Voltando ao hospital pela
manhã, Marisa tenta contato novamente com Plínio. Noêmia atende ao chamado.
-Residência da Família Reinchenbach?
-Noêmia, é a Marisa outra
vez.
-Ah, sim, Dona Marisa. Eu vou
chamá-lo agora mesmo. Só um minuto.
-Eu espero, Noêmia. Obrigada.
A governanta sobe até o
quarto de Plínio, que está com uma feição confusa.
-Doutor Plínio... O que o
senhor tem?
-Não sei... Eu acho que tinha
que ter feito alguma coisa relacionada ao instituto, mas não lembro do quê.
-Será que não é algum
relatório pra revisar?
-Eu não sei, Helena, não sei.
-Doutor, Helena é o nome de
sua primeira esposa. Eu sou Noêmia.
-Ah, claro. Claro. Que cabeça
a minha... Então, é... Noêmia... Por que veio até aqui?
-A mãe da Giovanna, a Dona
Marisa, está tentando falar com o senhor desde ontem.
-Certo, me dá aqui.
-Com licença, senhor.
-Tem toda. Alô?
-Plínio, eu preciso falar com
você, é urgente.
-O que houve, Marisa? Algum
problema com a Giovanna?
-Plínio, nós precisamos que
você venha o mais rápido possível pra Maceió. Você tem algum compromisso
marcado pra depois do trabalho?
-Não, eu venho pra casa.
Posso fazer a minha mala e ir pra lá. Vocês estão em Maceió?
-É. Viemos pra cá depois...
Depois que tudo aquilo aconteceu com a Giovanna.
-Só precisam me dizer onde
estão. Marisa, o que é que está acontecendo? Pode me adiantar pelo telefone?
-Eu acho que é melhor você
sentar. O assunto é mais sério do que você imagina.
-Fala de uma vez, o que foi?
-Como eu posso te dizer isso...
O bebê sobreviveu à queda que a Giovanna sofreu naquele dia.
-Bebê? A que se refere?
-A Giovanna não perdeu o
filho que esperava do Bruno. Ela mentiu pro seu filho deixá-la em paz.
-Como isso é possível? Vocês
nos fizeram acreditar na morte dessa criança, sem pensar no sofrimento que
tivemos por causa dessa mentira!
-Entenda que eu tinha que compreender
as razões que levaram a minha filha a esse ato extremo.
-Entender? Você quer que eu
entenda? E por que resolveram, as duas, me revelar a verdade só agora?
-Porque o bebê nasceu com uma
grave doença. E só você ou o Bruno pode salvar a vida dele!
|||||
-Isso só pode ser mentira...
Esse menino não pode ser seu filho!
-Mas você não disse a todos
que seu filho tinha morrido naquela queda que... O que está acontecendo?
-Eu tive que mentir. Eu não
quis que o Bruno voltasse a se aproximar de nós depois do que ele fez. Por isso
que eu menti, delegado. Pra não deixar que ele voltasse a tocar na gente.
-Só pode ser um pesadelo...
-Pesadelo? Do que você está
falando?
-Que você levou essa gravidez
adiante! Que esse bebê conseguiu vir ao mundo!
-Valentina, do jeito que você
fala, parece até que não queria que ela tivesse esse filho!
-Não queria mesmo!- grita, desesperada-
Será que vocês não entendem? Esse garoto é a continuação do maldito do Bruno,
do miserável, do assassino, que está solto por aí!
-Disso eu sei. Mas acontece
que o meu filho não tem culpa dos problemas que o Bruno se meteu.
-Seria melhor que esse
moleque não tivesse nascido.
-Como é que você se atreve a
falar desse jeito do meu filho, sua louca?
-Pra que você quis ter esse
filho, hein? Pra levar consigo um pedaço do seu marido? Você não imagina o
quanto eu vibrei, o quanto eu fiquei feliz quando o vi naquele desespero porque
ele havia deixado de ser pai. Agora, você me aparece com o único motivo que
pode dar um sopro de esperança àquele cretino pra ele continuar fazendo tudo
que tiver vontade? Esse fedelho não podia ter nascido! Era melhor que ele
tivesse morrido, que o próprio Bruno o tivesse matado!
-Cala essa boca!- Giovanna dá
uma bofetada em Valentina, completamente insana- Nunca mais volte a falar assim
do meu filho! Some daqui, antes que eu faça uma besteira! Sai daqui!
-Giovanna, não adianta! Ela
enlouqueceu por causa desse ódio do Bruno.
