-Quanto é,
cara?
-Relaxa, você
não vai querer isso...
-Você vendeu
pros outros. Por que não vai vender pra mim? Diz o preço que eu dou o dinheiro.
-Cinco.
O garoto tira
uma nota do bolso, e Porcelana também deixa à mostra aquilo que vende.
-Tem um
isqueiro aí?
Porcelana
acende, mas não para de olhar para o garoto.
-Yuri...
-Como é que você
sabe meu nome?
-Sei o nome de
todos, sempre cerco essa área.
-Eu já vi os
meninos fumando aqui, na frente da escola. Não sei como foi que não chamaram a
polícia ainda.
-Ninguém
chama. A verdade é que os diretores se pelam de medo da gente, acham que a
gente vai botar pra quebrar. Se duvidar, a gente faz isso mesmo pra ninguém se
meter à besta- Yuri para de fumar o cigarro momentaneamente- Isso não é pra
você, cara.
-Quem disse
que você sabe o que é melhor? Eu não uso droga nenhuma, só estou provando. Uma
vez só não faz mal.
-Você é que
sabe... Cuidado pra não te pegarem. Tua família deve ser grã-fina. Não vai
gostar nada de saber.
-Como se
alguém se importasse- volta a fumar o cigarro, enquanto o traficante se afasta.
XXXXX
-Vêm comigo.
Os dois, agora!
-O senhor
está me machucando!
-Meu braço
está doendo, pai- Betina grita.
-É pra doer
mesmo! Eu mandei você correr com o seu irmão?
-Larga os
meninos- Ana Maria ordena.
-Quem é você
pra me dar ordem? Eu estou educando meus filhos.
-Você está
quase agredindo os dois.
-Mentira.
Agora se eu pego meus filhos pelo braço, eu sou ruim? Quer dizer que eu não
tenho direito, que é de lei, de educar os meus filhos?
-A lei não dá
direito de bater em ninguém, meu senhor. E que raio de educação é essa que o
senhor sai atrás dos seus filhos pra bater neles?
-A senhora
está fazendo tempestade num copo d’água. Eu nunca que ia fazer uma coisa dessas!
-Não,
imagina! Dois garotos saem apavorados por uma avenida e o senhor quer educá-los
assim?
-Vá se meter
com a sua vida!
-Qualquer um
que chegue pra eles e pergunte o que foi que aconteceu vai ouvir que o senhor
estava maltratando os dois. E nem precisa perguntar, basta olhar pra cara
desses meninos.
-Já te disse
pra não se meter comigo. Eles são da minha responsabilidade!
-O senhor não
tem responsabilidade nenhuma. Estava explorando essas crianças.
-Como é que é?
A senhora ficou maluca? Sabe o que está dizendo? A senhora me acusou de quer
bater nos meus filhos e agora está dizendo que eu mando eles dois trabalharem?
-Olha a roupa
desses meninos. Eles estão sujos, maltrapilhos, rasgados, e o senhor, que se
diz pai deles, acha isso absolutamente normal? O senhor quer ganhar dinheiro
obrigando os meninos a trabalhar, mas eu não vou deixar.
-Verdade,
moça- Igor toma a palavra e denuncia Jandir.
-Cala a sua
boca!
-Não vou
calar! O senhor quer que a gente trabalhe, sim, pra sustentar o senhor e suas
garrafas de cerveja. A gente está sem comer desde ontem. E a gente só ia comer
quando arranjasse dinheiro.
-Eu vou
acabar com a tua raça, filho da...
-Nele, você
não toca- Ana Maria se atravessa na frente de Igor e Betina- Em nenhum dos
dois. Eles vão ficar comigo.
-Vocês estão
vendo isso?- chama a atenção dos transeuntes- Essa mulher está sequestrando os
meus dois filhos! Façam alguma coisa! Chamem a polícia!
-Chama! Chama
a polícia, sim! Quer saber de uma coisa?- abre a bolsa e lhe dá um cartão- Aqui
está o meu endereço. Entrega à polícia. Aproveita e conta o que eles estavam
sendo obrigados a fazer. Tanto nas minhas mãos quanto nas suas, eles vão ser
encaminhados ao Conselho Tutelar. Eu quero ver se o senhor vai ter coragem de
me peitar de novo. Mas sinta-se à vontade pra colocar a polícia na minha porta.
Vem, gente. Eu vou levar vocês pra comer!
-Desgraçada!
Você vai me pagar!
-Experimenta
colocar a polícia na porta da minha casa. Vai ser pior pra você- entra no carro
e fecha a porta, saindo em alta velocidade.
-Eu não vou
deixar de acabar com a vida do filho do Otaviano. Não vou.
XXXXX
Frederico
está cada vez mais feliz com a recuperação dos jovens de sua ONG, que se reúnem
para um encontro de cunho evangélico.
-E aí, meu
amor?- Lana surpreende.
-Olha como
eles estão felizes, Lana. Livres de todas as influências negativas, pronto pra
voltar ao seio de suas famílias.
-É verdade.
