Dois carcereiros destrancam o
portão da cela de Irandir e Murilo, e eles vêm acompanhados do diretor do
presídio.
-O que é que ele tem?
-“Tava” com febre, agora não
quer mais acordar. Tire ele daqui!- Murilo se desespera ao falar com o diretor.
-Calma, vamos chamar um
médico.
-Que médico? Todo mundo que
passa mal aqui dentro morre! Vocês não ajudam ninguém!- grita o preso que também
pediu ajuda.
-Vai se salvar- brada Murilo.
-É cedo pra saber. O médico
ainda não chegou.
-O único que tem poder pra
salvar sabe.
-Vamos, levem ele pra
enfermaria- ordena o diretor, após se sentir um pouco incomodado por não
entender o que Murilo quis dizer com aquela frase.
Um dos rapazes tranca a cela
novamente e Murilo põe a mão sobre as grades.
-Que essa enfermidade saia de
você, Irandir, porque ela não tem força nem poder.
-Eu aceito, irmã. Aceito o
que for preciso... Quero dizer... A sua doação.
-Só me diga de quanto foi o
roubo.
-Quanto foi... É... Sete mil
reais- mente.
-O senhor não pensou muito
pra me responder, pastor?
-Não estou acostumado a ter
tanto dinheiro, mas era o que compraria os bancos da igreja. Fico ainda
impressionado como um ser humano pode descer tão baixo e roubar de uma casa
sagrada.
-Pouco se importam se a casa
for sagrada. Dinheiro é mundano, mas todo mundo quer fazer uso dele.
Ivone volta à igreja para
pegar sua Bíblia. E flagra a conversa.
-Se não lhe incomoda, irmã,
eu posso saber por que está querendo doar esse dinheiro? Alguma obra de
caridade?
-Ateus podem até fazer
caridade, mas não vejo muito sentido em fazê-la para uma igreja.
-Mas como a senhora pode não
acreditar? A vida é um milagre! Esse momento, em que os nossos problemas se
resolvem, também é um milagre.
-Pastor, eu não quero entrar
no mérito dessa questão. Já está tarde e eu não tenho tempo de remoer o meu
passado infeliz. Amanhã, o senhor pode trocar o cheque e guardá-lo em
segurança.
-Apesar de não acreditar, eu
sei que esse ato vai trazer grandes bênçãos pra sua vida.
-Não muitas. Se existe um
deus que pode olhar as minhas súplicas, ele vai saber que eu só preciso de uma-
assina o cheque e entrega- Boa noite.
-A paz, irmã- Célio entra com
o cheque.
Natália se depara com Ivone
observando a cena e para pra cumprimentá-la.
-A paz!- diz, em tom irônico.
-Amém, irmã- entra na igreja-
Parece que dessa vez, os dois vão comprar os bancos da igreja. É pra
glorificar...
Rebeca entra no quarto de
Alexandre e surpreende Paulo com a faca ao acender a luz.
-Me diz qual é o seu
problema, me diz!
-Quem devia dizer era você,
já que defende tanto esse cara. O que é? Foi feito de açúcar? É intocável? Qual
o interesse que você tem pra deixar ele continuar vivo, Rebeca?
-O mesmo que o seu! Não se
atreva a insinuar coisas a meu respeito, porque eu não sou nenhuma piranha!
-Claro que não. Porque eu sou
o homem da sua vida. E quero continuar sendo o único.
-Você não entende mesmo o
perigo que a gente corre, não é?
-Saquei tudo, sim. É por
causa disso que eu quero me livrar do Alexandre.
-Menos com o ciúme idiota.
Alexandre matou três policiais porque você o induziu. Se você não percebeu, Paulo,
isso o torna mais perigoso que nós dois juntos. Eu não vou pra cadeia por roubo,
muito menos por ter dado fim ao cadáver do meu ex-cúmplice. E dê graças aos
céus porque eu dei um sedativo pra ele, porque se ele desconfiar do que você
tenta fazer, é capaz de fugir com o dinheiro e nos matar.