-Você conseguiu ter uma parte
daquele infeliz contigo. Já a Virna foi poupada dessa família perfeita que
vocês têm. Ele não só desprezou a minha irmã como acabou com a vida dela!
-“Família perfeita”? Você é
completamente louca! Desde a lua de mel que nós não tivemos um segundo de paz
por causa da sua irmã, por causa do Abílio, de todas essas tragédias!
-Você ainda ama aquele homem.
Talvez, por causa dessa criança, com mais paixão que antes.
-O que você entende de amor?
Você acabou de desejar a morte de um inocente e me vem falar de amor? Não era
só ele que devia ser preso numa camisa de força, sua doente! Some daqui! Anda!
-Valentina, sai daqui! Não
tem mais nada pra fazer aqui.
-Vocês dois vão me pagar!
Pelo seu desprezo, e pela bofetada! Eu juro que vão me pagar!- retira-se do
hospital.
-Por favor, eu peço desculpas
por ela.
-Olha, você vai me desculpar,
mas a sua mulher precisa ser avaliada urgentemente por um psiquiatra! Porque
transferir o ódio do Bruno pro meu filho é muito grave. É caso de internação!
|||||
Horas depois, Felipe está com
uma batina especial para celebrar a quermesse que organizou junto a Bruno. A
igreja está lotada. Os fieis aprovam a decoração realizada para a ocasião. Mas antes
de começar, fica pensativo em sua casa paroquial.
-Onde está esse rapaz? Tomara
que não faça nada de que vá se arrepender depois...
|||||
Na recepção do Hospital Geral,
à tarde, uma recepcionista atende a Bruno, vestido com a batina de Felipe.
-Boa tarde.
-Boa tarde. Eu queria visitar
um paciente. Um recém-nascido.
-O senhor sabe o nome do
paciente?
-Não, mas eu sei o nome da
mãe do bebê: Giovanna Reinchenbach.
-Deixe-me conferir, só um
segundo. Não, não temos nenhum acompanhante ou interno com esse sobrenome.
-Então, tente “Giovanna
Diegues”. É o nome de solteira.
-Claro- digita- Ah, tem um
bebê que é filho de Giovanna Diegues, chama-se Henrique. Ele está na enfermaria
oncológica do hospital.
-Como eu faço pra vê-lo?
-Pegue o elevador, vá até o
terceiro andar e dobre na primeira entrada à direita.
-Ah, muito obrigado.
-Só um segundo.
-O que foi? –assusta-se.
-Não vai me dar a sua bênção,
Padre?
-Seja abençoada, minha filha.
Suas preces foram ouvidas- sobe até a enfermaria pelo elevador, com cinismo-
Sempre soube que o “Brunismo” era uma religião convincente- gaba-se.
Uma enfermeira o recebe,
percebendo o olhar terno com o qual se dirige a ela.
-Bom dia, Padre. Posso
ajudar?
-Sim, eu estou procurando uma
criança...
-Alguém em especial?
-Muito... É o filho de Giovanna
Diegues. Disseram na recepção que o nome dele é Henrique.
-Ah, claro. É esse aqui.
-Mas ele é lindo.
-Me desculpe, mas o senhor
não se apresentou. É amigo da família?
-Como? Giovanna não anunciou
que viria aqui hoje? Sou um dos representantes da Arquidiocese de Alagoas, ela
já contribuiu muito com suas obras de caridade. Daí, acabei ficando amigo da
família. E fiquei comovido quando soube do problema de saúde do bebê...
-É. Lamentável.
-Eu queria pedir uma coisa,
minha filha, se não for incômodo.
-Pode falar, Padre.
-Será que você se importaria
em me deixar um pouco com ele, a sós? É que eu senti um desejo enorme em meu
coração de rezar por essa alma.
-Claro, Padre. O que mais
precisamos no momento é de alguém de fé. Com licença.
-Obrigado- espera a
enfermeira sair para colocar Henrique em seus braços. Deixa as lágrimas caírem-
Finalmente nos conhecemos, meu filho. Eu não vou demorar, mas eu quero te dizer
uma coisa: eu vou fazer de tudo pra te ter perto de mim. Mesmo que nós não
sejamos a família que eu sempre quis ter, eu prometo que vou provar a minha
inocência. E nunca mais vamos ficar longe um do outro- o bebê para de chorar
quando o Bruno o beija e o coloca no berço novamente- Espera por mim. Eu vou te
salvar.
|||||
Bruno caminha pela rua, ainda
abalado em ver seu filho tão frágil por causa da doença, até que passa num bar
e encontra Valentina, de costas, com duas garrafas de cerveja. Sem hesitar, o
arqueólogo entra no recinto, para o espanto de todos que olham primeiramente
para a vestimenta do rapaz.
