12/04/2023

PARÁBOLAS | CENA 3: O CREDOR INCOMPASSIVO

 

TÉO: Acabou ou vai contar outra? Porque eu tenho mais o que fazer!

JESUS: Tem mesmo. (Jesus apanha um notebook posto no púlpito e entrega a Téo) Hoje é o dia de começar o estágio no tribunal. Melhor você entrar logo, porque o juiz não é muito tolerante.

(Jayme entra no templo carregando a pasta contendo vários papeis, e é seguido pelas mulheres que estão à porta do fórum, falando ao mesmo tempo.)

JAYME: Se não tiver audiência marcada comigo eu não vou atender.

(As mulheres estão do lado esquerdo para quem assiste, perto das primeiras cadeiras. Enquanto elas estão falando, são colocadas doze cadeiras: uma no altar, para Téo; cinco do lado esquerdo, para o corpo de jurados; duas de frente para as janelas, para Henrique e a Defensora; uma no meio, para Jayme; três em frente à porta do corredor, para Bruno, Marcelo e a Promotora.)

SÔNIA: Seu juiz, por favor! Tem uma causa minha na justiça que estou esperando pra resolver “tem” três anos...

JAYME: Procure um advogado, coisa que eu não sou.

(As mulheres continuam fazendo barulho e Renata passa no meio delas pra falar com o juiz.)

RENATA: Dá licença, dá licença... (toca no ombro de Jayme) Seu juiz, eu tenho um negócio urgente pra falar com o senhor.

JAYME: Todo mundo tem uma urgência quando chega aqui, minha filha. A minha é voltar pra casa.

RENATA: Pelo amor de Deus! Eu vim de Ingazeira a pé pra cá só pra falar com o senhor!

JAYME: Parabéns pela sua disposição. Mas eu tenho uma audiência agora e não vou ter tempo pra te atender. (Jayme vira de costas, como se fosse sentar na cadeira ao centro do templo, até que é interrompido por Renata)

RENATA: Foi isso que eu ouvi à semana toda. Pela fé em Cristo, me deixa contar a minha história...

JAYME: Nem em Cristo nem em coisa nenhuma! Se você não tem o que fazer, eu tenho. Agora dá o fora daqui.

RENATA: Tem problema, não. Eu já dormi não sei quantas noites aqui na porta, hoje eu espero de novo. Ninguém pode mais do que Jesus!

JAYME: Pode, não, né? Vai pra igreja e pede ganho de causa, não fica atrapalhando na porta do fórum. Alias, vamos saindo que isso daqui não é feira, não! (Jayme empurra as mulheres do fórum, à exceção de Renata – que senta-se com a cabeça abaixada perto da porta do corredor. Ele vai sentar e encontra Téo em sua própria cadeira) Estagiário novo, é?

TÉO: Sou. (Jesus está ao lado do jovem)

JAYME: Começa a mostrar serviço e manda o pessoal entrar.

(Téo levanta e faz um sinal para que os jurados, as advogadas e as partes do processo entrem, menos Marcelo. Ele volta para o templo e começa a digitar no notebook. Já os demais acomodam-se. Jayme abre a pasta e lê o primeiro ofício.)

JAYME: Tem início a audiência de acusação de Henrique Moraes, réu indiciado pelo crime de constrangimento ilegal contra Bruno Oliveira. A Defensora está com a palavra.

DEFENSORA: Faz dois meses que Bruno pediu emprestado dinheiro a Henrique, dizendo que ia pagar em quinze dias. Passou o prazo e ele não deu satisfação. Agora quis dar uma de vítima e processou meu cliente.

PROMOTORA: Processou porque Bruno perdeu o emprego e Henrique foi na porta dele cobrar, falando alto e chamando a atenção dos vizinhos, pra fazer ele passar vergonha.

JAYME: O dinheiro era pra quê, Bruno?

BRUNO: Pra pagar a água e a luz lá de casa.

HENRIQUE: Diz ele, né?

JAYME: Eu mandei você falar? (Henrique faz um sinal de zíper com a boca e Jayme volta-se para Bruno) Se você não tem emprego, vive de quê atualmente?

BRUNO: Minha esposa trabalha como professora.

JAYME: E ela não pode te ajudar a pagar o empréstimo que você fez a ele?

HENRIQUE: Mas eu não quero receber dela, não. Quem chegou na minha porta com pires na mão foi ele.

BRUNO: Precisava ir à porta da minha casa fazer escarcéu?

HENRIQUE: Ué? Você deixou de comer só porque teu trabalho te botou pra fora?

BRUNO: Só queria que você desse um pouco mais de tempo pra eu te pagar, nem que fosse dividido. Não fique achando que eu gosto de dever pros outros não; ainda mais pra você. Mas tenho fé que o Senhor me tira desse barco.

