15/05/2014

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 7: EM VERDADE

-Por favor, vá direto ao assunto, minha senhora!
-Meu amor, eu posso explicar...
-Você? Prefiro ouvir ela falando. A não ser que exista algum tipo de relação entre vocês. É isso? Porque se for isso, eu quero saber de qual tipo.
-Natália é uma missionária vinda de São Paulo. Eu... Tomei a liberdade de contar pra ela sobre a situação do nosso filho.
-Não posso acreditar... Você decidiu se abrir com uma estranha sobre esse assunto?
-Estranho é como ele se comporta, desprezando a família que construímos há anos.
Contrariada com a mentira, Natália acaba fazendo o jogo do pastor para evitar novos problemas.
-Fique tranquila, Verônica. Eu sei ser discreta. Prometo que não contarei nada do que seu marido me disse a ninguém.
-Mesmo assim, irmã, eu não gostaria que isso chegasse no ouvido das outras pessoas.
-Sei que a situação é delicada... Irmã... Mas o que eu posso dizer... Enquanto missionária?- ironiza a farsa do pastor.
-Que o que sai do nosso controle já está sendo vigiado pelo Pai? É um ótimo começo, Natália- Murilo responde à provocação.
-Desculpe, você entrou aqui e eu não te ofereci nada...
-Irmã Natália já está de saída, meu amor.
-Não estou, não, pastor. Ainda tenho algumas pendências a resolver aqui em Olinda, e o senhor sabe bem disso.
-É que ela veio até aqui naquele dia pra tentar falar comigo. Queria ver se Célio e eu poderíamos marcar um dia em que ela pudesse dar um testemunho.
-Problemas de maternidade, Verônica. Durante anos me reneguei à chance de ser mãe. Um dia, eu realizei essa proeza.
-Um milagre, realmente. Passei por uma experiência parecida com o meu filho. Quer dizer que a senhora engravidou?
-Engravidar não é bem o termo que eu uso. Vamos dizer assim: uma graça me foi concedida.
-Amém. Quero conhecer o seu filho um dia. Veio com a senhora?
-Não, está viajando. Mas um dia, a senhora poderá conversar com ele.
-Verônica, meu amor, você pode deixar a gente a sós por um momento?
-Claro, mas antes eu queria fazer um convite. Bom, a igreja não é minha, é do meu marido...
-A igreja é do Senhor.
-Sim, Murilo, mas eu senti um desejo no meu coração. Vai ver é até uma revelação... A irmã não quer acompanhar nós dois no culto da Lar Celestial?
-Eu... Adoraria. Mas não vou dar testemunho hoje. Ficou marcado pra domingo.
-Tudo bem, mas a palavra é sempre o nosso alicerce, a gente precisa dela.
-Se é assim, eu vou, Verônica.
-Será muito bem-vinda, tenha certeza.
-Verônica...
-Ah, claro. Eu não quero atrapalhar a conversa de vocês. Com licença- sobe as escadas e vai ao quarto.
-Para um pastor, você mente maravilhosamente bem- aplaude Murilo- Parabéns... Deveria ser ator.
-Atuo na igreja. E para uma ateia, você é muito cristã. Merece mais palmas do que eu.
-Sinceramente, você não consegue ser irônico...
-Muito menos você. Não me invente de aparecer lá na igreja, eu não quero ter de dar explicações pra minha mulher!
-Que explicações? Hein?
-Fala baixo!
-Se não fosse esse seu faz-de-conta, Verônica já teria sabido da verdade. E ela tem que saber. Você, como marido, não deveria poupá-la da verdade.
-O que você quer é me destruir, e “tá” se empenhando pra isso...
-Eu quero conhecer o meu filho, me aproximar dele, e isso eu não vou conseguir me sustentando nas suas mentiras.
-Por favor... O que me garante que é você que não “tá” mentindo pra acabar com a minha família?
-Murilo, eu não iria sair de São Paulo pra confirmar um engano do meu pai. Ele tinha certeza do que estava falando em seu leito de morte.
-Como vou saber? Afinal, o inimigo é muito astucioso!
-Mas eu não!- abre a bolsa- Olha aqui. Fotos de anos passados do “Gigante”, de quando ele era uma criança, de quando eu ainda poderia segurá-lo no colo... Murilo, eu não tenho essa pretensão toda pra destruir uma família. Abre o dossiê. Presta atenção em cada linha sobre o nosso filho e a vida dele. Só parou de ser atualizado quando o meu pai faleceu, na mesma época de desaparecimento do “Gigante”.
-Isso não é prova.
-Pois muito bem, eu quero fazer um exame de DNA. Aposto que o quarto dele está intacto. Alguma coisa dele pode comprovar que ele é meu filho.
-Nunca, ouviu bem? Nunca vou te dar permissão pra isso. Agora saia da minha casa!
-Aguarde-me no culto, pastor Murilo Nobre. Saiba que eu não vou usar modos escusos pra conseguir o que eu desejo, porque não sou mulher disso, mas vou ter no fim dessa estória.
-Algo que eu duvido muito.
-Até a noite, então.
-Não se atreva a ir até lá.
-Vai me expulsar?
-Se for preciso.
-Não será, pastor. O que o senhor dirá na frente dos seus queridos irmãos?
-Pare de me chantagear!
-Então, não me impeça de ser mãe do meu filho! Mais tarde eu vou à igreja!- põe a bolsa no ombro e abre a porta da casa, saindo em seguida.
-Me faça vencer essa provação... Eu não suporto mais.