-O que você vai querer?-
pergunta o garçom.
-A companhia dela, é mais
interessante que qualquer bebida.
-Você?- vira-se, apavorada.
-O que foi? O porre está tão
grande que não me reconhece mais?
-Onde é que você estava? A
polícia está atrás de você, todos estão te procurando! Eu vou chamar a polícia
agora!
-Pra quê? Pra investigar o Vaticano?
A polícia não está interessada em procurar o cara que é acusado de matar a
secretária, o funcionário de confiança. Tem muitas prioridades além de mim. Já
você... Será que esse ódio todo não esconde outra coisa?
-Que outro motivo eu tenho
pra te destruir, infeliz?
-Talvez você imagine que eu
tivesse tido alguma coisa com a mosca-morta da sua irmã- Valentina tenta bater
no rapaz, mas é impedida por ele, que percebe o quanto ela está alcoolizada-
Contenha-se! Ou será que você queria estar no lugar dela?
-Eu não sei do que está
falando.
-Sabe, sim! Confessa que cada
vez que você me via, alimentava as fantasias de que eu pudesse ter tido alguma
coisa com sua irmã.
-Se não teve, não tem do que
ter medo.
-Mas fantasia. E você morre
de ódio porque só pela suspeita, enquanto você continua com seu casamento
apático, imagina as noites que possa ter tido comigo. Uma oportunidade que,
segundo a sua cabeça oca, só poderia ter acontecido com a sua irmã. Afinal, ela
me amava em silêncio, nós éramos próximos no trabalho e...
-Chega. Eu não quero ouvir
mais nada.
-Tem razão. Você não quer
ouvir. Quer ter a mim. Na sua cama, dando aquilo que nem o delegado nem qualquer
outro homem são capazes de dar. Se eu sou aquele que te vicia, talvez eu seja o
seu remédio. A cura.
-Com essa roupa, é provável
que você venha a me oferecer a cura. Está pronto pra isso.
-Pronto eu vou estar quando
nós dois estivermos sozinhos.
-Ah, que coisa cafona.
-Se você não quer ter aquilo
que pode ter levado sua irmã à morte, problema seu.
-E por que você se envolveria
comigo?
-E por que não? Você é uma
mulher linda, inteligente, determinada. E tem justamente aquilo que atrai um
homem.
-O quê?
-Teimosia. Essa sua
insistência em me desafiar é algo que chamaria a atenção de qualquer um.
-Menos você.
-Será que não?
-Você tem a sua mulher.
-Que me deixou depois que o
meu filho morreu. Isso não significa nada?
|||||
Bruno e Valentina chegam ao
hotel onde ela está hospedada. O rapaz entra no quarto tirando a roupa e, em
seguida, arranca a roupa da dona de casa com violência.
-O que é isso? Vai devagar!
-Você já está esperando tempo
demais pra que eu desacelere, não acha?- afasta-se da moça, ainda ébria.
-O que foi?
-Fala o meu nome. No meu
ouvido.
-Bruno... Bruno... - os dois
deitam na cama.
-Isso. Eu quero ver você
falando com raiva, com ódio.
-Eu não consigo. Com ódio, eu
não consigo.
-Consegue. Se você soubesse o
quanto o ódio excita, não se separava de mim. E é isso que eu não vou permitir:
que você se separe de mim. Nunca mais- fala pausadamente, enquanto a beija, levando-lhe
ao prazer.
-Não me deixa, Bruno. Eu
preciso de você...
-É?
-Eu sempre quis você.
-Eu sabia que sim... – ao passo
que leva sua boca à dela, Bruno consegue fazer com Valentina se entregue
totalmente a ele, ainda que ela esteja bêbada. Risos aos ouvidos podem ser
escutados, muitos sussurros que representam a satisfação de dois inimigos que
se dão uma trégua...
Mas Bruno se assusta.
Levanta-se da cama ao ter uma sensação estranha.
-Por que você parou? Não me
deixa sozinha aqui... Não me deixa- diz Valentina, com os olhos fechados,
desfalecendo aos poucos- Fica aqui, por favor.
O arqueólogo fica atordoado
com o que vê: primeiramente, uma mancha de sangue escorrendo por suas pernas. Depois,
o sangramento que também ocorre em Valentina, agora completamente desacordada.
-O que é isso? Essa mulher...
Não pode ser- pega as roupas, mas as larga rapidamente e vai ao banheiro, onde
toma uma ducha para tirar a mancha de si- Não pode ser...
Nenhum comentário:
Postar um comentário