gosto mais dele. Se você acha que tem chance, fica com ele.
-Como se fosse tão simples, ainda mais depois
do que ele fez... Não é de mim que ele gosta. É de você.
-Uma hora ele vai ter que esquecer que eu
existo. E você, Victória, ia me fazer um grande favor se fizesse a mesma coisa.
-Eu tentei ser sincera, mas não adiantou,
pelo visto. Sinto muito que tantos anos de amizade sejam jogados fora por causa
de um cara como ele.
-Aí é que tá. Mesmo que ele fosse o melhor
rapaz do mundo, se ele coloca nossa amizade em risco, é porque nunca foi
amizade mesmo. Você... Pode me dar licença? Tá na hora de arrumar as minhas
coisas.
-Certo. Faça o que você quiser.
-Já tô fazendo. Começando por ficar longe de tudo
aquilo que não me faz feliz.
Após a declaração, Vivi não vê sentido em
ficar ali e sai do hospital. Segurando o choro, Rayane volta a arrumar a mochila
que Xande trouxe com suas coisas.
À noite, Amparo está na diretoria da escola e
faz um telefonema.
-Lavínia?
-Oi, Amparo. Como é que você tá?
-Tudo bem comigo. E com você?
-Às mil maravilhas.
-Não vai me dizer que...
-Caíque e eu voltamos a nos entender. Estamos
praticamente numa segunda lua de mel.
-Que maravilha, querida! Eu te liguei porque
queria te fazer um convite.
-Convite?
-Amanhã é a festa do dia dos professores.
Você está mais do que convocada.
-Ah, não sei, Lavínia. Será que é uma boa
ideia? Com certeza, Felipe vai estar lá.
-Não se preocupe. Felipe está bem controlado
ultimamente. E o tal de Fred tem conseguido fazer proezas com aquele menino,
porque até eu pensava que ele era um caso perdido...
A ligação é interrompida com a entrada brusca
de Gabriel na diretoria. O jornalista desliga o telefone.
-Amparo? Amparo, você ainda está aí? Amparo!
-O que foi que deu em você? Como é que você
se atreve a entrar na minha sala desse jeito, sem autoriza...
-Eu vou falar bem claramente, pra ver se a senhora
para de se fazer de cega de uma vez por todas: o Felipe tem que ser expulso da
escola! De uma vez por todas!
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