JAYME: Já vi tudo... Além de crente é caloteiro... De quanto é a dívida que ele fez?

HENRIQUE: O safado está devendo pra mim quatrocentos e noventa reais.

TÉO: (olha para Jesus) Quatrocentos e noventa?

JESUS: É o resultado da multiplicação “setenta vezes sete".

JAYME: Na semana passada eu ouvi as testemunhas de defesa. Mas até agora não apareceu ninguém da parte da acusação. E então? Conseguiram achar alguém pra depor?

PROMOTORA: Encontramos. Pode entrar, Dr. Marcelo.

(Marcelo entra no templo.)

JAYME: E esse, quem é?

HENRIQUE: Esse é... (engole seco) É o meu patrão.

MARCELO: Olha a vergonha que você está me fazendo passar...

JAYME: O senhor conhece Bruno de que lugar?

MARCELO: Eu não conheço, a advogada dele que veio me procurar. Vim pra contar que trabalho com Henrique e pedir que ele perdoe a dívida do rapaz.

HENRIQUE: Mas como é que eu vou me esquecer da dívida que ele fez comigo? Eu estou precisando do dinheiro e ele não me pagou até agora!

MARCELO: Se eu perdoei a sua, que era maior, por que a dele você não perdoa?

DEFENSORA: De Henrique? (vira-se para o réu) Por que você não me contou essa parte da história?

JAYME: Henrique te pediu dinheiro emprestado pra quê?

MARCELO: Falou que era pra pagar o tratamento da filha, que estava doente. Depois que eu emprestei foi que eu descobri... O homem nem filha podia ter, era estéril. E gastou tudo na farra.

JAYME: (vira o rosto para Téo) Que conste nos autos que o réu gastou... (olha para Marcelo) Quanto foi que ele pediu?

(Henrique faz sinal de silêncio para Marcelo, que fala mesmo assim.)

MARCELO: Onze mil.

(Téo olha para Jesus novamente.)

JESUS: Quando você descansa no esconderijo do Altíssimo, sabe que mil caem ao seu lado e dez mil à sua direita, mas você não é atingido.

JAYME: Bom, vamos fazer uma pausa para o parecer dos jurados. Voltaremos daqui a pouco.

(Os cinco jurados anotam, cada um num papel, os seus votos. Eles entregam suas decisões a Téo, que leva todas para Jayme. O juiz lê os papeis e anuncia a sentença.)

JAYME: Todos de pé para a leitura da sentença. Por decisão unânime, declaro o réu Henrique Moraes culpado pelo crime de constrangimento ilegal. No entanto, altero a pena mínima de três meses de reclusão para um acordo com o reclamante Bruno Oliveira, no qual há o perdão da dívida contraída pelo segundo. O caso está encerrado.

(As advogadas cumprimentam-se e apertam a mão de Henrique e Marcelo. Os quatro saem do cenário, enquanto Jayme fica em pé, analisando alguns documentos de sua pasta, afastado dos personagens que ficarão até o final da cena. Jesus e Téo permanecem no degrau, e Bruno faz uma ligação pelo celular.)

BRUNO: Aline? A audiência terminou agora. Marca o culto em ação de graças porque o Senhor teve misericórdia de mim e me deu a vitória!

(Quando tocam as primeiras notas da canção “Misericórdia”, os cinco jurados permanecem na mesma posição para interpretar a música com Bruno.)

BRUNO: A misericórdia hoje me esperava despertar

A misericórdia hoje me olhava dormir

CINCO JURADOS: A misericórdia hoje me esperava despertar

A misericórdia hoje me olhava dormir

BRUNO: E o seu olhar era tão leve

E o seu olhar era tão puro e forte

Decidido a me perdoar e me dar mais uma chance

De no centro da vontade de Deus eu ficar

CINCO JURADOS: E ela esqueceu tudo que eu fiz ontem

E ela me vê com os olhos de Deus

Não desiste de mim, mesmo me vendo assim

Não vê o que a vida me fez, ela sabe os planos de Deus pra mim

(Bruno e os cinco jurados esperam o teclado tocar e repetem a segunda estrofe, mas invertendo a ordem de interpretação dos versos.)

CINCO JURADOS: E o seu olhar era tão leve

E o seu olhar era tão puro e forte

Decidido a me perdoar e me dar mais uma chance

De no centro da vontade de Deus eu ficar

BRUNO: E ela esqueceu tudo que eu fiz ontem

E ela me vê com os olhos de Deus, de Deus

Não desiste de mim, mesmo me vendo assim

Não vê o que a vida me fez, ela sabe os planos de Deus pra mim

(Bruno e os cinco jurados deixam o templo, e o cenário volta a ficar à meia-luz.)

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