03/11/2014

MENTES/ CAPÍTULO 16: SONHOS LOUCOS PODEM ACORDAR

Naquela mesma noite, Valentina está com Leandro em casa, e está assistindo ao jornal enquanto o marido está na cozinha. Uma notícia chama a atenção dos dois.
-O arqueólogo Bruno Reinchenbach está envolvido em mais um escândalo. Ele foi acusado de tentativa de homicídio contra a esposa, Giovanna Reinchenbach, que está grávida de dois meses.
-Bruno de novo?- chega à sala Leandro, que escuta a notícia da cozinha.
-Ouve.
-Segundo informação dada pelo delegado Iago Pereira, Bruno sacou um revólver dentro de seu apartamento e atirou contra a esposa. Embora o disparo não a tenha atingido, o susto fez a professora de balé cair de uma escada, sendo levada por ele às pressas para o Hospital da Solenidade. Bruno foi ouvido no local.
-Caramba! Nem a esposa escapa desse doido!- enquanto Leandro comenta, Valentina sorri disfarçadamente.
-O boletim médico não foi divulgado. Essa é a terceira vez que o suspeito vê seu nome envolvido em um crime. Ele também foi relacionado ao homicídio de Virna Viana, sua secretária no Instituto Mentes, e de Abílio Cerqueira, homem de confiança de Plínio Reinchenbach. A expectativa é que pelo mais recente crime, o rapaz possa ser levado preso a qualquer momento. Daqui a pouco: preço da gasolina sofre alta em outubro; especialistas explicam a razão de... –a televisão é desligada.
-Leandro, me leva pra lá agora.
-Pra onde?
-Pro Hospital da Solenidade, você deve saber onde fica.
-Mas o que é que você vai fazer lá?
-Vou conferir se ele vai ser preso mesmo. Porque se for, eu não quero perder a justiça sendo feita.
-Tudo bem. Deixa eu pegar a carteira e a chave do carro. Me espera lá fora- Leandro vai até o quarto.

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-Você... – Bruno deixa as lágrimas escorrerem rapidamente em seu rosto, enxugando-as em seguida- Você só pode ter se enganado, meu amor. Diz que o nosso filho “tá” bem... Diz, Giovanna, não faz isso comigo...
-Desde que eu me casei com você, eu não tive mais um minuto de sossego. Mas dessa vez você passou dos limites. Pôs a minha vida em risco, a do nosso bebê! Como é que você acha que eu posso te perdoar por isso, Bruno?
-Eu não tive culpa, nunca quis machucar você! Ainda mais no estado em você se encontra!- tenta se justificar.
-Que eu me encontrava! Você destruiu o seu próprio sonho de construir uma família, fez com que eu caísse daquela escada, escondeu uma arma dentro da nossa casa... Isso sem falar nos assassinatos que você se envolveu! Como é que você teve coragem de matar aquelas pessoas e voltar alegando inocência ou jurando amor horas depois?
-Pela última vez, eu não tive responsabilidade pelo que aconteceu ao Abílio e àquela mulher.
-Vai ser, sim, a última vez, Bruno. Eu tinha decidido que não viveria mais com você, pelo bem do nosso bebê. Depois do que aconteceu, não tem condições de reatar o nosso casamento.
-Giovanna, você não pode acreditar que eu causei esse aborto propositalmente.
-Propositalmente pode até não sido, o que eu não acredito. Mas você o matou. Você impediu o nosso filho de vir ao mundo, e isso não te torna menos assassino do que já é!
-Se tem alguém com quem eu me importo nesse mundo, esse alguém é você. Como você acha que eu poderia te tocar pensando em te machucar?
-Mas tocou, Bruno. E antes da queda, você já “tava” matando aquilo que eu sentia. O respeito, o amor, a admiração pelo ser humano que você demonstrou ser. Mas eu vi que tudo era mero jogo de cena. Uma pena que eu tenha descoberto tão tarde o monstro que você é.
-Não me deixa, Giovanna. Você é tudo que eu tenho.
-Eu seria, agora, tudo o que te restou. Mas eu não vou prosseguir com o seu teatro, Bruno. Mesmo que você se negue a me dar o divórcio, eu não pretendo nem vou reatar essa farsa de casamento. Nunca mais se aproxime de mim.
-Giovanna, você tem que me ouvir...
-Vai embora! Vai! Some daqui, assassino! Vai embora do meu quarto! Da minha vida, some!
Abalado com os gritos de Giovanna, Bruno acata as ordens da moça, saindo lentamente do quarto. Giovanna se sente sufocada pela mentira inventada.

