28/10/2015

INTEGRIDADE/ CAPÍTULO 14

-Como está dando aula no lugar de uma professora? Ela não está com você?
-Não. A professora que eu peguei pro estágio foi Lavínia Machado.
-Esse nome não me é estranho...
-Lavínia é a professora que foi afastada no começo do mês, depois de ter dado no aluno.
-Continuo sem entender. Se ela foi afastada, como você conseguiu ficar em sala com os alunos?
-Voltei dois dias depois pra tentar falar com Amparo, a diretora da escola. Pedi que ela me arranjasse outro professor que me aceitasse como estagiário. Nenhum quis. Mas ela viu em mim a oportunidade de abafar o escândalo. Pediu que eu desse aula no lugar de Lavínia até que ela voltasse, ou até quando ela arrumasse alguém que ficasse de vez.
-Pelo visto, o tiro saiu pela culatra, senão você não estaria me contando tudo agora.
-Saiu bem antes. Nesse dia, o Gabriel tava lá e ouviu a conversa.
-Quem é esse?
-O jornalista do Diário do Recife, que veio atrás de informações sobre o afastamento de Lavínia. Como eu tava preocupado com o relatório, ele se ofereceu pra me ajudar a redigir o relatório.
-Quer dizer que você não escreveu o relatório? Foi ele?
-Não, ele me ajudou, mas eu fui escrevendo enquanto podia. Ter que dar aula, elaborar plano de aula, observar comportamento dos alunos... Foi desgastante, mas ele me ajudava.


Gabriel leva Vivi para o hospital e exige que, antes que ela entre na enfermaria onde está Rayane, conte o que sabe.
-Ah, não. Você ficou calada todo o caminho, agora vai ter que falar.
-Tudo bem. Mas promete que não vai fazer escândalo?
-Do que você tem medo, Vivi? Que eu bata de frente com Felipe?
-Você não tem ideia do que ele fez pra Fred.
-Pode começar a falar.
-Me promete que não vai fazer nada?
-Qual é a tua, Vivi? Se ele fez algo sério, vai ter que ser punido, sim. E senão for pela Amparo, vai ser por mim mesmo. Não é a casa dele, pra fazer o que bem entender...
-Felipe apontou uma arma pro professor!
-O quê?                                                        
-Pra ele e pra todo mundo da sala. Fred ia saindo da sala e ele disse que se o professor saísse, ele ia atirar. Depois, deixou ele sair.
-E Amparo? Disse o quê desse absurdo?
-Parece que ela não tava na escola. Mas Felipe mostrou pra todo mundo que a arma tava descarregada, e proibiu a gente de contar o que houve.
-O Xande também? Por que ele não me disse nada? Ficou com medo daquele imbecil?
-Fred tinha pedido pra Xande pegar o apagador na sala de Amparo. Quando ele voltou pra sala, e entrou com você, Fred já tinha fugido de Felipe.
-Desgraçado! Esse cara tem que parar! Podia ter causado uma tragédia! Ter matado Fred, ou então ter matado vocês!
-Não acho que ele ia fazer isso mesmo...
-Claro que ia! Ou acha que ele veio com uma arma pra dentro da sala se não tivesse intenção, só pra assustar Fred? Mas isso não vai ficar assim! Eu vou exigir de Amparo que ela...
-Exigir o quê dela? Tá doido? Ela e nada é a mesma coisa! Se ela não teve consideração com Lavínia, que trabalha lá há mais de anos, vai ter com um novato? Acorda, Gabriel! Ela não vai fazer nada!
-Ela vai ter que punir Felipe. Desse jeito, com ele pondo em risco a vida de todo mundo, é que não vai ficar. Nem que eu tenha que denunciar no jornal!
-E você por acaso conhece alguém que trabalha em jornal?
-É... Da faculdade. É, a gente paga cadeiras eletivas de outros cursos lá.
-Sei...
-Mesmo assim, eu vou insistir. Alguma coisa ela vai ter que fazer. Fred precisa desse estágio.
-Estágio?
-Emprego, eu confundi.
-Tá.  Agora, me deixa ir ver Rayane. Obrigado pela carona.
-Obrigado sou eu que te dou, por ter me contado a verdade.
-Agora, toma cuidado. Enfrentar Felipe é perigoso.
-Se ele soubesse quem eu sou, não se atreveria a tanto.
-Quanto mistério... Só não se esqueça: Felipe pode ser tão imprevisível quanto você.