Paulo e Rebeca estão jantando no apartamento. Um aparelho televisor está ligado na sala de jantar. A moça se levanta e recolhe o prato do amante. Ao lavá-lo, para pra ver uma notícia.
-Em vinte e quatro horas, a Polícia Militar começa a sentir os efeitos da greve. A Justiça considerou o movimento ilegal e ordena que os policiais voltem ao trabalho imediatamente; caso contrário, a multa aplicada será de cem mil reais por dia de trabalho recusado. Enquanto isso, vários pontos da região metropolitana vem sofrendo saques cometidos pela própria população, que aproveita o momento da falta de segurança em todo o estado.
-Vamos ver isso lá embaixo, Rebeca?
-‘Tá” louco? E se alguém reconhece a gente?
-Reconhecer como? As únicas testemunhas o Alexandre deu um jeito de dar cabo. Limpeza.
-E ele? Vai ficar sozinho aqui?
-Preocupada com o doentinho?
-Sabe muito bem o que eu quero dizer.
-Não, Rebeca. Sinceramente, não sei.
-Alguém pode invadir a casa e denunciar o Alexandre, não sei...
-Olha, a gente está umas três semanas, praticamente, sem poder sair por conta dele. Sabe lá o que a gente pode conseguir, agora que o pessoal “tá” tirando tudo das lojas.
-Assaltar uma loja de conveniência e ser perseguido pela polícia já não foi o suficiente?
-Gosto de viver o perigo. Como o seu protegido.
-Tudo bem. Vamos lá, então.
-“Bora”- pega a chave e sai com a amante, deixando a TV ligada. Em questão de segundos, o aparelho é desligado por Alexandre, que acaba de sair do quarto, ainda com dificuldade.
-Gosta do perigo, Paulo? Bom saber. Eu também. Mas eu tenho que saber se a vida realmente andou depois que eu fugi de casa.


No presídio, Murilo acompanha Irandir que ainda está desacordado. Os carcereiros ainda olham para o detento, desesperado com a situação do companheiro.
-Eu vou orar por você. Vou orar o Salmo 23... - diz, nervoso.
O médico chega.
-Com licença- abaixa-se e verifica os olhos do paciente.
-Salva ele, doutor.
-Vamos ver...
-O que é que ele tem?
-Febre, mau súbito, pele amarelada. Ele provavelmente contraiu hepatite. Pelo visto, é do tipo fulminante. Você nem perto dele deveria estar.
-Não posso sair. Ele precisa de mim. Precisa da minha oração.
-Ele precisa é fazer exame urgente, meu amigo. Por favor, nos dê licença- responde rispidamente.
-Filha... –Irandir acorda.
-“Tá” tudo bem- segura a mão do amigo- O doutor chegou, vai cuidar de você.
-Orou tanto pra aparecer um médico que apareceu um...- afirma, ainda bastante fraco.
-Vamos levar ele pra outra sala. E você volta pra cela.
-Por favor, me dê notícias dele.
-Vou, sim. Fique tranquilo que eu mando notícias.
Os carcereiros levam Murilo de volta à cela.
-Seu amigo parece ser um homem de fé- comenta o médico.
-Não é meu amigo, não, doutor.
-Mas por que ele estava aqui?
-Porque ele é um homem de fé. Tanto orou que o milagre aconteceu.


