-Irmã? Não, não é possível.
Isso só pode ser um complô, uma armadilha pra mim. O que você pretende com tudo
isso?
-Minha mulher não está
mentindo. A Virna tinha realmente uma irmã gêmea: a Valentina.
-Que loucura é essa...
-Loucura por quê? A coisa
mais normal do mundo... Ou é porque o que você está vendo te lembra alguma
coisa?- provoca Valentina.
-Não me lembra nada. Pelo
contrário: até me provoca. Sabe o quê? Ânsia de vômito.
-Fique sabendo que cada
palavra, cada mentira que você inventou da minha irmã... Você vai pagar. Se não
for aqui, vai ser no inferno.
-Quem vai me comprar a
passagem pro inferno? Você? Que a tal de Virna tenha inventado coisas sobre
mim, ainda vai. Mas convencer que eu a matei? Já é monstruoso demais.
-Minha irmã nunca disse isso.
Até porque ela sempre achou que, com você, ia rolar alguma coisa.
-E pelo visto, não deu tempo
pra ela tomar o chá de Semancol, não é mesmo?
-O que é que você veio fazer
no enterro da minha cunhada?
-Apesar de tudo o que
aconteceu, eu nunca quis, nem desejei que ela tivesse esse fim trágico.
-Que aconteceu no cartório
onde você se casou. Que coincidência, não é? Não desejou que ela morresse, mas
pode ter apertado o gatilho.
-Já que você enche a boca pra
defender a sua mulher, tape a boca dela pra ver se eu sou poupado dessas
asneiras!
-Olha aqui, seu...
-“Olha aqui” nada!- vira-se
para Valentina- Eu acho bom você começar a pensar no que fala, e pra quem fala!
-“Tá” ameaçando a minha
esposa?
-Não! Estou avisando a você e
à sua esposa que calúnia é crime, e que ela pode ser processada por isso.
-Então, vai! Procure seus
direitos. Me processe por dizer a verdade!
-Sabe por que eu vou te
poupar? Porque eu entendo a sua dor. Eu sei o que é perder alguém que eu amo
muito. Se bem que nem dá pra comparar, sua irmã era uma interesseira... -
Leandro se surpreende quando Valentina esbofeteia Bruno.
-A minha irmã só tinha um
defeito: amar você, que não presta!
-Sua irmã demorou muito tempo
pra abrir o jogo, mas deu pra perceber muito bem o que ela amava. Gostava do
que tinha dentro do meu bolso. Ou você acha que eu caí nessa estorinha sem pé nem
cabeça de que ela sempre me amou em silêncio? Ah, vá! Você se apoia nisso
porque não entende que a vida tirou sua irmã de você!
-Não, não foi a vida! Foi
você! Porque sabia que minha irmã ia impedir seu casamento de qualquer maneira!
-E ela ousou! Será que a
polícia, quando viu o corpo dela estirado no cartório, também não achou a arma
que ela “tava” apontando pra mim?
-Arma?
-Ficou interessada? Pois a
sua irmã, quando eu me casei, estava apontando um revólver pra mim e pra minha
mulher!
-E não chamou a polícia por
quê?
-Porque sabia que ela era
covarde! Uma fraca, cuja ambição não iria tão longe assim! Ela me preferia
vivo, porque talvez com o tempo conseguisse destruir o meu casamento!
-Mentira... Você não a
denunciou porque queria acabar com ela, e não deixou que ninguém percebesse
nada!
-Como é que você sabe? Você
“tava” lá?
-Agora chega! Deixa a Valentina
em paz, e vai embora daqui! Anda!
-Seu marido, sim, é um homem
sensato. Não sei o que eu seria capaz de fazer se tivesse que trocar palavra
contigo por mais tempo.
-Não pense você que esta vai
ser a última vez que vai me ver. A polícia começou o inquérito e vai te chamar!
-O que ela pode arrancar de
mim além da verdade, não é? Só quem deve teme a polícia. Quando a minha
possível intimação chegar, a gente conversa.
-Como é que pode ser tão
cínico?
-Eu sou cordial, isso sim.
Cínico, nunca vou ser. Se você quer saber, eu sinto pela morte da sua irmã!
Porque vai depender, única e exclusivamente de mim, consertar a cagada que ela
fez no meu casamento- coloca os óculos escuros e sai do cemitério, sendo visto
de longe por Iago.
-O infeliz ainda teve
capacidade pra vir aqui, como é que pode?- Valentina abraça Leandro.
-Esse pesadelo vai acabar,
meu amor. Confia em mim.
|||||
Plínio repara que algumas
malas estão chegando à sua casa.