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Na cantina do hospital, Iago e Plínio tomam um café.
-Por que você me convidou pra tomar esse café?
-Eu estava acompanhado da minha governanta, que sempre foi como uma mãe pro meu filho. Não queria que ela ficasse preocupada.
-Preocupada por qual motivo, Dr. Plínio?
-Delegado... Eu quero saber quais são as chances de meu filho ser detido.
-Sinceramente... Elas não são remotas. Depois de ter tomado o depoimento de Bruno, e considerando que ele é reincidente em acusações de assassinato e tentativa de homicídio, é impossível acreditar na inocência que ele tanto alega.
-E o senhor não acredita?
-O senhor acredita?- Plínio empalidece diante da pergunta.
-Desculpe, mas eu acho que minha opinião não conta.
-Se me permite ser mais franco do que já sou, Dr. Plínio, o senhor é o que menos acredita. Aliás, é o que mais acredita na possibilidade de Bruno ser capaz de qualquer coisa.
-Convenhamos que meu filho não é a pessoa mais normal do mundo. Bruno é muito fechado, não é de expor seus melhores sentimentos. Mas se trata agora da mulher dele, da pessoa com quem ele escolheu dividir a vida, que dará a luz a um filho dele. Por que ele teria motivos para matá-la?
-Razões pra isso ele tem, doutor. Giovanna é uma espécie de porto seguro. Veja bem: se o senhor, sendo pai dele, foi enfático em suas denúncias, essa moça representa o apoio que Bruno não teve no senhor. Uma hora, ela deve ter cansado... Afinal, como poderia prosseguir grávida num casamento marcado por tantas suspeitas e acusações? Pra mim, Giovanna deve ter dito ao seu filho que não queria mais continuar vivendo ao seu lado, e ele tentou impedi-la.
-Acha mesmo?
-Já vi casos em que o acusado alegou um assalto cometido por terceiros pra esconder algo mais grave. Os crimes dos quais Bruno é acusado só têm uma coisa em comum: as vítimas desafiaram a estabilidade dele, seja no campo profissional ou pessoal. A maior de todas certamente é a Giovanna. Embora ela não assumisse, era visível o seu desconforto em meio a tantos escândalos.
-O que vai fazer agora?
-A opção que seu filho me deixou: darei voz de prisão a ele.
-Não!- chega Noêmia- Eu não vou permitir que vocês prendam o meu menino! Bruno é inocente! Eu sei que ele é inocente!
-Sinto muito, senhora, mas querendo ou não, Bruno tem muito a explicar à justiça. E eu o farei acertar essas contas pendentes. Com licença- levanta-se da cadeira, deixando a governanta aflita.

