Na cama, acorda Valentina com
dor de cabeça. Ele se vê coberta com um lençol branco, que não consegue
esconder o sangramento que sofreu. Ela estranha a mancha e vai, aos poucos,
recordando do que aconteceu.
-Ele me usou... Aquele
desgraçado me usou! Desgraçado!- chora copiosamente no quarto em que está
hospedada.
|||||
Noêmia pede para as empregadas
servirem o café da manhã. Plínio vai até a sala.
-E o William?
-Acordou agora há pouco, Doutor,
daqui a pouco descerá para tomar café com o senhor. O senhor vai sair?
-Tenho que fazer uma viagem
com urgência.
-Mas pra onde o senhor vai?
-Pra
Maceió?.
-Alguma coisa relacionada ao
Bruno?
-Mais ou menos. Noêmia, eu
não sei quanto tempo eu precisarei pra ficar lá, mas eu te peço que cuide do
William. E, principalmente, não o deixe sozinho no meu quarto. Evite que ele
bisbilhote as coisas da mãe.
-Doutor, o senhor pode
confiar em mim. Sabe o quanto sou discreta.
-Primeiro, eu quero avaliar a
situação quando eu chegar lá, Noêmia. Depois eu te contarei todos os detalhes. Mas
se eu confirmar a informação que recebi, vai ser uma verdadeira bomba sobre a
nossa família.
|||||
Bruno volta à igreja. Felipe
está saindo da casa paroquial e encontra o arqueólogo.
-Minhas preces foram
atendidas. Pensei que tinha acontecido alguma coisa.
-O senhor ainda está vestindo
abatina da quermesse?
-Não sei o que houve, minha
batina sumiu.
-Aqui está- entrega-lhe.
-Por que estava com ela? E
onde esteve o dia todo de ontem?
-Uma pergunta de cada vez,
Padre.
-Bruno, eu fiquei preocupado!
-Eu preciso de um favor seu.
Prometo que vai ser o último favor que eu te peço na vida.
-O que você quer?
-Quero que você me leve de
volta à minha casa, em Recife.
-Decidiu voltar? Sem provas
da sua inocência?
-Vou conseguir, mais cedo do
que o senhor imagina. Acontece que eu preciso contar com a ajuda de outra pessoa.,
que está lá.
-Tem certeza do que está
fazendo, meu filho?
-Absoluta.
-Esse seu sumiço repentino
tem a ver com essa decisão?
-Tudo a ver. Pode parecer
loucura o que eu vou dizer, mas eu descobri uma verdade.
-A que se refere?
-O meu filho não morreu,
Padre. Isso foi uma mentira da minha mulher, porque ela tinha acreditado que eu
iria fazer mal a ela e ao bebê.
-Santo Deus! Como foi que
você descobriu isso?
-É o de menos, Padre. Agora,
eu tenho que voltar pra Recife. Lá eu poderei ficar perto de quem me fez tanto
mal.
-Também descobriu algo sobre
a Valentina, a moça que tanto te acusa?
-Isso eu prefiro não afirmar,
por enquanto. Mas ela tem algo mais a esconder.
-Por que diz isso?
-Porque quem mente não se
contenta em enganar os outros uma única vez, padre. Vira um vício.
|||||
Horas depois, Felipe e Bruno
chegam à casa de Plínio.
-Você ainda está em tempo de
pensar melhor, meu filho.
-Eu já pensei muito, Padre.
Não posso esperar tanto pra agir.
-Mas a pessoa para a qual você
irá pedir ajuda, ela é de confiança?
-Assim como o senhor. Eu
nunca vou ter como recompensá-lo pelo que fez por mim.
-Terá, sim.
-Como? Arrecadando alimentos
não perecíveis para a Igreja Alagoana da Caridade?
-Sem ironias, lembra?- Bruno
ri timidamente- Eu só quero que você encontre a paz espiritual que tanto
necessita e, principalmente, que seja feliz sem ter de passar por cima dos
outros.
-Prometo que vou procurar
essa paz. Difícil é, mas eu acabo achando.
-Com certeza. Não é você quer
vivia dizendo que sempre conquistou tudo o que quis?
-Posso até dizer, mas é
mentira. Eu não posso voltar no tempo e ter a minha mãe de volta.
-Não use essa ausência como
pretexto pra ter atitudes condenáveis, Bruno. Admire e honre sua mãe, sem se esquecer
de respeitar a memória dela.
-Obrigado por tudo, Padre-
aperta a mão do sacerdote, para em seguida, tocar a campainha da mansão. Noêmia
abre a porta e, ao ver seu protegido, dá-lhe um caloroso abraço. Felipe fica
contente e presenciar a cena.