Alexandre entra no quarto do filho de Murilo pela janela.
-O quarto... As coisas... Parece que “tá” tudo no lugar. Não arrumaram nada. Que vida pra se levar, hein? Pelo menos, passado é passado.
-Pode entrar, irmã- ouve-se a voz de Verônica ao longe.
-Tem gente aqui!- assusta-se.


Murilo, Verônica e Natália se sentam na sala, após terem vindo do culto.
-Eu vou trazer um café pra gente.
-Não, Verônica, não precisa... Você já trouxe a irmã aqui, ela deve estar cansada, passou duas horas sentada ouvindo a palavra, veio conversando com você no caminho... Chega, não é? Deixa ela ir embora.
-Que indelicadeza... Parece até que você quer ver a irmã longe daqui... Ou será que quer?
-Como assim, Verônica?
-Você não acha que eu percebi que tentaram falar baixo depois que eu fui pro quarto? Qualquer cego vê que você está me escondendo alguma coisa, e me escondendo com a conivência dessa mulher.
-A senhora está redondamente enganada.
-Não, minha filha, não estou. Eu reparei: ela não prestou atenção no culto, não abriu a Bíblia nem pra ler a palavra. Isso não é o comportamento de alguém que quer dar um testemunho, e se recusa a fazer isso imediatamente. Vamos lá: o que é que vocês estão me escondendo? Como ela sabe do desaparecimento do “Gigante”? Fala de uma vez, porque se for alguma coisa ruim do meu filho, eu vou aguentar.
Alexandre sai do quarto e se aproxima das escadas, sem ser percebido.
-Verônica, por que essa reação? Eu já disse que essa mulher é uma missionária...
-Por favor, Murilo, eu não nasci ontem. Te conheço há mais de vinte anos! Eu sei muito bem quando você “tá” mentindo. De que igreja ela é? Quer dizer, se é que ela é de uma igreja, não é?
-De nenhuma, Verônica. Eu não sou crente. Não sou evangélica, e muito menos missionária.
-Natália, cala essa boca!
-Não! Deixa ela falar! O que é? Uma amante sua?
-Que despropósito é esse? Desconfiar de mim? De mim, Verônica?
-Hoje de manhã, você convenceu essa mulher a mentir pra mim. Por que eu deveria dar um voto de confiança?
-Porque ele é seu marido!
-Eu não estou falando com você... Ainda.
-Você já falou o suficiente. É a verdade que você quer, e eu vou dizer.
-Ótimo!
-Aliás, eu não saí de São Paulo e vim pra cá pra contar mentira nenhuma...
-“Tá”, “tá”, me poupa dessa conversa mole e diz: quem é você e o que quer com o meu filho?
-Eu sou filha do médico responsável pela sua fertilização in vitro.
-Quê?
-Natália, volta em outra hora. Eu vou conversar com a Verônica. Quando ela estiver mais calma, você fala com ela.
-Evitar essa conversa por quê, Murilo? O que “tá” acontecendo? Se você é filha do médico, do doutor Getúlio, isso não importa!
-Importa, sim. Importa porque ele enganou a vocês dois.
-Enganou como, minha filha? Seja clara de uma vez!
-O “Gigante”, o filho de vocês... Ele não foi concebido por conta de uma fertilização in vitro comum.
-Isso não tem cabimento... O médico mandou eu e o Murilo pro tratamento! Foi assim que eu consegui engravidar, foi assim que o meu filho nasceu...
-Não era o seu óvulo. O meu pai enganou a vocês e a mim também. Ele não usou nenhum dos seus óvulos. A única coisa que ele usou foi o sêmen do seu marido.
-Que idiotice é essa? Você “tá” querendo dizer o quê com isso? Se seu pai, que você diz ser seu pai, jogou meu óvulo no lixo, como é que eu fiquei grávida?
Natália passa a chorar desesperada.
-Com o meu óvulo. Com um dos óvulos que eu congelei na clínica do meu pai.
-O que você quer dizer com isso, sua mentirosa?
-Que o “Gigante” é filho do Murilo... E eu sou a mãe dele!
Os quatro ficam em silêncio. Murilo, Verônica e Alexandre olham para Natália, incrédulos com a revelação.

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