-Por falar em
família, o Yuri apareceu em casa. Ana Maria disse que ele voltou pra casa
sozinho. Um pouco confuso, com relação ao que aconteceu na casa dele. Mas eu
creio que ele vai melhorar.
-Filhos... Estou
cada vez mais convicta de que é melhor não tê-los nunca.
-Eu não acho.
Ainda mais porque nós dois somos jovens ainda, não chegamos nem aos trinta e
cinco anos. Por que abolir a ideia?
-Há tempos
que você cogita isso e eu, para agradar você, não tenho tomado mais
anticoncepcional. Se até agora eu não engravidei, vou tomar isso como um sinal,
Frederico.
-Sinal de que
ainda não chegou a hora de ter um bebê, só nosso.
-Ou que nós
dois temos um problema. Pelo menos um de nós.
-Imagina. A
nossa saúde é ótima, você que não quer engravidar.
-Digamos que
eu considere os meninos da ONG como filhos que eu tento recuperar.
-Não é a mesma
coisa. Talvez um filho possa reavivar o nosso casamento. Aos poucos, eu vejo você
se desinteressar de mim. Eu não quero que ele morra, só isso.
-O nosso
casamento está muito bem, obrigada. Eu não preciso de filho pra isso. Eu não
quero. Olha, eu vou fazer umas contas, depois a gente se fala.
Frederico
fica triste com a esposa, que se recusa a lhe dar um filho. Mas logo ele verá
que não é uma ideia válida.
XXXXX
Na porta da
escola, Yuri ainda está esperando por Ana Maria, e se sente um pouco disperso
pelo consumo que havia feito do cigarro. Ao ver o carro da mãe, segura-se no
portão e vai ao seu encontro. A acionista abaixa o vidro e destrava as portas.
-Está tudo
bem, meu filho?
-De boa.
-Entra, eu
tenho que tirar o carro do meio da rua.
Yuri, suando
muito, senta-se na cadeira ao lado da mãe. Pelo retrovisor, toma um susto ao
notar Igor e Betina.
-Quem é essa
galera aí atrás?
-Acabo de
encontrá-los na rua. Estão morrendo de fome. Esqueci de perguntar o nome deles.
-Igor.
-Betina.
Minha mãe que me deu esse nome.
-Sua mãe tem
muito bom gosto. Deu um nome lindo a você.
-Agradece a
moça, Betina.
-Obrigada,
moça.
-Pra onde a
senhora vai levar os dois?
-À nossa casa.
-O velho não
vai gostar nada disso...
-O velho não
tem que gostar ou não gostar. É só um prato de comida, eles estão morrendo de
fome.
-Daqui a
pouco, a gente vai se vestir desse jeito, não é, mãe? O todo-poderoso da
gravadora torrou tudo que era nosso.
-Não fala
besteira, Yuri.
-Parece o
papai bêbado- sussurra Betina no ouvido de Igor, que toca na irmã para que ela
mantenha a discrição.
-Já vou
avisando, viu, mamãe? Seu Otaviano não vai querer esses pivetes lá em casa de
jeito nenhum.
-Otaviano?-
pergunta Igor.
-Nome do
traste. Do traste do meu pai.
-Você já está
perdendo a compostura, Yuri. Para com isso. O que deu em você?
-O mesmo de
ontem. Raiva. Toca esse carro pra casa, vai.
Desconfiada
de que seu filho possa ter feito uso de algo suspeito novamente, Ana Maria
conduz o veículo até a sua residência.
XXXXX
Sônia abre a
porta da mansão dos Bittencourt Passos. Os quatro chegam.
-Ana Maria,
quem são eles?
-Depois eu
explico, Sônia. O que você mandou preparar de almoço?
-Mandei fazer
aquele estrogonofe que você adora, menina.
-Bom, e
vocês? Já comeram estrogonofe?
-Não- afirma
a tímida garota.
-Faz o
seguinte: prepara um almoço bem reforçado pra eles, Sônia.
-Sim, Ana
Maria. E você, Yuri? Vai querer comer o quê?
-Bota
qualquer coisa, Sônia.
-Com licença-
vai até a cozinha.
-Quem chegou,
Ana Maria?- Otaviano vem do escritório e olha logo para o rosto de Yuri- Está
mais calmo, meu filho?
-Que jeito,
não é? Tem que se acostumar. Se até os mendigos que vieram com a minha mãe
estão acostumados, eu também posso quando ficar pobre.
-Mendigos?-
vira-se para trás e encontra os garotos ao lado de sua esposa.
-Otaviano, eu
precisava falar com você sobre esses meninos- dirige-se a ele friamente.
-Alguém pode
me explicar o que esses meninos imundos estão fazendo na minha casa?
-Prazer, seu
Otaviano. Meu nome é Igor- estende a mão para o pai, que o olha com o desprezo.
-Eu não faço
ideia do porquê de você ter trazido esses meninos aqui, mas é melhor
devolvê-los ao buraco no qual você os achou. Aqui, eles não vão ficar.
-Otaviano,
eles estão com fome...
-Que comam em
outro lugar. Que peçam esmola. Mas não na minha casa. Aqui, não!
Nenhum comentário:
Postar um comentário