-Obrigado por me orientar,
Senhor. Agora eu sei que ele está em boas mãos- e tira o veículo do local,
voltando para Maceió.
|||||
Na rodoviária, ainda de manhã,
Valentina está voltando para Recife. O celular toca.
-O que você quer?
-Nossa, meu amor! Que bicho
te mordeu?
-Fala de uma vez, Iago, que
eu acordei péssima hoje!
-Queria saber o que foi que
resolveu do Leandro.
-Nada. Ele me enxotou do
hospital que a mãe dele está internada.
-E qual é a situação dela?
-E eu lá quero saber daquela
velha, Iago? Quero mais é que ela se exploda! Ou melhor, que exploda aquele
filho dela!
-Ele te tratou com tanta
ignorância assim?
-Pior do que isso, meu
querido: jogou na minha cara que sabe do nosso caso.
-Ele não descobriu também
sobre o...
-Não, isso não. Quer dizer,
eu não sei! Mas o pior veio depois. Sabe quem está no hospital também? A
Giovanna!
-Fazendo o quê?
-Veio pra cá ter o bebê que
esperava do Bruno. Você acredita nisso?
-Espera, ela não tinha falado
que perdeu o bebê naquela vez que o Bruno a derrubou da escada?
-A miserável mentiu pra todo
mundo! Agora, ela tem um filho dele.
-Mas, em relação ao Leandro,
o que a gente vai fazer?
-Vou voltar pra casa. Leandro
não vai voltar e, mesmo que quisesse, tem que cuidar da mãe doente. E é o que
me restou, não tenho pra onde ir.
-Valentina, por que você não
vem pro meu apartamento?
-E fazer as pessoas
desconfiarem de que eu sou sua cúmplice pra prejudicar o Bruno? Nem pensar.
Além do mais, é melhor voltar pra ficar perto daquele desgraçado. Se ele
estiver aí, vai ser muito mais fácil pra polícia de capturá-lo.
|||||
Correndo, Noêmia e Bruno vão
ao quarto de Plínio.
-Meu querido, você não sabe a
aflição que eu senti sem notícias suas. Onde você estava?- ambos sentam na
cama.
-Isso não vem ao caso,
Noêmia. Eu voltei porque eu preciso da sua ajuda.
-Como eu posso te ajudar, meu
querido?
-Eu preciso que você me
escute. Acabei de saber que a Giovanna mentiu pra mim.
-Mentiu em quê?
-Em dizer que o nosso filho
havia morrido naquele estúpido acidente. Ela levou a gravidez adiante sem
contar nada a ninguém.
-Não pode ser... Como é que
ela teve a coragem de fazer isso, de causar essa dor a todos nós?
-O pior não é isso. O bebê
está doente e precisa de um transplante de medula. Ela pensou em procurar o
Plínio pra ver se ele poderia ajudar, mas disse que não faria isso só pra que
eu não me aproximasse do meu filho.
-Quanta monstruosidade, meu
filho. Você não merece tanto sofrimento.
-Eu fui ao hospital vê-lo.
Noêmia, você tinha que estar lá comigo. Ele é tão lindo. A criança mais linda
que eu já vi na minha vida- Noêmia se comove com as palavras do rapaz- Mas eu
descobri algo mais grave quando saí do hospital.
-Do que se trata?- Noêmia
seca as lágrimas.
-Sabe quem estava num bar
perto do hospital, enchendo a cara? Valentina Viana.
-A irmã gêmea da moça que
morreu? Que era sua secretária?
-A própria.
-Ela te viu?
-Mais do que isso. Mas não se
preocupe, ela não sabe onde estou escondido, muito menos quem me ajudou todo
esse tempo.
-O que você quis dizer com “mais
do que isso”?
-Eu desconfiava de que ela
devia ter uma espécie de amor incubado por mim. Como a irmã não conseguiu
chamar a minha atenção nesses anos que convivemos juntos, a Valentina tentou
fazer isso só que da maneira contrária: sendo minha maior inimiga.
-Bruno, me desculpe, mas isso
não tem o menor sentido!
-Vai ver que tem. Aproveitei
que ela estava mais pra lá do que cá e a seduzi.
-Você foi capaz de descer tão
baixo?
-Sou capaz de tudo, Noêmia.
Até das coisas que estão me acusando. Só não as fiz.
-Mas por quê?
-Pra ver se ela abria a boca,
se admitia que me persegue porque gosta de mim, se revelava que entrou no meu
escritório pra pegar a bomba que explodiu no carro do Abílio.
