06/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 2: A PROFESSORA DO TELETRANSPORTE


BENEDETTO (NARRADOR): Depois de muitas propagandas que me fizeram a seu respeito, eu me rendi ao MSN. E quem estava lá para conversar era ninguém menos do que Júnior, com quem falava com mais frequência no falecido Orkut do que pessoalmente, mas tudo bem. Ele era colega de turma e também era monitor daquela que viria a ser uma das nossas professoras no segundo período. Fui alertado por todos os habitantes de bem deste planeta que seria uma fase difícil de minha vida acadêmica. Ela começou exatamente no dia 28 de fevereiro de 2011, uma segunda... Dia amargo para quem ama passar um final de semana inteiro em hibernação. Mas Angélica não apareceu. Deveria estrear depois de uma disciplina naturalmente tensa- pelo menos para mim, que nesta reprovei. Mas ela estava nos Estados Unidos por conta de compromissos profissionais. E nós, graduandos, unidos para não morrermos no decorrer daquele semestre. Passaram-se dois dias e novamente era seu o segundo horário. A professora do horário anterior, simpática, nos avisou que seria impossível termos a temida segunda aula porque Angélica fazia parte de uma banca de doutorado, e a defesa demoraria porque ainda não haviam lhe concedido a palavra. Apenas os seus monitores continuaram na universidade. Já eu e noventa por cento dos estudantes da turma fomos pra casa... Quer dizer, sair cedo era um pretexto maravilhoso para que os outros bebessem no Bar do Cavanhaque, ou no Bar do Bigode, ou no Bar da Barba, ou no Bar do... Onde mais o ser humano tem cabelo? Esqueça. Mas eu tive uma tarde feliz. Entrei num ônibus da linha CDU/ Shopping e pus o meu rosto na janela, sentindo uma brisa leve de uma tarde que tinha apenas o sol e não o mormaço da Veneza Brasileira.
(fundo musical: “Gênese”)
Benedetto aproveita a ventania dentro do coletivo.
BENEDETTO (NARRADOR): Bastou que a noite aparecesse para que eu acessasse o MSN e Júnior puxasse uma conversa.
JÚNIOR: Tudo bem, Benedetto?
BENEDETTO: Tudo bem, Júnior.
JÚNIOR: O que você tá fazendo?
BENEDETTO: Usando o Bluetooth pra colocar umas fotos que tirei hoje no meu computador.
JÚNIOR: Deu um passeio?
BENEDETTO: Sim. Desci no bairro de Areias e fui visitar os amigos que estudam no meu antigo colégio.
JÚNIOR: Espero que tenha se divertido.
BENEDETTO: Muito. É claro que só consegui isso porque a aula de hoje foi cancelada.
JÚNIOR: Benedetto, eu tenho uma revelação muito grave a fazer.
BENEDETTO: Já sei: você não consegue decorar os números do “Criança Esperança”, não é?
JÚNIOR: Angélica deu aula hoje.
(fundo musical: “Iniciação”)
BENEDETTO: Mas como é isso? Ela não tinha cancelado a aula porque foi convocada pra uma banca de doutorado?
JÚNIOR: Sim, mas viu que Regina e eu estávamos na universidade, nos colocou na sala e disse que daria aula porque era capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo.
BENEDETTO: Ah, é? Manda, então, ela entrar no Barro/Macaxeira e diga que ela tem que ficar em pé naquela borracha que liga uma metade do ônibus à outra! Quando ela estiver entre a BR e a rua do Cefet, ela vai saber o que é estar em dois lugares ao mesmo tempo!
JÚNIOR: Calma, Benedetto! Ela não sabia que a turma iria voltar pra casa...
BENEDETTO: E quis dar aula mesmo assim? Sem ninguém, praticamente? Se ela tivesse dado ouvidos à Márcia, eu não teria levado a minha primeira falta.
JÚNIOR: Márcia da nossa sala?
BENEDETTO: Márcia, a sensitiva, porque você não pode desejar aquilo que não pode ter! Para de ser doido!
BENEDETTO (NARRADOR): Se a primeira impressão é a que fica, eu me lasquei todinho! O semblante calmíssimo e a beleza estonteante que ela tinha me fizeram pensar que ela era uma boa pessoa. Até o dia em que ela resolveu perguntar uma coisa complicada demais.
ANGÉLICA: O que é palavra?
(fundo musical: “Amanhã”)
Benedetto aparece com um semblante triste.
BENEDETTO (NARRADOR): Não satisfeita, ela fez uma ameaça.
ANGÉLICA: Quero deixar bem claro, senhores, que eu sou uma mulher muito frequente no trabalho. Portanto, nem pensem em faltar. E se comparecerem, nada de virem às minhas aulas como se estivessem indo pra balada. E eu já vou avisando mais uma coisa: no dia em que eu não aparecer na universidade, não se preocupem: eu vou deixar convosco o meu avatar!
BENEDETTO (NARRADOR): Rimos, mas porque não sabíamos do perigo. Às vésperas da páscoa, eu demorei a chegar à minha sala porque o centro estava alagado. Estranhamente, a primeira cadeira estava vaga. E perto da porta fui o primeiro a tomar o susto quando Angélica enfiou a cabeça na porta.
ANGÉLICA: Com licença, turma.
MARIA MEDEIROS: Oh, Angélica, pode entrar.
ANGÉLICA: Eu só vim aqui para desejar “feliz páscoa” a vocês.
BENEDETTO (NARRADOR): O intuito, sabe qual era? Distribuir pela sala cópias de uma ficha de quinze questões sobre o livro de uma autora chamada Rosa Basílio. Esse era o presente que ganharíamos no feriado. Mas, descontente, ainda trouxe um pacote de chocolate para um de nós, a fim de impedir que ele consumisse gomas de mascar durante a sua aula. Diário, eu teria que ter outro exemplar de você para contar tudo o que me aconteceu, mas eu prefiro encerrar esse capítulo com “a volta do avatar”. Sabia que uma das segundas seguintes seria leve porque ela não estava. Entretanto, ela deixou uma espécie de fardo material.
MARIA MEDEIROS: Meninos, por hoje é só, mas Angélica deixou comigo um vídeo e pediu que eu assistisse com vocês até o fim do horário dela.
BENEDETTO: (pensa) Oba, filme...
(fundo musical: “Santa Maria (Del Buen Ayre)”)
O protagonista fica surpreso quando Angélica aparece no vídeo dando a aula que não pôde apresentar pessoalmente.
ANGÉLICA: Bom dia. Hoje eu estou aqui para falar sobre os tipos de siglas: grafêmicas, silábicas, grafossilábicas e fortuitas. Anote, que você vai precisar de tudo que eu vou te falar... Entendeu?
BENEDETTO (NARRADOR): Como é que a gente responderia a esse avatar? Melhor nem comentar sobre isso.

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