-Como se eu também não fosse
capaz disso...
-Paulo, me escuta porque eu
não sou mulher de falar dos meus sentimentos todo o tempo. Eu amo você, e quero
viver esse amor que a gente tem. Mas foi uma mulher fria que você conheceu, e eu
não vou pensar muito se tiver de passar por cima de você pra garantir minha
liberdade. Então, para com essa balela de ciúme besta, que eu não “tô” pra
brincadeira, entendeu?
-Muito menos eu!- segura o
pescoço da moça- Toma cuidado comigo, rebeca!
-Me solta, que você “tá” me
machucando!
-E daí? Quantas vezes eu já
não bati em você e tu “disse” que já gostou? Hein? Até pedia pra eu bater
mais...
-Larga o meu pescoço, senão
eu começo a gritar!
-Grita! Me denuncia porque eu
“tô” te enforcando! Quero ver se “Maria da Penha” se aplica a dois bandidos!
Aí, a polícia leva a gente e o dinheiro junto. Viu como é simples?
-Solta, Paulo...
-Escuta, Rebeca! Se eu
desconfiar que você e esse fedelho “tão” rindo de mim, eu mato! E não sinto
remorso nenhum de matar- solta o pescoço dela, jogando-lhe no chão- Nunca tirei
a vida de ninguém, mas pra tudo... Se tem a primeira vez... - sai do quadro.
-Imbecil!
Murilo volta à Igreja Lar
Celestial e encontra Célio arrumando as flores do púlpito.
-A paz do Senhor, irmão.
-Irmão Murilo? E a sua
esposa? Como está?
-Se recuperando, Célio. Eu
não vim ontem pra cuidar dela, mas vou ministrar a palavra de hoje.
-Amém. A irmã Natália esteve aqui.
-Irmã Natália?
-Sim, aquela mulher que
esteve na sua casa.
-O que ela quis aqui?
-Veio falar comigo. Essa
mulher foi usada, é coisa divina, Murilo. Nem eu consegui entender na hora, mas
foi milagre.
-Milagre vai ser o dia em que
essa peste sumir da minha vida.
-Por que está falando assim?
-Tenho os meus motivos,
Célio. Só não quero que essa mulher chegue perto da minha família. Mas diz. O
que ela veio fazer aqui?
-Cobrir a oferta roubada.
-Como assim? Eu não entendi.
-O dinheiro roubado. Ela
pagou o dinheiro. Eu não sei o que ela quer em troca, mas ela disse que se
existe um deus, ela precisa de um milagre. Talvez doando dinheiro pra igreja,
ela veja que o milagre pode existir, e o deus que ela tanto espera também.
-Você tem noção do que está
falando? Porque pra mim, você está cometendo dois erros, Célio!
-Que erros? Eu estou me
regozijando da bênção que a Lar Celestial recebeu...
-Não. Muito pelo contrário.
Você acha que essa fulana vai pro céu comprando um terreno lá, dando dinheiro
pra desconhecidos, como se a fé dela não valesse de coisa alguma.
-A fé sem obras é morta! Como
pastor, você devia saber disso.
-Os discípulos tinham uma
crença, não uma máquina de cartão de crédito. Porque é só isso que falta. Se você
não fosse um pastor, não duvido nada de que transformava a igreja num negócio.
Olha que se duvidar, é isso o que você pensa!
-Não aceito que você duvide
de minha crença no Senhor! Mas qual é o seu problema? A igreja é roubada,
depois é ressarcida, e você fica com raiva da situação?
-Não “tô” com raiva da
situação. “Tô” com raiva dela! Ódio dela!
-Murilo, fala pra mim. Qual é
a sua relação com essa mulher?
