TÉO: Acabou ou vai contar outra? Porque eu tenho mais o
que fazer!
JESUS: Tem mesmo. (Jesus apanha um notebook
posto no púlpito e entrega a Téo) Hoje é o dia de começar o estágio no
tribunal. Melhor você entrar logo, porque o juiz não é muito tolerante.
(Jayme entra no templo carregando a pasta contendo
vários papeis, e é seguido pelas mulheres que estão à porta do fórum, falando
ao mesmo tempo.)
JAYME: Se não tiver audiência marcada comigo eu não vou
atender.
(As mulheres estão do lado esquerdo para quem assiste,
perto das primeiras cadeiras. Enquanto elas estão falando, são colocadas doze
cadeiras: uma no altar, para Téo; cinco do lado esquerdo, para o corpo de
jurados; duas de frente para as janelas, para Henrique e a Defensora; uma no
meio, para Jayme; três em frente à porta do corredor, para Bruno, Marcelo e a
Promotora.)
SÔNIA: Seu juiz, por favor! Tem uma causa minha na
justiça que estou esperando pra resolver “tem” três anos...
JAYME: Procure um advogado, coisa que eu não sou.
(As mulheres continuam fazendo barulho e Renata passa
no meio delas pra falar com o juiz.)
RENATA: Dá licença, dá licença... (toca no ombro de
Jayme) Seu juiz, eu tenho um negócio urgente pra falar com o senhor.
JAYME: Todo mundo tem uma urgência quando chega aqui,
minha filha. A minha é voltar pra casa.
RENATA: Pelo amor de Deus! Eu vim de Ingazeira a pé pra
cá só pra falar com o senhor!
JAYME: Parabéns pela sua disposição. Mas eu tenho uma
audiência agora e não vou ter tempo pra te atender. (Jayme vira de costas, como
se fosse sentar na cadeira ao centro do templo, até que é interrompido por Renata)
RENATA: Foi isso que eu ouvi à semana toda. Pela fé em
Cristo, me deixa contar a minha história...
JAYME: Nem em Cristo nem em coisa nenhuma! Se você não
tem o que fazer, eu tenho. Agora dá o fora daqui.
RENATA: Tem problema, não. Eu já dormi não sei quantas
noites aqui na porta, hoje eu espero de novo. Ninguém pode mais do que Jesus!
JAYME: Pode, não, né? Vai pra igreja e pede ganho de
causa, não fica atrapalhando na porta do fórum. Alias, vamos saindo que isso
daqui não é feira, não! (Jayme empurra as mulheres do fórum, à exceção de
Renata – que senta-se com a cabeça abaixada perto da porta do corredor. Ele vai
sentar e encontra Téo em sua própria cadeira) Estagiário novo, é?
TÉO: Sou. (Jesus está ao lado do jovem)
JAYME: Começa a mostrar serviço e manda o pessoal
entrar.
(Téo levanta e faz um sinal para que os jurados, as
advogadas e as partes do processo entrem, menos Marcelo. Ele volta para o
templo e começa a digitar no notebook. Já os demais acomodam-se. Jayme
abre a pasta e lê o primeiro ofício.)
JAYME: Tem início a audiência de acusação de Henrique Moraes,
réu indiciado pelo crime de constrangimento ilegal contra Bruno Oliveira. A
Defensora está com a palavra.
DEFENSORA: Faz dois meses que Bruno pediu emprestado
dinheiro a Henrique, dizendo que ia pagar em quinze dias. Passou o prazo e ele
não deu satisfação. Agora quis dar uma de vítima e processou meu cliente.
PROMOTORA: Processou porque Bruno perdeu o emprego e
Henrique foi na porta dele cobrar, falando alto e chamando a atenção dos vizinhos,
pra fazer ele passar vergonha.
JAYME: O dinheiro era pra quê, Bruno?
BRUNO: Pra pagar a água e a luz lá de casa.
HENRIQUE: Diz ele, né?
JAYME: Eu mandei você falar? (Henrique faz um sinal de
zíper com a boca e Jayme volta-se para Bruno) Se você não tem emprego, vive de
quê atualmente?
BRUNO: Minha esposa trabalha como professora.
JAYME: E ela não pode te ajudar a pagar o empréstimo
que você fez a ele?
HENRIQUE: Mas eu não quero receber dela, não. Quem
chegou na minha porta com pires na mão foi ele.
BRUNO: Precisava ir à porta da minha casa fazer
escarcéu?
HENRIQUE: Ué? Você deixou de comer só porque teu
trabalho te botou pra fora?
BRUNO: Só queria que você desse um pouco mais de tempo
pra eu te pagar, nem que fosse dividido. Não fique achando que eu gosto de
dever pros outros não; ainda mais pra você. Mas tenho fé que o Senhor me tira
desse barco.
