16/01/2025

NO LUGAR DO OUTRO | CENA 4

Quando Guto entra na sala 01, encontra Renata e Danilo sentados de frente à mesa da sala. Renata está claramente irritada e Danilo está de cabeça baixa, sem olhar para a mãe ou para o professor.

(fundo musical: “Onde quero estar” – “se fosse fácil falar”)

Obs.: a câmera passa pelo rosto de Murilo, que está com um semblante triste.

GUTO: Boa noite. (ele percebe que Renata nada responde) Como é que eu posso ajudar vocês?

RENATA: (abre a bolsa e mostra o celular) Meu filho foi atacado na internet. Você leu os comentários?

GUTO: Infelizmente, sim. Nós já identificamos o aluno que ofendeu o Murilo.

RENATA: Quem ele é?

Júlia bate na porta e a abre.

JÚLIA: O Vinícius está aqui.

(fundo musical: “Vai” – introdução em velocidade reduzida)

Guto balança a cabeça afirmativamente e Vinícius entra com a coordenadora, deixando a porta aberta. O professor olha para o aluno problemático.

GUTO: Pode sentar, Vinícius.

Vinícius volta o seu olhar para Danilo com profundo desprezo. Em seguida, encara o professor, que fica mais enérgico – puxa uma cadeira e a coloca ao lado de Renata.

GUTO: Senta.

O aluno aceita, a contragosto.

GUTO: (pega o celular de Renata e mostra a Vinícius) Foi você que escreveu isso?

Vinícius apenas balança a cabeça de forma afirmativa, e Renata vira o rosto em direção contrária, indignada.

GUTO: (suspira) Entende o que você fez?

VINÍCIUS: Tô ligado, quem não se liga é esse retardado!

RENATA: (levanta-se da cadeira e arregaça as mangas do casaco de Murilo, revelando os pulsos arranhados do seu filho) Você acha que ele não entende?

TOM: (sentado ao fundo da sala) Em 2023, mais de 40% dos brasileiros declararam ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística já ter sofrido bullying na escola.

JÚLIA: O que te incomoda tanto nele? O fato de o Murilo ser autista?

VINÍCIUS: Não sei, ele é diferente. Viu que nem pra cara da gente ele olha?

Murilo vê algumas canetas espalhadas sobre a mesa e começa a organizá-las, colocando-as juntas e ordenando-as pelas cores – primeiro as vermelhas, depois as azuis e por fim as pretas.

JÚLIA: Murilo, quando foi que você se machucou?

O filho de Renata nada responde.

GUTO: Espera um pouco... (aproxima-se de Murilo) Essas marcas... Você fez quando leu os comentários?

Murilo começa a balançar-se lentamente sobre a cadeira, e responde à pergunta de Guto.

TOM: (na mesma posição de sua última fala) Algumas das características que uma pessoa autista tem são: a ausência de contato visual, o corpo que se mexe pra frente e pra trás, não responder quando falam o seu nome e organizar objetos. Mas o principal é a dificuldade em interagir com as pessoas.

Murilo olha pra cima e contempla o ventilador da sala girando, fixando sua atenção no eletrodoméstico.

RENATA: Qual é a providência que vocês vão tomar?

VINÍCIUS: Vocês querem o quê?

GUTO: Não sou eu que vai resolver esse problema.

RENATA: Então quem? Ela?

JÚLIA: A polícia.

VÍNICIUS: Brincadeira, né?

GUTO: Os outros alunos, que você incentivou no Instagram pra maltratar o Murilo, acham a mesma coisa. Mas não é.

JÚLIA: A pena desse crime é de um a três anos de prisão.

GUTO: E multa.

VINÍCIUS: Tempo perdido. Eu já deletei o comentário.

JÚLIA: Já mandamos pra polícia antes de você apagar o que disse.

VINÍCIUS: (após alguns segundos em silêncio) Hum, não vai dar em nada.

GUTO: Talvez não dê mesmo. Mas um pedido de desculpas você deve pra ele.

VINÍCIUS: Pra quê? Eu posso ser preso, (olha pra Murilo novamente) isso não vai curar ninguém...

RENATA: Meu filho não é doente, pra ser curado!

JÚLIA: Calma, Renata...

RENATA: E ele vai ficar melhor longe de gente igual a você!

Vinícius fica claramente irritado e sai da sala, batendo a porta.

RENATA: Vocês vão testemunhar contra ele?

JÚLIA: Claro, é o nosso papel.

Guto senta-se em frente a Murilo, olhando para o estudante.

GUTO: Posso contar um segredo? Um dia eu fui igual ao Vinícius.

RENATA: Você? O que foi que mudou?

GUTO: Apareceu alguém que me ensinou a me colocar no lugar do outro.

Murilo aperta a mão do professor, abrindo um discreto riso.

MURILO: Obrigado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário