19/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 19


-Quanto é, cara?

-Relaxa, você não vai querer isso...

-Você vendeu pros outros. Por que não vai vender pra mim? Diz o preço que eu dou o dinheiro.

-Cinco.

O garoto tira uma nota do bolso, e Porcelana também deixa à mostra aquilo que vende.

-Tem um isqueiro aí?

Porcelana acende, mas não para de olhar para o garoto.

-Yuri...

-Como é que você sabe meu nome?

-Sei o nome de todos, sempre cerco essa área.

-Eu já vi os meninos fumando aqui, na frente da escola. Não sei como foi que não chamaram a polícia ainda.

-Ninguém chama. A verdade é que os diretores se pelam de medo da gente, acham que a gente vai botar pra quebrar. Se duvidar, a gente faz isso mesmo pra ninguém se meter à besta- Yuri para de fumar o cigarro momentaneamente- Isso não é pra você, cara.

-Quem disse que você sabe o que é melhor? Eu não uso droga nenhuma, só estou provando. Uma vez só não faz mal.

-Você é que sabe... Cuidado pra não te pegarem. Tua família deve ser grã-fina. Não vai gostar nada de saber.

-Como se alguém se importasse- volta a fumar o cigarro, enquanto o traficante se afasta.



XXXXX


-Vêm comigo. Os dois, agora!

-O senhor está me machucando!

-Meu braço está doendo, pai- Betina grita.

-É pra doer mesmo! Eu mandei você correr com o seu irmão?

-Larga os meninos- Ana Maria ordena.

-Quem é você pra me dar ordem? Eu estou educando meus filhos.

-Você está quase agredindo os dois.

-Mentira. Agora se eu pego meus filhos pelo braço, eu sou ruim? Quer dizer que eu não tenho direito, que é de lei, de educar os meus filhos?

-A lei não dá direito de bater em ninguém, meu senhor. E que raio de educação é essa que o senhor sai atrás dos seus filhos pra bater neles?

-A senhora está fazendo tempestade num copo d’água. Eu nunca que ia fazer uma coisa dessas!

-Não, imagina! Dois garotos saem apavorados por uma avenida e o senhor quer educá-los assim?

-Vá se meter com a sua vida!

-Qualquer um que chegue pra eles e pergunte o que foi que aconteceu vai ouvir que o senhor estava maltratando os dois. E nem precisa perguntar, basta olhar pra cara desses meninos.

-Já te disse pra não se meter comigo. Eles são da minha responsabilidade!

-O senhor não tem responsabilidade nenhuma. Estava explorando essas crianças.

-Como é que é? A senhora ficou maluca? Sabe o que está dizendo? A senhora me acusou de quer bater nos meus filhos e agora está dizendo que eu mando eles dois trabalharem?

-Olha a roupa desses meninos. Eles estão sujos, maltrapilhos, rasgados, e o senhor, que se diz pai deles, acha isso absolutamente normal? O senhor quer ganhar dinheiro obrigando os meninos a trabalhar, mas eu não vou deixar.

-Verdade, moça- Igor toma a palavra e denuncia Jandir.

-Cala a sua boca!

-Não vou calar! O senhor quer que a gente trabalhe, sim, pra sustentar o senhor e suas garrafas de cerveja. A gente está sem comer desde ontem. E a gente só ia comer quando arranjasse dinheiro.

-Eu vou acabar com a tua raça, filho da...

-Nele, você não toca- Ana Maria se atravessa na frente de Igor e Betina- Em nenhum dos dois. Eles vão ficar comigo.

-Vocês estão vendo isso?- chama a atenção dos transeuntes- Essa mulher está sequestrando os meus dois filhos! Façam alguma coisa! Chamem a polícia!

-Chama! Chama a polícia, sim! Quer saber de uma coisa?- abre a bolsa e lhe dá um cartão- Aqui está o meu endereço. Entrega à polícia. Aproveita e conta o que eles estavam sendo obrigados a fazer. Tanto nas minhas mãos quanto nas suas, eles vão ser encaminhados ao Conselho Tutelar. Eu quero ver se o senhor vai ter coragem de me peitar de novo. Mas sinta-se à vontade pra colocar a polícia na minha porta. Vem, gente. Eu vou levar vocês pra comer!

-Desgraçada! Você vai me pagar!

-Experimenta colocar a polícia na porta da minha casa. Vai ser pior pra você- entra no carro e fecha a porta, saindo em alta velocidade.

-Eu não vou deixar de acabar com a vida do filho do Otaviano. Não vou.



XXXXX



Frederico está cada vez mais feliz com a recuperação dos jovens de sua ONG, que se reúnem para um encontro de cunho evangélico.

-E aí, meu amor?- Lana surpreende.

-Olha como eles estão felizes, Lana. Livres de todas as influências negativas, pronto pra voltar ao seio de suas famílias.

-É verdade.

-Por falar em família, o Yuri apareceu em casa. Ana Maria disse que ele voltou pra casa sozinho. Um pouco confuso, com relação ao que aconteceu na casa dele. Mas eu creio que ele vai melhorar.

-Filhos... Estou cada vez mais convicta de que é melhor não tê-los nunca.

-Eu não acho. Ainda mais porque nós dois somos jovens ainda, não chegamos nem aos trinta e cinco anos. Por que abolir a ideia?

-Há tempos que você cogita isso e eu, para agradar você, não tenho tomado mais anticoncepcional. Se até agora eu não engravidei, vou tomar isso como um sinal, Frederico.

-Sinal de que ainda não chegou a hora de ter um bebê, só nosso.

-Ou que nós dois temos um problema. Pelo menos um de nós.

-Imagina. A nossa saúde é ótima, você que não quer engravidar.

-Digamos que eu considere os meninos da ONG como filhos que eu tento recuperar.

-Não é a mesma coisa. Talvez um filho possa reavivar o nosso casamento. Aos poucos, eu vejo você se desinteressar de mim. Eu não quero que ele morra, só isso.

-O nosso casamento está muito bem, obrigada. Eu não preciso de filho pra isso. Eu não quero. Olha, eu vou fazer umas contas, depois a gente se fala.

Frederico fica triste com a esposa, que se recusa a lhe dar um filho. Mas logo ele verá que não é uma ideia válida.



XXXXX



Na porta da escola, Yuri ainda está esperando por Ana Maria, e se sente um pouco disperso pelo consumo que havia feito do cigarro. Ao ver o carro da mãe, segura-se no portão e vai ao seu encontro. A acionista abaixa o vidro e destrava as portas.

-Está tudo bem, meu filho?

-De boa.

-Entra, eu tenho que tirar o carro do meio da rua.

Yuri, suando muito, senta-se na cadeira ao lado da mãe. Pelo retrovisor, toma um susto ao notar Igor e Betina.

-Quem é essa galera aí atrás?

-Acabo de encontrá-los na rua. Estão morrendo de fome. Esqueci de perguntar o nome deles.

-Igor.

-Betina. Minha mãe que me deu esse nome.

-Sua mãe tem muito bom gosto. Deu um nome lindo a você.

-Agradece a moça, Betina.

-Obrigada, moça.

-Pra onde a senhora vai levar os dois?

-À nossa casa.

-O velho não vai gostar nada disso...

-O velho não tem que gostar ou não gostar. É só um prato de comida, eles estão morrendo de fome.

-Daqui a pouco, a gente vai se vestir desse jeito, não é, mãe? O todo-poderoso da gravadora torrou tudo que era nosso.

-Não fala besteira, Yuri.

-Parece o papai bêbado- sussurra Betina no ouvido de Igor, que toca na irmã para que ela mantenha a discrição.

-Já vou avisando, viu, mamãe? Seu Otaviano não vai querer esses pivetes lá em casa de jeito nenhum.

-Otaviano?- pergunta Igor.

-Nome do traste. Do traste do meu pai.

-Você já está perdendo a compostura, Yuri. Para com isso. O que deu em você?

-O mesmo de ontem. Raiva. Toca esse carro pra casa, vai.

Desconfiada de que seu filho possa ter feito uso de algo suspeito novamente, Ana Maria conduz o veículo até a sua residência.



XXXXX



Sônia abre a porta da mansão dos Bittencourt Passos. Os quatro chegam.

-Ana Maria, quem são eles?

-Depois eu explico, Sônia. O que você mandou preparar de almoço?

-Mandei fazer aquele estrogonofe que você adora, menina.

-Bom, e vocês? Já comeram estrogonofe?

-Não- afirma a tímida garota.

-Faz o seguinte: prepara um almoço bem reforçado pra eles, Sônia.

-Sim, Ana Maria. E você, Yuri? Vai querer comer o quê?

-Bota qualquer coisa, Sônia.

-Com licença- vai até a cozinha.

-Quem chegou, Ana Maria?- Otaviano vem do escritório e olha logo para o rosto de Yuri- Está mais calmo, meu filho?

-Que jeito, não é? Tem que se acostumar. Se até os mendigos que vieram com a minha mãe estão acostumados, eu também posso quando ficar pobre.

-Mendigos?- vira-se para trás e encontra os garotos ao lado de sua esposa.

-Otaviano, eu precisava falar com você sobre esses meninos- dirige-se a ele friamente.

-Alguém pode me explicar o que esses meninos imundos estão fazendo na minha casa?

-Prazer, seu Otaviano. Meu nome é Igor- estende a mão para o pai, que o olha com o desprezo.

-Eu não faço ideia do porquê de você ter trazido esses meninos aqui, mas é melhor devolvê-los ao buraco no qual você os achou. Aqui, eles não vão ficar.

-Otaviano, eles estão com fome...

-Que comam em outro lugar. Que peçam esmola. Mas não na minha casa. Aqui, não!

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