-Noêmia, de quem é essa
bagagem?
-Do Bruno, doutor.
-Bruno? Mas por que vieram parar
aqui?
-Eu não sei, também fiquei
preocupada. Mas o taxista disse que ele deu ordens estritas pra deixar as malas
aqui na casa.
-Mas ele se casou ontem...
Será que aconteceu alguma coisa?
-Ah, tomara que não.
-Bom, se ele estiver vindo...
Bruno abre a porta.
-Meu filho, como é que você
está? O que houve?
-Seja discreta como sempre
foi, Noêmia. Pega um uísque pra mim- a empregada fica atônita com o pedido e a
presença do moço- Não vou descontar do seu décimo terceiro, pega a minha
bebida. Vai!
-Com licença.
-Vale pra você também, viu?
Sem perguntas!
-Você contrariado? Pensei que
só eu tinha esse poder.
-Não, se engana. Em mim, você
não causa nada.
-Bom, fique tranquilo! Sobre
o que aconteceu na sua lua de mel, eu prometo ficar calado. Meu assunto com você
é outro.
-Não me diga que vão você e o
pestinha deixar a minha casa? Sim, porque não tem cabimento eu comprar uma casa
pra morar com a Giovanna tendo esse palácio no meu nome.
-Justamente sobre o William
que eu quero falar.
-Se o moleque estiver doente,
você pode quebrar o cofrinho e comprar o remédio. Ajuda financeira pra
sustentar aquele bastardo eu não dou.
-Vai se calar?
-Pra deixar você falar? Não
vou.
-Por que você encheu a cabeça
do meu filho de caraminhola?
-Quando eu fiz isso?
-Ontem, na festa. Fez
insinuações, disse que se ele soubesse o que você sabe de mim, deixaria de me
amar.
-Vamos dizer que eu amo o meu
irmão, e que eu já estou preparando o bichinho para um futuro sofrimento.
-Não basta me torturar! Tem
que torturar também o filho que eu amo!
-Agora chegamos ao ponto!
Ele, que não foi desejado, é alvo do seu amor. Eu, planejado dentro de um
casamento feliz, sou o malvado, o rejeitado, o que merece se ferrar!
-Sua imaturidade é irritante!
Será que você não entende? O seu problema é comigo, não com ele. E eu não te
odeio, apesar de você desejar isso com todas as forças.
-É? E por que eu ia querer
isso?
-Porque assim o seu ódio por
mim seria justificado, e acabaria comigo de uma vez.
-Às vezes, eu fico na dúvida
se eu faço isso lentamente ou ferro contigo de uma vez por todas.
-Só quero ver se isso traz a
sua mãe de volta!
-Não fala dela!
-De quem? Da minha ex-mulher?
Quanto tempo acha que eu vou ser punido por uma coisa que aconteceu quando você
era uma criança?
-Quando ela morreu, “tava”
fugindo de você, da sua presença nefasta, do seu poder de destruição.
-Mas eu não estava pilotando
aquele helicóptero! Eu queria salvá-la, vi o quanto ela estava descontrolada!
-No fim das contas, a morte
da mamãe foi providencial. Você se gaba por ser um homem que, aparentemente,
não tem nada a esconder. Mas você se libertou quando trouxe aquela mulher pra
morar aqui.
-Eu amava a Letícia.
-Eu sei, sei muito bem. É
isso que me consome de ódio. Você me fez acreditar que a gente era uma família
feliz, mas vivia insatisfeito. E foi com essa... Que você foi resolver o seu
problema.
-Bruno, eu sou um homem. Todo
homem tem suas necessidades.
-O que você chama de
instinto, eu chamo de falta de ética. Não quer? Separa! Tem nojo? Larga! Não
suporta ver, conviver, sentir ao lado? Se afasta! Mas nem isso. Porque você se
diz um homem, e pra você, homem é ser nojento! É ser sem moral, é ser um lixo!
Amava tanto a Letícia que dividiu sua vida com ela. A começar pela cama em que
dormia com a minha mãe!
-Não ouse falar assim comigo!
Quem você pensa que é? O ético? O perfeito? O de moral ilibada? Você não é
nada!
-Já William é o filho
maravilhoso. Vai ver porque até o último dia da vida daquela mulher, você a
amou. É por isso que eu odeio aquele menino. Porque ele não é descartável, como
eu sou. Como eu fui, como eu sempre vou ser pra você!
-Do que você quer me
convencer? De que tudo que você faz de errado é pra chamar a minha atenção?
-Não. Eu quero expor a
verdade. Eu quero que você e o mundo todo saibam que eu posso formar uma família.