-E ela falou alguma coisa?
-Nada. Mas nós dois...
-Por favor, eu não quero
terminar de ouvir.
-Você precisa. Eu só posso
confiar em você. Foi isso mesmo que está pensando: nós dois dormimos juntos.
Quer dizer, ela dormiu depois, desmaiada de tão bêbada. Mas nos mantivemos
bastante acordados durante a noite passada!
-Chega, Bruno- Noêmia levanta
da cama.
-Chega uma ova! Senta aí e me
escuta!- a governanta atende, chocada- Eu descobri uma coisa muito estranha
sobre ela.
-E isso tem a ver com os
crimes que ela te acusa?
-Não sei. Isso eu só vou ter
certeza depois que nós dois raciocinarmos melhor. Mas não deixa de ser
chocante. Ela era virgem.
-O quê?
-Sim, a Valentina não havia
tido experiência sexual até ontem à noite.
-Bruno, essa moça é casada
com um delegado.
-Que nunca tocou nela, pelo
visto. Entende aonde eu quero chegar?
-Você não está sugerindo
que...
-Noêmia, eu não sou homem de
sugerir. Aliás, homem de verdade não sugere: afirma veementemente. Valentina não existe. Essa moça que clama por
justiça, devido à morte da irmã, é a própria Virna!
-Mas encontraram um corpo lá
no cartório onde você e a Giovanna casaram.
-Não sei se aquele enterro
foi uma farsa ou não. Mas se essa estória de irmã gêmea for verdade, então foi
a verdadeira Valentina que morreu. E essa, que me persegue, é a mesma mulher
que na véspera do meu casamento, se declarou pra mim e eu a rejeitei. Só isso
explicaria tamanho ódio.
-Bruno, isso é loucura!
-Você seria capaz mesmo de
fazer tudo por mim, como afirma desde que me entendo por gente?
-Fiz por você até mais do que
imagina, Bruno.
-Então, você vai me ajudar a
destruir essa mulher.
-Não está pensando em
matá-la, está?
-Sim, estou pensando. Mas não
vou sujar minhas mãos, se é isso que te aflige. Eu quero colocá-la na cadeia
por falsidade ideológica. E depois, acusá-la pela morte do Abílio.
-Como fará isso, Bruno?
-Eu preciso que você entre em
contato com essa mulher, nesta noite. Plínio virá pra jantar?
-Não, seu pai está viajando e
não sabe quando volta.
-Perfeito. É a noite
maravilhosa pra desmascará-la.
|||||
A campainha da mansão toca
novamente. Uma empregada atende.
-Você é a tal de Noêmia que
me ligou?- pergunta Virna.
-Eu sou Noêmia, Valentina.
Seja bem-vinda.
-Obrigada- coloca a bolsa
sobre o sofá.
-Judite, você poderia nos
deixar sozinhas?
-Claro, Dona Noêmia. Com
licença.
-Ah, avise aos empregados que
eu não quero ser incomodada enquanto estiver conversando com esta moça.
Portanto, nada de saírem dos quartos ou da área de serviço.
-Sim, senhora- a doméstica se
retira.
-Valentina, quer ter a
bondade de me acompanhar até o escritório?
-Claro- pega a bolsa.
-Não se preocupe, os
empregados são de confiança. Ninguém vai roubá-la.
-Está bem- ambas entram no
escritório de Plínio assim que Virna larga a bolsa novamente. Noêmia fecha a
porta.
-Sente-se, querida.
-Eu estranhei sua ligação. Só
vim porque disse que queria falar sobre o Bruno. Aliás, quem é a senhora?
-Nós já nos vimos quando
houve aquele episódio lamentável do aborto da Giovanna, que culminou na
internação do Bruno numa clínica psiquiátrica.
-Sim, agora eu me recordo. A
senhora deve ser a governanta que o criou como um filho.
-Está muito bem informada
sobre mim, não é mesmo?- Virna empalidece- Como sabe disso?
-Sei de tudo sobre o Bruno
desde que começaram as investigações sobre a morte da minha irmã. A moça que
trabalhava com aquele... Com o seu protegido.
-Valentina, eu vou direto ao
assunto.
-Por favor.
-Está vendo isso aqui?-
mostra um talão de cheques.
-Não sou cega, minha senhora.
Pare de me enrolar.
-Ótimo! Me diga o seu preço.
-Como é?
-Quanto você quer que eu te
pague pra retirar a acusação que você fez contra o Bruno?
Nenhum comentário:
Postar um comentário