24/11/2014

MENTES/ CAPÍTULO 27: TUDO O QUE NÃO QUIS MOSTRAR

Na cama, acorda Valentina com dor de cabeça. Ele se vê coberta com um lençol branco, que não consegue esconder o sangramento que sofreu. Ela estranha a mancha e vai, aos poucos, recordando do que aconteceu.
-Ele me usou... Aquele desgraçado me usou! Desgraçado!- chora copiosamente no quarto em que está hospedada.
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Noêmia pede para as empregadas servirem o café da manhã. Plínio vai até a sala.
-E o William?
-Acordou agora há pouco, Doutor, daqui a pouco descerá para tomar café com o senhor. O senhor vai sair?
-Tenho que fazer uma viagem com urgência.
-Mas pra onde o senhor vai?
-Pra Maceió?.
-Alguma coisa relacionada ao Bruno?
-Mais ou menos. Noêmia, eu não sei quanto tempo eu precisarei pra ficar lá, mas eu te peço que cuide do William. E, principalmente, não o deixe sozinho no meu quarto. Evite que ele bisbilhote as coisas da mãe.
-Doutor, o senhor pode confiar em mim. Sabe o quanto sou discreta.
-Primeiro, eu quero avaliar a situação quando eu chegar lá, Noêmia. Depois eu te contarei todos os detalhes. Mas se eu confirmar a informação que recebi, vai ser uma verdadeira bomba sobre a nossa família.

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Bruno volta à igreja. Felipe está saindo da casa paroquial e encontra o arqueólogo.
-Minhas preces foram atendidas. Pensei que tinha acontecido alguma coisa.
-O senhor ainda está vestindo abatina da quermesse?
-Não sei o que houve, minha batina sumiu.
-Aqui está- entrega-lhe.
-Por que estava com ela? E onde esteve o dia todo de ontem?
-Uma pergunta de cada vez, Padre.
-Bruno, eu fiquei preocupado!
-Eu preciso de um favor seu. Prometo que vai ser o último favor que eu te peço na vida.
-O que você quer?
-Quero que você me leve de volta à minha casa, em Recife.
-Decidiu voltar? Sem provas da sua inocência?
-Vou conseguir, mais cedo do que o senhor imagina. Acontece que eu preciso contar com a ajuda de outra pessoa., que está lá.
-Tem certeza do que está fazendo, meu filho?
-Absoluta.
-Esse seu sumiço repentino tem a ver com essa decisão?
-Tudo a ver. Pode parecer loucura o que eu vou dizer, mas eu descobri uma verdade.
-A que se refere?
-O meu filho não morreu, Padre. Isso foi uma mentira da minha mulher, porque ela tinha acreditado que eu iria fazer mal a ela e ao bebê.
-Santo Deus! Como foi que você descobriu isso?
-É o de menos, Padre. Agora, eu tenho que voltar pra Recife. Lá eu poderei ficar perto de quem me fez tanto mal.
-Também descobriu algo sobre a Valentina, a moça que tanto te acusa?
-Isso eu prefiro não afirmar, por enquanto. Mas ela tem algo mais a esconder.
-Por que diz isso?
-Porque quem mente não se contenta em enganar os outros uma única vez, padre. Vira um vício.

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Horas depois, Felipe e Bruno chegam à casa de Plínio.
-Você ainda está em tempo de pensar melhor, meu filho.
-Eu já pensei muito, Padre. Não posso esperar tanto pra agir.
-Mas a pessoa para a qual você irá pedir ajuda, ela é de confiança?
-Assim como o senhor. Eu nunca vou ter como recompensá-lo pelo que fez por mim.
-Terá, sim.
-Como? Arrecadando alimentos não perecíveis para a Igreja Alagoana da Caridade?
-Sem ironias, lembra?- Bruno ri timidamente- Eu só quero que você encontre a paz espiritual que tanto necessita e, principalmente, que seja feliz sem ter de passar por cima dos outros.
-Prometo que vou procurar essa paz. Difícil é, mas eu acabo achando.
-Com certeza. Não é você quer vivia dizendo que sempre conquistou tudo o que quis?
-Posso até dizer, mas é mentira. Eu não posso voltar no tempo e ter a minha mãe de volta.
-Não use essa ausência como pretexto pra ter atitudes condenáveis, Bruno. Admire e honre sua mãe, sem se esquecer de respeitar a memória dela.
-Obrigado por tudo, Padre- aperta a mão do sacerdote, para em seguida, tocar a campainha da mansão. Noêmia abre a porta e, ao ver seu protegido, dá-lhe um caloroso abraço. Felipe fica contente e presenciar a cena.
-Obrigado por me orientar, Senhor. Agora eu sei que ele está em boas mãos- e tira o veículo do local, voltando para Maceió.