Sem destruir, sem passar por cima de ninguém. Dando amor a uma mulher que
merece ser amada, que não vai me enganar.
-Certeza sobre a Giovanna, se
ela será fiel ou não, nunca terá.
-Mas não vai partir de mim a
traição. Eu me casei pra vida toda. Se ela não vai me respeitar, aí já é outra
coisa. Mas eu sei de mim. Eu sei que eu começo e posso terminar meu casamento
sem máculas. Já você conseguiu errar. Com as duas.
-Não se gabe. Não ser um
assassino, como diz que eu sou, não te impede de, algum dia, ver alguém
esfregar na sua cara seus erros mais terríveis.
-Eu não digo, pai. Afirmo!
Que eu não posso errar... E que você é um assassino.
-Aonde você vai?
-Vou procurar a minha mulher.
-Onde ela está?
-Longe de mim. Mas eu sei
como trazê-la pra perto- abre a porta da mansão.
-Se for grave, deixa eu ir
com você... –toca levemente o ombro do filho.
-Não me toca. Por favor...
Não me toca- vai à casa onde Giovanna está.
-Cadê o Bruno?- pergunta
Noêmia, com o copo de uísque na mão, que é tomado por Plínio.
-Foi atrás da mulher.
-Será que foi grave o que
aconteceu, doutor?
-Tudo o que acontece na vida
dele é grave, Noêmia.
|||||
O interfone do apartamento
dos pais de Giovanna toca.
-Pronto?- diz à moça,
abatida.
-Dona Giovanna, tem um
entregador aqui embaixo. Disse que tem uma encomenda pra senhora assinar. Posso
mandar subir?
-Entregador? Claro, pede pra
ele vir, por favor. Obrigada.
Alguém bate à porta. Giovanna
identifica aquele modo de tocar, e desconfia de que Bruno tenha alguma coisa a
ver com o pedido misterioso. Dito e feito: ela abre para receber o entregador e
se depara com o próprio marido segurando um buquê de rosas vermelhas.
-Desculpe, eu pedi pro
porteiro mentir. Na verdade, eu o subornei.
-O que não é muito comum pra
você. Mentir deve ser uma tormenta.
-Não precisa ser irônica
comigo.
-Claro que não. Nesse
quesito, você me vence. Há quanto tempo você me fez de palhaça?
-O que eu preciso dizer ou
fazer pra que você acredite em mim?
-Eu não consigo, Bruno. Às
vezes, eu acho que isso tudo é um pesadelo, que essas lágrimas vão secar, que
eu vou amanhecer no sul ao seu lado... Mas aí vejo que não tem mais jeito.
-Isso poderia ser dito se nós
tivéssemos passando por uma crise no nosso casamento.
-E por acaso não estamos?
-Giovanna, você nem se deu o
benefício de duvidar de mim... Muito pelo contrário: tomou o golpe daquela
vigarista como verdade.
-Então, vai me contar de onde
conhece a tal de Virna?
-Conhecia. Ela não existe
mais.
-Como assim? O que quer
dizer?
-Que a Virna é página virada
na minha vida. Aliás, ela não tem página nenhuma, porque é desimportante, sempre
foi.
-Como é que você me explica
isso, então? O que eu li? O fato de não conseguir crer numa só palavra do que
você diz?
-Virna queria realizar um
amor. Queria ter aquilo que nós construímos durante anos, começar o capítulo
maravilhoso que tínhamos reservado.
-Quer me explicar, sem
rodeios?
-Essa moça era a minha
secretária.
-Não acredito nisso...
-Há dois dias, na véspera do
nosso casamento, essa menina veio me procurar e dizer exatamente aquilo que
estava no e-mail: que eu não podia me casar com você porque ela me amava.
-Como é que você tem coagem
de dizer isso na minha cara?
-Eu não quero ter de mentir
pra você. Aliás, não faria sentido, já que eu sou conhecido pela minha absoluta
franqueza.
-Mas é lógico que quando você
soube, deve ter se sentido envaidecido! Que espécie de homem não ficaria, ainda
mais sabendo o quanto é bonito e culto feito você?
-Envaidecido, sim. Com
amnésia, não! Eu sempre fui bem claro quando te pedi em casamento, porque disse
que queria formar uma família. A minha especialidade não é arte cênica, é
arqueologia! Não tenho porque mentir!
-Mas omitiu por quê?
-Porque eu sei que isso te
irritaria! Você ficaria insegura, pensaria até em adiar o nosso casamento. E eu
não podia esperar mais, Giovanna. Não posso porque quanto mais perto eu fico do
seu lado, mais certeza eu tenho de que você é a mulher que eu sempre desejei. A
única.