-Nenhuma! E eu creio que não
vou ser abandonado, apesar dessas tempestades. Uma hora, o vento acalma. E leva
essa mulher pra longe daqui.
Rebeca entra no quarto de Paulo
e deixa a bandeja de café da manhã no quarto.
-Alexandre? Alexandre, cadê
você?
-Aqui, no banheiro.
A moça escuta o barulho do
chuveiro ligado e, com receio, entra. As gotas embaçam a parede de vidro que
envolve o rapaz. Ele limpa um pouco e olha para a cúmplice.
-Você não devia ter se
levantado ainda.
-Já me sinto melhor. Também,
com todo o cuidado que eu venho recebendo- volta a se ensaboar.
-Mas e a dor?
-Continua. Mas eu tenho que
me levantar. Uma hora, eu vou ter que usar minha parte na grana. Não dá pra
bancar o doente.
-Você está doente.
-Isso passa. Se eu não morri
ou fui preso agora, vai ser muito mais difícil me tirar de circulação.
-Olha, eu deixei o café em
cima da sua cama.
-Paulo “tá” aí?
-Não. “Tá” cuidando da grana
dele, procurando no que investir. Claro, com cuidado pra não levantar
suspeitas. Acabou de sair. Avisa quando sair do banheiro. Eu te levo pra você
não cair.
-Quer entrar?
-Como é?
-Rebeca, a gente já passou
dessa fase de fingir que não entende quando um cara deixa bem claro que sente
desejo nela.
-Você não sente desejo por
mim. Sente pelo perigo.
-Não abandonei meu pai se não
quisesse viver o perigo. Ele me excita. E você sabe disso porque nisso, o perigo
começa a se parecer com você. É verdade que... Bem menos.
-Dispenso.
-Sem problema- abre a porta
de vidro, deixando Rebeca sem reação- Agora eu só quero ver até quando.
A moça sai do quarto de forma
apressada, enquanto Alexandre já tem a certeza do que acontecerá entre eles.
Toca a campainha da casa de
Murilo e Verônica. O pastor atende a porta.
-Você?
-Não vai me convidar pra
entrar?
-Eu prefiro que você se
convide a sair.
-Muito gentil da sua parte-
ao ironizar, Natália entra na residência.
-Vai demorar muito? Se não se
importa, eu queria que você não voltasse mais à minha casa.
-Queria, mas não quer mais.
Aposto que o pastor Célio já contou pra você o que eu fiz.
-E eu? Devia saber do quê?
-Que cobri o roubo da Igreja
que você comanda. Claro que não foi por acaso, obra do destino ou de caridade.
Fiz isso pra salvar o meu filho.
-Seja mais clara- disfarça.
-Eu pude finalmente perceber
o que cercou o desaparecimento do Gigante. Ele sumiu na mesma época do dinheiro
da igreja. Isso significa que se ele não roubou, você tem motivos muito fortes
pra acreditar que ele levou o dinheiro consigo.
-O que a senhora quer é me
comprar. Comprar o carinho de um filho que não consegue ver outra mulher como
mãe a não ser a Verônica. Não perca o seu tempo, dona Natália.
-Não é só o carinho do
Gigante pelo qual anseio. Quero a sua confiança.
-Por quê?
-Porque o fato de não admitir
que ele é o responsável pelo sumiço das ofertas demonstra que o senhor é quem
mais o ama. E por isso, eu tenho que ajudar de alguma forma.
-Agora a senhora vai me
responder- Verônica sai do quarto e surpreende o marido e a misteriosa mulher-
Qual é a sua relação com o meu filho?
-Verônica, por favor, você
tem que descansar.
-Cansei de ficar deitada,
Murilo. Ontem, a senhora não me respondeu, mas ainda é tempo. Por que essa
preocupação com o Gigante?
-Já que a senhora insiste
tanto em saber, eu vou contar. Eu sou a... – olha para Murilo, o que é percebido
por Verônica- Sou...
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