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Na rodoviária, ainda de manhã, Valentina está voltando para Recife. O celular toca.
-O que você quer?
-Nossa, meu amor! Que bicho te mordeu?
-Fala de uma vez, Iago, que eu acordei péssima hoje!
-Queria saber o que foi que resolveu do Leandro.
-Nada. Ele me enxotou do hospital que a mãe dele está internada.
-E qual é a situação dela?
-E eu lá quero saber daquela velha, Iago? Quero mais é que ela se exploda! Ou melhor, que exploda aquele filho dela!
-Ele te tratou com tanta ignorância assim?
-Pior do que isso, meu querido: jogou na minha cara que sabe do nosso caso.
-Ele não descobriu também sobre o...
-Não, isso não. Quer dizer, eu não sei! Mas o pior veio depois. Sabe quem está no hospital também? A Giovanna!
-Fazendo o quê?
-Veio pra cá ter o bebê que esperava do Bruno. Você acredita nisso?
-Espera, ela não tinha falado que perdeu o bebê naquela vez que o Bruno a derrubou da escada?
-A miserável mentiu pra todo mundo! Agora, ela tem um filho dele.
-Mas, em relação ao Leandro, o que a gente vai fazer?
-Vou voltar pra casa. Leandro não vai voltar e, mesmo que quisesse, tem que cuidar da mãe doente. E é o que me restou, não tenho pra onde ir.
-Valentina, por que você não vem pro meu apartamento?
-E fazer as pessoas desconfiarem de que eu sou sua cúmplice pra prejudicar o Bruno? Nem pensar. Além do mais, é melhor voltar pra ficar perto daquele desgraçado. Se ele estiver aí, vai ser muito mais fácil pra polícia de capturá-lo.

