01/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 1


Rosane está dormindo. Abre os olhos ao perceber que os primeiros raios iluminam seu quarto. Vê Otaviano vestindo o terno.
-Onde você vai?- levanta-se, assustada.
-Que pergunta! Ao trabalho. Pra onde eu vou todos os dias.
-Bem que você podia ficar mais, ainda é muito cedo.
-O trânsito não é brincadeira, Rosane. E eu me levanto tantas vezes, quase todos os dias, que você deveria estar acostumada.
-Seria fácil... Se você fosse meu marido- ele para de colocar a gravata.
-Você sabe que isso não vai acontecer.
-Você é o único impedimento pra isso. Por que é tão difícil falar de construir uma família?
-Porque os meus planos são outros, e eles não te incluem.
-Tem razão. Eu preciso parar de acreditar que um dia eu vou ter você só pra mim. Só acho triste te perder sem ao menos ter uma rival.
-Chega com isso, Rosane...
-Eu me visto do jeito que você quiser, me comporto do jeito que você quiser... Mas não me deixa sozinha.
-Eu não preciso te deixar nunca.
-Mas isso me torna a outra.
-Antes isso do que não ter a mim nunca mais- Rosane se entristece- Bom, eu já vou indo. Talvez eu volte à noite.
-Você ainda vai ser meu, Otaviano. Só meu.
-Não conte com o destino, que quem o escreve sou eu- pega a maleta.

XXXXX

Otaviano chega à empresa de Dalton Bittencourt num táxi. O dono está conversando com um dos empresários, quando vê um de seus funcionários sair do veículo. Dirige-se a ele.
-Pontual como sempre, Otaviano.
-Faço o que posso, doutor.
-Bom, não vamos nos atrasar. Hoje tomaremos uma decisão definitiva sobre o futuro da empresa, e quero que você tenha voz. Não pode deixar que a Ana Maria interfira negativamente.
-Mas, senhor, a Ana Maria é sua filha. É uma das acionistas da empresa, como posso bater de frente com ela?
-Bata. Não concordo com o modo passional que ela age, ela pode botar tudo a perder.
-Desculpe, mas acho que não tenho tanta competência para peitá-la dessa forma. E é estranho que o senhor queira sabotar a sua própria filha.
-Por favor, Otaviano, eu sou homem com tino para os negócios. Eu não cheguei até aqui se deixasse uma mulher mostrar que sabe mais do que eu. As ações da Ana Maria foram concedidas pela minha falecida esposa, que era outra que não tinha cacife para administrar minha empresa. Mantenho a Ana aqui a contragosto.
-O que o senhor quer que eu faça, exatamente? Como posso manter a Ana longe da empresa?
-Logo vi que você é um homem extremamente ambicioso. Sei muito bem aonde quer chegar, Otaviano, e dou meu consentimento para isso.
-Eu não sei do que o senhor está falando, Dr. Dalton.
-Sabe, sim. Se você está realmente disposto a usufruir de um prestígio muito mais do que aquele que desfruta agora, faça por merecer. Bom, vamos à minha sala.
Otaviano fica tentado com a proposta do patrão, mas fica confiante pelo fato de Dalton já ter percebido quais são suas verdadeiras intenções. Intenções essas muito maiores do que o patrão possa supor.

XXXXX

Na mesma noite, Ana Maria está num bar, visivelmente chateada. Otaviano se aproxima, a passos lentos.
-Posso te fazer companhia?
-Já fez o suficiente pela manhã. Não é todo dia que um subalterno do seu próprio pai tenta vetar uma ideia sua. Ou melhor, é todo dia, sim.
-Ana Maria, eu quero desfazer todo e qualquer mal-entendido que tenha surgido na reunião de hoje.
-Que tenha ou que surgiu? Não precisa se dar ao trabalho de interpretar, você faz isso pessimamente.
-O fato de nós sermos inimigos profissionais não significa que nós tenhamos que estender esse rancor fora da empresa.
-Se for pra falar de sentimentos, eu também não quero ter que ser cínica fora da empresa- levanta-se.
-Espera, Ana!
-Quanto que ele está te pagando pra me convencer de que eu estou errada?
-Você não tá errada.
-Sua opinião pouco me importa. E não se contradiga. Fica patético, até para um mentiroso como você.
-Porque eu não posso discordar de você nunca.
-Cada peso tem sua medida. Se concordasse comigo, seria feliz trabalhando... Em outro lugar.
-É isso que você quer? Que eu me demita? Que todos satisfaçam sua vontade só porque você é filha do dono?
-Para de ser petulante, Otaviano.
-Já que você não consegue dar uma solução para o problema, eu vou fazer o que eu acho certo: vou pedir minha demissão da empresa do seu pai. É isso que você quer?
-A minha resposta não conta tanto assim.
-Conta, porque eu amo você.
-O que você falou?
-Você não ouviu errado. Há muito tempo que eu tinha vontade de te falar isso, mas acabava sempre postergando. Não dá mais pra esconder.
-Um blefe seu.
-Vai ver que não. Quem sabe amanhã não seja o dia em que a sua conduta comigo mude de vez?- sai do bar, enquanto Ana Maria fica confusa.

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