28/01/2013

AINDA É CEDO/ CAPÍTULO 5: ME ESQUECI DE AJUDAR


-Até quando você... Quando é que você vai virar essa página, Fabrício?
-O problema não é quando. Eu não quero virar. E pronto.
-Eu não tenho nada contra você. Não te odeio, entende isso!
-Mentira sua.
-Por quê?
-Sei que é mentira o que você tá me dizendo. Que se você não tivesse pena de mim, a essa hora já teria me dado uma surra. Não é porque eu tô assim que eu vou me calar, e dizer tudo o que eu penso.
-Nem sei o que te falar, sério.
-Dizer o quê? Contar a verdade que eu já sei?
-Fabrício, é pior do que eu pensava. O problema não é o acidente, o que te aconteceu ou o tratamento. O problema... O grande problema é você.
-Isso. É o que eu quero. Que você bote pra fora tudo o que pensa e nunca teve coragem de falar.
-Doente. É o que você é. Ou o que sempre foi e eu não percebi.
-Quem tinha que ter sacado alguma coisa era eu. O jeito que minha mãe olhava pra você, se preocupando mais do que comigo...
-Eu era o problema. Não você. Não foi você que ameaçou sair de casa, nem teve que desafiar ninguém, nem ser pedante, lutar contra a intolerância dos outros. É a minha vida, minha vocação. Sabe o que era pra eu estar fazendo agora?
-Pedro, sua vida não me interessa nem um... – Fabrício vira o rosto.
-Interessando ou não, eu vou falar- Pedro levanta a voz e chama a atenção do irmão- Era pra eu ter vindo visitar meu irmão, mas só isso. Não era pra me inteirar do assunto, conversando com médico, circulando pelo hospital. Não é a minha vontade! Sabe qual é o meu erro? É de ter escutado a dona Cristina. Essa aí, que você não quer aceitar como mãe. A que te deu tudo. Se você é alguma coisa nesse mundo, a culpa é dela. Até pra ser um desgraçado, você deve isso pra ela e pro Ricardo. Ela te deu amor. Já ouviu falar nisso? É aquilo que você não consegue dar porque não tem!
-Escuta só...
-Cala a boca! Eu não terminei ainda!
-Eu acabei! Sai do meu quarto.
-Esse daqui não é seu quarto! Seu quarto ficou lá em casa, do jeito que você deixou, antes de sair louco em alta velocidade, a fim de bater num poste e ferrar com a vida de todo mundo. Quer me ferrar? Me ferra logo! Teu problema é comigo. Mesmo que você não saiba nem o nome, é comigo! Porque ciúme de irmão não é. No teu caso, tá ridículo já!
-Terminou?
Pedro começa a bater fortemente nas pernas de Fabrício.
-Tá sentindo? Tá sentindo dor? Hein? Tá sentindo minha mão socando aqui?
-Para!
-Viu? Teu problema é nas pernas. Cego você não é. Para de fingir que não enxerga a gente te dando amor, te tratando bem.
-É remorso.
-Remorso é aquilo que você tem quando acorda e vê as besteiras que diz pra ferir todo mundo.
-Eu não tenho medo de você.
-Ótimo. Eu não manipulo todo mundo.
-Some daqui!
-Resumindo: senta nessa cadeira e faz o teu tratamento. Se você acha que depende de uma cadeira pra ser melhor do que eu, se recupera. Aproveita pra crescer.
-Some!
Depois do grito de Fabrício, Ludmila volta para a recepção do hospital, e Pedro sai lentamente do quarto.

*****

Ricardo e Cora bebem juntos na casa do publicitário.
-Ótima safra a desse vinho.
-Cora Lauveríssimo. Nome exótico.
-É a primeira vez que dizem isso. Geralmente dão adjetivos piores- ambos riem.
-Como você se resume?
-Quarenta e cinco anos, solteira, sem filhos e com uma vontade enorme de viver.
-Viver?
-Exclusivamente para o trabalho.
-Uau!
-Você não vai se resumir, não?
-Cinquenta e dois anos, casado, pai de dois filhos. Um é problemático e o outro... Está começando a me perturbar.
-E a esposa?
-Um verdadeiro pilar.
-Isso é ótimo.
-Pilar mesmo. Sem ela não existiriam as estruturas físicas das butiques e joalherias. Passa mais tempo lá do que aqui, em casa.

*****

Pedro encontra Viviana do lado de fora do hospital.
-Milena. Estranhei quando não te vi dentro da enfermaria.
-Eu te vi chegando. Achei que ele quisesse conversar.
-Achou errado.
-O que foi?
-Tá difícil. Muito difícil. Fabrício não abre a guarda, é irritante... Olha, eu discuti com ele, essa é que é a verdade.
-Você não pode fazer isso. É o mais próximo que pode ajudar ele na recuperação.
-Ele não quer a minha ajuda. Como é que eu faço?
-Não sei, mas não desiste dele, não. Ele se sente sozinho.
-Não é assim quando ele tá junto de você. Só você é quem ele ouve. A gente tem que começar por você. Não por mim.