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Correndo, Noêmia e Bruno vão ao quarto de Plínio.
-Meu querido, você não sabe a aflição que eu senti sem notícias suas. Onde você estava?- ambos sentam na cama.
-Isso não vem ao caso, Noêmia. Eu voltei porque eu preciso da sua ajuda.
-Como eu posso te ajudar, meu querido?
-Eu preciso que você me escute. Acabei de saber que a Giovanna mentiu pra mim.
-Mentiu em quê?
-Em dizer que o nosso filho havia morrido naquele estúpido acidente. Ela levou a gravidez adiante sem contar nada a ninguém.
-Não pode ser... Como é que ela teve a coragem de fazer isso, de causar essa dor a todos nós?
-O pior não é isso. O bebê está doente e precisa de um transplante de medula. Ela pensou em procurar o Plínio pra ver se ele poderia ajudar, mas disse que não faria isso só pra que eu não me aproximasse do meu filho.
-Quanta monstruosidade, meu filho. Você não merece tanto sofrimento.
-Eu fui ao hospital vê-lo. Noêmia, você tinha que estar lá comigo. Ele é tão lindo. A criança mais linda que eu já vi na minha vida- Noêmia se comove com as palavras do rapaz- Mas eu descobri algo mais grave quando saí do hospital.
-Do que se trata?- Noêmia seca as lágrimas.
-Sabe quem estava num bar perto do hospital, enchendo a cara? Valentina Viana.
-A irmã gêmea da moça que morreu? Que era sua secretária?
-A própria.
-Ela te viu?
-Mais do que isso. Mas não se preocupe, ela não sabe onde estou escondido, muito menos quem me ajudou todo esse tempo.
-O que você quis dizer com “mais do que isso”?
-Eu desconfiava de que ela devia ter uma espécie de amor incubado por mim. Como a irmã não conseguiu chamar a minha atenção nesses anos que convivemos juntos, a Valentina tentou fazer isso só que da maneira contrária: sendo minha maior inimiga.
-Bruno, me desculpe, mas isso não tem o menor sentido!
-Vai ver que tem. Aproveitei que ela estava mais pra lá do que cá e a seduzi.
-Você foi capaz de descer tão baixo?
-Sou capaz de tudo, Noêmia. Até das coisas que estão me acusando. Só não as fiz.
-Mas por quê?
-Pra ver se ela abria a boca, se admitia que me persegue porque gosta de mim, se revelava que entrou no meu escritório pra pegar a bomba que explodiu no carro do Abílio.
-E ela falou alguma coisa?
-Nada. Mas nós dois...
-Por favor, eu não quero terminar de ouvir.
-Você precisa. Eu só posso confiar em você. Foi isso mesmo que está pensando: nós dois dormimos juntos. Quer dizer, ela dormiu depois, desmaiada de tão bêbada. Mas nos mantivemos bastante acordados durante a noite passada!
-Chega, Bruno- Noêmia levanta da cama.
-Chega uma ova! Senta aí e me escuta!- a governanta atende, chocada- Eu descobri uma coisa muito estranha sobre ela.
-E isso tem a ver com os crimes que ela te acusa?
-Não sei. Isso eu só vou ter certeza depois que nós dois raciocinarmos melhor. Mas não deixa de ser chocante. Ela era virgem.
-O quê?
-Sim, a Valentina não havia tido experiência sexual até ontem à noite.
-Bruno, essa moça é casada com um delegado.
-Que nunca tocou nela, pelo visto. Entende aonde eu quero chegar?
-Você não está sugerindo que...
-Noêmia, eu não sou homem de sugerir. Aliás, homem de verdade não sugere: afirma veementemente.  Valentina não existe. Essa moça que clama por justiça, devido à morte da irmã, é a própria Virna!
-Mas encontraram um corpo lá no cartório onde você e a Giovanna casaram.
-Não sei se aquele enterro foi uma farsa ou não. Mas se essa estória de irmã gêmea for verdade, então foi a verdadeira Valentina que morreu. E essa, que me persegue, é a mesma mulher que na véspera do meu casamento, se declarou pra mim e eu a rejeitei. Só isso explicaria tamanho ódio.
-Bruno, isso é loucura!
-Você seria capaz mesmo de fazer tudo por mim, como afirma desde que me entendo por gente?
-Fiz por você até mais do que imagina, Bruno.
-Então, você vai me ajudar a destruir essa mulher.
-Não está pensando em matá-la, está?
-Sim, estou pensando. Mas não vou sujar minhas mãos, se é isso que te aflige. Eu quero colocá-la na cadeia por falsidade ideológica. E depois, acusá-la pela morte do Abílio.
-Como fará isso, Bruno?
-Eu preciso que você entre em contato com essa mulher, nesta noite. Plínio virá pra jantar?
-Não, seu pai está viajando e não sabe quando volta.
-Perfeito. É a noite maravilhosa pra desmascará-la.

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A campainha da mansão toca novamente. Uma empregada atende.
-Você é a tal de Noêmia que me ligou?- pergunta Virna.
-Eu sou Noêmia, Valentina. Seja bem-vinda.
-Obrigada- coloca a bolsa sobre o sofá.
-Judite, você poderia nos deixar sozinhas?
-Claro, Dona Noêmia. Com licença.
-Ah, avise aos empregados que eu não quero ser incomodada enquanto estiver conversando com esta moça. Portanto, nada de saírem dos quartos ou da área de serviço.
-Sim, senhora- a doméstica se retira.
-Valentina, quer ter a bondade de me acompanhar até o escritório?
-Claro- pega a bolsa.
-Não se preocupe, os empregados são de confiança. Ninguém vai roubá-la.
-Está bem- ambas entram no escritório de Plínio assim que Virna larga a bolsa novamente. Noêmia fecha a porta.
-Sente-se, querida.
-Eu estranhei sua ligação. Só vim porque disse que queria falar sobre o Bruno. Aliás, quem é a senhora?
-Nós já nos vimos quando houve aquele episódio lamentável do aborto da Giovanna, que culminou na internação do Bruno numa clínica psiquiátrica.
-Sim, agora eu me recordo. A senhora deve ser a governanta que o criou como um filho.
-Está muito bem informada sobre mim, não é mesmo?- Virna empalidece- Como sabe disso?
-Sei de tudo sobre o Bruno desde que começaram as investigações sobre a morte da minha irmã. A moça que trabalhava com aquele... Com o seu protegido.
-Valentina, eu vou direto ao assunto.
-Por favor.
-Está vendo isso aqui?- mostra um talão de cheques.
-Não sou cega, minha senhora. Pare de me enrolar.
-Ótimo! Me diga o seu preço.
-Como é?
-Quanto você quer que eu te pague pra retirar a acusação que você fez contra o Bruno?

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