-Agora eu entendo. Realmente, vai ser bem difícil de voltar pra escola depois de tudo o que aconteceu.
-Eu não vou voltar. Não depois do que aconteceu, eu não tenho condições de voltar. Mas eu vim aqui pra contar a verdade.
-De fato, nessa correria toda de fim de ano, eu imaginei que arranjar uma escola pra estagiar seria muito difícil. O calendário da universidade é bem apertado mesmo... Mas isso não justifica que você mentiu. Você mentiu pros seus alunos, assumindo uma postura de professor que não lhe cabia. E mentiu pra mim também! Porque fez todo mundo acreditar que você tinha conseguido uma turma, que estava fazendo tudo dentro da ementa...
-Tá bom, Júlia. A gente estuda num turno, no outro a gente tem que se responsabilizar por um estágio, e quando chega em casa ainda tem que estudar. Você acha que muitos de nós não tão por aí, inventando um relatório, fingindo que foram procurar uma escola, mentindo pra você?
-O certo é o certo, mesmo que não tenha ninguém do seu lado agindo assim. Mas tudo bem, Fred. Eu entendo que sua intenção foi de fazer o trabalho, da melhor forma possível. Só que aí eu vou ter de pensar o que faço com você. Se eu te passar alguma atividade diferente, vou ter de rever também os casos de quem não arrumou nenhuma escola ainda. Vou te pedir um tempo pra pensar. Será que você pode me esperar?
-A minha vida se resume a isso, Júlia.


No hospital, Rayane está prestes a arrumar suas coisas para receber alta, mas é surpreendida pela presença de Vivi.
-O que você quer aqui?
-Desde aquele dia, eu não consegui falar mais com você. Seu irmão não me deixava entrar.
-Daqui a pouco ele tá aí, pra me buscar. E você não entrou porque eu não deixei.
-Ray, eu acho que tá...
-Não me chama de Ray. Eu não te dou mais essa intimidade pra você me chamar assim. Não sou mais sua amiga.
-Tudo bem. Eu só queria te dizer duas coisas.
-Se for rápido...
-A primeira é que eu sinto muito, de verdade, pelo que aconteceu com o seu bebê.
-Passa pra próxima mentira.
-Eu já disse que tô sendo sincera. Mas agora eu acho que chegou a hora de colocar as cartas na mesa. Você merece saber a verdade.
-Nada do que vem de você me interessa mais.
-Mas do que você tem tanta raiva? O que foi que você viu? O Felipe dizendo que ia te induzir ao aborto? E eu, Rayane? E as vezes que eu tive que guardar pra mim, ficar calada sobre o que eu sentia por ele? O que foi que eu disse de tão grave que você não quer nem olhar pra minha cara?
-O seu jeito de olhar pra ele. Felipe jogou na sua cara que você gostava dele. E se ele tivesse falado isso mil vezes, você tinha negado em todas elas. Só que eu sou sua amiga, eu te conheço desde que a gente era criança. Foi naquele dia que eu entendi que você gosta dele de verdade. E que se foi capaz de esconder isso de mim esse tempo todo, era capaz também de mentir, de me passar a perna!
-O que você quer? Que eu saia gritando que a minha melhor amiga conseguiu namorar com o cara que eu gosto? Que ela conseguiu o que eu não consegui?
-Nada. De você, eu não quero mais nada. O que eu sei, Victória, é que de todo mundo que se envolveu nessa estória, eu tô com mais nojo de mim do que dele. Mas eu não sou falsiane, não, de dizer que não gosto mais dele. Se você acha que tem chance, fica com ele.
-Como se fosse tão simples, ainda mais depois do que ele fez... Não é de mim que ele gosta. É de você.
-Uma hora ele vai ter que esquecer que eu existo. E você, Victória, ia me fazer um grande favor se fizesse a mesma coisa.
-Eu tentei ser sincera, mas não adiantou, pelo visto. Sinto muito que tantos anos de amizade sejam jogados fora por causa de um cara como ele.
-Aí é que tá. Mesmo que ele fosse o melhor rapaz do mundo, se ele coloca nossa amizade em risco, é porque nunca foi amizade mesmo. Você... Pode me dar licença? Tá na hora de arrumar as minhas coisas.
-Certo. Faça o que você quiser.
-Já tô fazendo. Começando por ficar longe de tudo aquilo que não me faz feliz.
Após a declaração, Vivi não vê sentido em ficar ali e sai do hospital. Segurando o choro, Rayane volta a arrumar a mochila que Xande trouxe com suas coisas.


À noite, Amparo está na diretoria da escola e faz um telefonema.
-Lavínia?
-Oi, Amparo. Como é que você tá?
-Tudo bem comigo. E com você?
-Às mil maravilhas.
-Não vai me dizer que...
-Caíque e eu voltamos a nos entender. Estamos praticamente numa segunda lua de mel.
-Que maravilha, querida! Eu te liguei porque queria te fazer um convite.
-Convite?
-Amanhã é a festa do dia dos professores. Você está mais do que convocada.
-Ah, não sei, Lavínia. Será que é uma boa ideia? Com certeza, Felipe vai estar lá.
-Não se preocupe. Felipe está bem controlado ultimamente. E o tal de Fred tem conseguido fazer proezas com aquele menino, porque até eu pensava que ele era um caso perdido...
A ligação é interrompida com a entrada brusca de Gabriel na diretoria. O jornalista desliga o telefone.
-Amparo? Amparo, você ainda está aí? Amparo!
-O que foi que deu em você? Como é que você se atreve a entrar na minha sala desse jeito, sem autoriza...
-Eu vou falar bem claramente, pra ver se a senhora para de se fazer de cega de uma vez por todas: o Felipe tem que ser expulso da escola! De uma vez por todas!

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