-Não sei como pode ter tanta
certeza de que eu ainda quero você.
-Vim te procurar aqui, na
casa da sua mãe, porque sabia que ela era o seu porto seguro depois de mim.
-O que você quer dizer com,
isso?
Bruno joga o buquê no chão.
-Que eu não preciso de flor,
de declaração de amor, de joelhos no chão pra te convencer. Quanto mais
veemência você tiver ao dizer que quer me ver longe da sua vida, mais certeza
eu vou ter de que aquilo que você diz não condiz com o que realmente sente. Só
eu posso ocupar a sua mente. O seu coração, Giovanna.
-Some da minha frente.
-Tem certeza de que não me
quer mais um só segundo na sua vida? Porque quando eu abrir aquela porta, pode
ter certeza de que eu não volto mais. É isso o que você quer?
O modo racional e frio de
Bruno dá lugar a um olhar jamais lançado à Giovanna. A languidez demonstrada
fez com que ela não reconhecesse o marido. Mas nem por isso o rapaz deixou de
ser, para ela, um tipo irresistível.
|||||
Valentina está varrendo o seu
quarto, com a janela aberta, e bastante abatida. Leandro aparece com um copo de
café.
-Toma, vai fazer bem.
-Não tenho sede.
-Assim, você não pode ficar.
-Não se preocupe. Uma hora, a
minha agonia acaba.
-E quando é que vai ser isso,
Valentina?
-Queria dar essa resposta
primeiro pra mim.
-Meu amor, eu sei que a gente
“tá” vivendo um pesadelo, mas a gente tem que encontrar um jeito pra acordar, e
o mais rápido possível.
-Só que quando eu acordar, Leandro,
ela não vai “tá” aqui. E não vai ser porque ela viajou, sofreu um acidente,
adoeceu ou coisa assim. Tiraram ela de mim. Aquele desgraçado tirou ela de mim!
-Ninguém sabe se foi o Bruno
mesmo...
-Por favor! Não é possível
que você use tanto a cabeça pra não se dar conta. Ninguém odiava a minha irmã,
ninguém queria que ela sumisse da face da terra a não ser esse cara... E você
viu o rosto dele? O jeito como ele olhou pra gente? Como falou?
-Isso não quer dizer nada,
Valentina.
-Pode ser, mas uma certeza eu
tenho. Sendo ele culpado ou não, a polícia não “tá” nem aí pro caso, porque se
tivesse, a essas alturas alguém já tinha aparecido pra ser chamado de suspeito.
-Calma. Você apontou um
suspeito, lembra?
-Que pode muito bem sair de
viagem e fazer a gente de palhaço.
-Não, meu amor. O seu
depoimento fez a polícia pensar um pouco sobre essa relação entre o tal de
Bruno e sua irmã.
-Como assim? O que você sabe?
-Iago pediu pra avisar que
daqui a pouco, dois homens encarregados por ele vão entregar a intimação pra
que aquele cara deponha no caso da Virna.
-Quer dizer que eu posso ter
esperanças?
-Dizem que é a última que
morre, não é?
-Não vejo a hora.
|||||
Após um momento a sós com seu
marido, Giovanna ouve a campainha de sua casa sendo tocada. Estranha bastante,
já que é a segunda visita inesperada da tarde. Levanta-se da cama e põe uma
roupa rapidamente.
-Pois não?
-É aqui que mora Bruno
Reinchenbach?
-Chegou há uns minutos... Mas
como vocês souberam que ele estava aqui? Tínhamos saído pra viagem em lua de
mel...
-Checamos no Instituto
Mentes. Fomos informados que, por motivos não revalados, vocês anteciparam a
volta à cidade. Ele está aí?
-Quem “tá” me procurando?-
aparece o rapaz, saído do quarto e sem camisa.
-Bruno, por favor, veste uma
roupa.
-Pra quê tanta cerimônia?
-Eles são da polícia- explica
Giovanna, envergonhada.
-Polícia?Aqui?
-Vocês podem explicar o que
está acontecendo aqui? Por que estão procurando o meu marido?
-Na verdade, viemos a pedido
do delegado Iago Pereira para lhe entregar uma intimação. Pode assinar, por
favor?- pergunta o outro rapaz enviado por Iago.
-Intimação pra quê?
-Pra que o senhor deponha
sobre o assassinato de uma das funcionárias do Instituto Mentes: Virna Viana,
ocorrida na tarde de ontem.
-Assassinato?- incrédula,
Giovanna olha para o esposo, que exibe descontentamento ante a face dos
policiais, justamente após se reconciliar com a mulher.
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