JAYME: Já vi tudo... Além de crente é caloteiro... De
quanto é a dívida que ele fez?
HENRIQUE: O safado está devendo pra mim quatrocentos e
noventa reais.
TÉO: (olha para Jesus) Quatrocentos e noventa?
JESUS: É o resultado da multiplicação “setenta vezes
sete".
JAYME: Na semana passada eu ouvi as testemunhas de
defesa. Mas até agora não apareceu ninguém da parte da acusação. E então? Conseguiram
achar alguém pra depor?
PROMOTORA: Encontramos. Pode entrar, Dr. Marcelo.
(Marcelo entra no templo.)
JAYME: E esse, quem é?
HENRIQUE: Esse é... (engole seco) É o meu patrão.
MARCELO: Olha a vergonha que você está me fazendo
passar...
JAYME: O senhor conhece Bruno de que lugar?
MARCELO: Eu não conheço, a advogada dele que veio me
procurar. Vim pra contar que trabalho com Henrique e pedir que ele perdoe a
dívida do rapaz.
HENRIQUE: Mas como é que eu vou me esquecer da dívida que
ele fez comigo? Eu estou precisando do dinheiro e ele não me pagou até agora!
MARCELO: Se eu perdoei a sua, que era maior, por que a
dele você não perdoa?
DEFENSORA: De Henrique? (vira-se para o réu) Por que
você não me contou essa parte da história?
JAYME: Henrique te pediu dinheiro emprestado pra quê?
MARCELO: Falou que era pra pagar o tratamento da filha,
que estava doente. Depois que eu emprestei foi que eu descobri... O homem nem
filha podia ter, era estéril. E gastou tudo na farra.
JAYME: (vira o rosto para Téo) Que conste nos autos que
o réu gastou... (olha para Marcelo) Quanto foi que ele pediu?
(Henrique faz sinal de silêncio para Marcelo, que fala
mesmo assim.)
MARCELO: Onze mil.
(Téo olha para Jesus novamente.)
JESUS: Quando você descansa no esconderijo do
Altíssimo, sabe que mil caem ao seu lado e dez mil à sua direita, mas você não
é atingido.
JAYME: Bom, vamos fazer uma pausa para o parecer dos
jurados. Voltaremos daqui a pouco.
(Os cinco jurados anotam, cada um num papel, os seus
votos. Eles entregam suas decisões a Téo, que leva todas para Jayme. O juiz lê os
papeis e anuncia a sentença.)
JAYME: Todos de pé para a leitura da sentença. Por
decisão unânime, declaro o réu Henrique Moraes culpado pelo crime de
constrangimento ilegal. No entanto, altero a pena mínima de três meses de
reclusão para um acordo com o reclamante Bruno Oliveira, no qual há o perdão da
dívida contraída pelo segundo. O caso está encerrado.
(As advogadas cumprimentam-se e apertam a mão de
Henrique e Marcelo. Os quatro saem do cenário, enquanto Jayme fica em pé,
analisando alguns documentos de sua pasta, afastado dos personagens que ficarão
até o final da cena. Jesus e Téo permanecem no degrau, e Bruno faz uma ligação
pelo celular.)
BRUNO: Aline? A audiência terminou agora. Marca o culto
em ação de graças porque o Senhor teve misericórdia de mim e me deu a vitória!
(Quando tocam as primeiras notas da canção
“Misericórdia”, os cinco jurados permanecem na mesma posição para interpretar a
música com Bruno.)
BRUNO: A misericórdia hoje me esperava despertar
A misericórdia hoje me olhava dormir
CINCO JURADOS: A misericórdia hoje me esperava
despertar
A misericórdia hoje me olhava dormir
BRUNO: E o seu olhar era tão leve
E o seu olhar era tão puro e forte
Decidido a me perdoar e me dar mais uma chance
De no centro da vontade de Deus eu ficar
CINCO JURADOS: E ela esqueceu tudo que eu fiz ontem
E ela me vê com os olhos de Deus
Não desiste de mim, mesmo me vendo assim
Não vê o que a vida me fez, ela sabe os planos de Deus
pra mim
(Bruno e os cinco jurados esperam o teclado tocar e
repetem a segunda estrofe, mas invertendo a ordem de interpretação dos versos.)
CINCO JURADOS: E o seu olhar era tão leve
E o seu olhar era tão puro e forte
Decidido a me perdoar e me dar mais uma chance
De no centro da vontade de Deus eu ficar
BRUNO: E ela esqueceu tudo que eu fiz ontem
E ela me vê com os olhos de Deus, de Deus
Não desiste de mim, mesmo me vendo assim
Não vê o que a vida me fez, ela sabe os planos de Deus
pra mim
(Bruno e os cinco jurados deixam o templo, e o cenário
volta a ficar à meia-luz.)
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