*****

Cora está um pouco alterada por conta da bebida que toma com Ricardo.
-Você me prometeu que seria apenas um café.
-É que a nossa conversa está tão prazerosa que...
-Não precisa se justificar.
-Tem certeza?
-Claro. Eu também estou adorando esse papo. Há tempos não me divertia tanto. Mas eu acredito que seja melhor eu pegar meu carro, já estou atrasada para o trabalho.
-Poderíamos nos ver outras vezes.
-Ótima ideia. Então... Até...
-Até...
Quando Cora vai dar um beijo no rosto de Ricardo, desequilibra-se e ele a segura. Justamente nesse momento, eles trocam um beijo. Ela se afasta e sai correndo em direção ao seu carro.
-Cora? Cora, onde é que você vai? Você não pode dirigir assim.
-Depois a gente se fala, Ricardo- a professora de Pedro entra no veículo e foge da casa do publicitário.

*****

Viviana entra no quarto de Fabrício.
-Posso entrar?
-Você não precisa pedir, né?
-Eu encontrei seu irmão lá embaixo. O que aconteceu?
-O mesmo de sempre: nada. Há muito tempo que não tem nada de bom na minha vida que tenha a ver com ele.
-Fabrício, entende só uma coisa: o Pedro é seu irmão e...
-Ele não é meu irmão. Eu sou adotado. Eu não tenho nada dele, nada.
-Como não? Vocês moram juntos, foram criados juntos. E o Pedro não quer outra coisa que não seja te ajudar.
-Tá vendo só? Ele já conseguiu te convencer. Eu não gosto dele, não quero ele perto de mim. O povo tem que entender isso.
-Pra mim, isso é ciúme.
-Talvez, mas a minha raiva não passou. Eu tenho pra mim que ele sabia que eu era adotado e não me contou nada.
-Você tem como saber realmente disso?
-Não.
-Deixou de ser ciúme, é implicância mesmo.
-Que coisa... Faz poucos minutos que você viu o Pedro lá embaixo e já tá defendendo ele.
-Eu tô defendendo o que é certo.
-Ah, Milena, quer dizer que eu não tô?
-Não.
-Você não conhece nada da vida mesmo.
-E você não me conhece. Não sabe o que me aconteceu, tudo que eu passei, nem como eu cheguei aqui nesse lugar.
-O que eu não sei?
-Você quer mesmo saber?
-Posso, pelo menos?
-Agora não. Muito cedo pra eu falar qualquer coisa. Eu só sei que o Pedro é médico e é pra ele que você tem que pedir ajuda.
-Dispenso a ajuda dele. Como vou dispensar toda vez que ele me aparecer aqui. Não é porque a mãe dele quer que eu vou me dobrar.
-Sendo assim, eu vou fazer que nem a sua mãe e resolver o seu problema. Você não tem dinheiro, tá num hospital do governo, não quer a ajuda da família... Tá! O Pedro vai te ajudar, com ou sem sua permissão.
-Milena, se você for atrás daquele cara, eu vou...
-O quê? Me ameaçar? Toma vergonha na cara, Fabrício. Eu não tenho medo de ninguém, tá legal? Eu te pedi pra você correr atrás, procurar um jeito de se levantar, de sair dessa. Eu pedi pra você se ajudar, e você só não faz isso por causa da implicância com seu irmão. Mas já que você não quer, quem vai procurar sou eu.
-Milena... Milena!
E Viviana bate a porta do quarto, encontrando Ludmila em seguida.
-Tava escutando tudo, não foi?
-Do que você tá... – procura disfarçar.
-Relaxa, eu sei que você vai dizer que tá buscando informações sobre o estado dele, blá, blá, blá... Olha, eu sei que a gente não é próxima uma da outra, só que eu quero um favor seu.
-Só se tiver a ver com o Fabrício.
-Claro. Você é bem informada, tem suas fontes. Será que não dá pra descolar o endereço da casa da família dele?
-Pra quê?
-Eu quero falar com o irmão dele. Sabe, pra ele acompanhar o tratamento de perto.
-Quer dizer que a situação dele...
-Tudo nos conformes. Ele sofreu um trauma, e o irmão dele é que vai cuidar disso.
-E a transferência?
-Soube que a mãe dele tá resolvendo tudo, mas ainda tão esperando passar o tempo. Depois dessa entrevista toda, dá o endereço.
-Tudo bem... Eu vou anotar pra você.

*****

Ricardo está na biblioteca, quando Cristina chega.
-Onde você estava?
-Passei o final da tarde num spa!- joga a bolsa no sofá- Precisava relaxar. Antes, passei na universidade e fui procurar o Pedro pra que ele me ajudasse com o Fabrício.
-E como é que tá tudo?
-Infernal. Ele não quer aceitar a cadeira de rodas, anda agressivo, pior a cada dia. Eu cheguei à conclusão de que construí uma família problemática.
-Não fala assim, Cristina.
-A minha única sorte é de você ter sido a única escolha da qual eu não me arrependo.
Cristina dá um abraço no marido, que mal consegue segurá-la, devido às lembranças que tem de Cora.

*****

Já no andar de cima da casa, Pedro está com um notebook em mãos, quando alguém bate à porta.
-Já vai, calma aí.
Ao abrir, ele toma aquele susto.
-Você aqui?
-E você já imagina sobre quem eu vim falar. Olha só, Pedro, não adianta, eu não vou desistir enquanto você não ajudar o Fabrício.
E a visita de Viviana é uma surpresa que faz o estudante de Medicina ficar feliz, ainda que seja por um motivo delicado.

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