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Num quarto de bebê, todo decorado e sem ninguém, Bruno entra e continua chorando, num misto de infelicidade e confusão, por não acreditar na morte do filho. Aos poucos, vai se abaixando, encostado à parede azul. Pela grande vidraça, Valentina vê o desespero do jovem arqueólogo. Entra sem fazer barulho, aproxima-se dele e fala em seu ouvido.
-Sentiu?
Rapidamente, Bruno se assusta com a presença.
-Sentiu o quê?
-A dor de perder alguém que a gente ama muito. Você saiu na televisão, Bruno. Vai ser preso por ter tentado matar a sua mulher. E por matar o seu filho.
-O que é que você quer?
-Eu vim dar um “até logo”. A próxima vez que a gente se vir vai ser no dia da tua condenação.
-Pensa que vai acabar comigo, sua desgraçada?
-Você não precisa de ninguém pra fazer isso. Se sujou sozinho, Bruno.
-Ainda com essa ideia idiota de que eu matei a sua irmã, aquela golpista?
-Pela morte da minha irmã, você não vai ser condenado. Infelizmente, ninguém tem prova disso. Mas pelo que você fez à sua mulher e ao seu filho... Não tem como escapar.
-Sai daqui! Me deixa sozinho!
-Sozinho é como você vai ficar de agora em diante. Você quase matou a pessoa que mais te amava, e não poupou nem a vida do seu filho.
-Para de me torturar, para!
-Isso nunca vai te deixar em paz. Enquanto você respirar, enquanto tiver vida... Essa culpa vai te seguir.
-Me deixa em paz!
-A Virna, o Abílio, o seu bebê... Todos assassinados por você!
-Cala essa boca!- Bruno pega um vaso de flores e joga contra Valentina, que se desvia.
-Agora, sim. Agora eu posso me sentir vingada. Já acabei com você.
-Mas eu ainda não acabei com você- segura o pescoço de Valentina- Vai continuar me provocando? Vai? Fala, miserável!
-Quer mais um crime pra sua lista?Você não esconde a vontade de que joguem a chave da sua cela fora, não é? Me mata, Bruno! Por que você não pega aquele revólver que você encontrou na sua casa e acaba comigo? Encerra essa estória de uma vez!
-É isso que você quer? Que eu me denuncie sem ter feito nada? Que eu assuma a culpa pela morte da vagabunda da sua irmã, aquela cadela...
Bruno leva uma bofetada, mas revida violentamente contra Valentina, que não se intimida diante do descontrole do rapaz.
-Viu? Mais uma prova de que você não presta... – percebe que há sangue em sua boca- Fica aí, pensando numa forma de fugir. A polícia “tá” lá fora, te esperando. Finalmente você vai ter o seu castigo. Demorou, mas a Virna foi vingada. Cada gota de sangue que você derramou foi justificada. Monstro!
Valentina abre a porta do quarto e o espia pelo vidro. Bruno estava de costas, e não a vê mais naquele momento. De repente, ele passa a enxergar vários buracos na parede do quarto, como o que ele fez quando atirou dentro de seu apartamento. A voz de Valentina pedindo para ser morta ecoa em sua consciência.
-Por que esse castigo? Por quê?- Bruno se encosta na mesa onde estava o vaso de flores, e lembra da noite em que estava na casa de Abílio.
-Confessa! Que se você tivesse coragem, pegava essa faca pra me matar? Hein? Fala, covarde! Claro que não vai assumir isso... Mas sua cara já diz o ser baixo que você é!
-Para de falar comigo, desgraçado! Eu não te matei!
-Você é o responsável pela morte dele! Você acabou com a vida do Abílio pra que ele não conseguisse te denunciar! Mas é exatamente isso que eu vim fazer agora- repete Plínio, nas lembranças que o perseguem.
-Você é o culpado de tudo! Desgraçado! Eu vou acabar com você!- começa a desforrar a cama, e a quebrar tudo que tem em volta do quarto.
-Fique sabendo que cada palavra, cada mentira que você inventou da minha irmã... Você vai pagar. Se não for aqui, vai ser no inferno- a voz de Valentina retorna à sua consciência.
-Aquela vagabunda merecia morrer! Tentou acabou comigo e com o meu casamento! Tinha que morrer! Mas não fui eu! Não fui eu! Eu não matei ninguém, eu não quero matar ninguém!
-E sabe de quem é a culpa disso? Somente sua! Foi você que matou o nosso filho, Bruno!
-Giovanna, não! Eu não fiz de propósito! Foi uma armadilha! Me perdoa!- se joga no chão, em meio aos vidros quebrados e a bagunça por ele provocada.
Noêmia escuta o barulho e pede ajuda aos médicos que passam perto do quarto.
-Chama a ambulância, temos que levá-lo agora!
-O que está acontecendo- Plínio corre pra saber o motivo da confusão, sendo acompanhado por Iago e Leandro.
-Ele ficou louco! Me bateu, quebrou o quarto, “tá” falando sozinho!- Valentina finge fragilidade a abraça Leandro.
-E agora, Dr. Plínio?- Noêmia se desespera ao ver o estado lamentável de Bruno.

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São onze e meia da noite, quase duas horas desde o último fato. Todos os pacientes estão dormindo. Alguns funcionários da Clínica San Pillar estão caminhando pelo espaço sem imaginar quem vai chegar. Uma ambulância estaciona na porta do local. Dois enfermeiros trazem um jovem de olhos vermelhos, marejados, e que juravam inocência. Envolto numa camisa de força, Bruno pedia insistentemente para que os seus opositores parassem de agredi-lo com acusações. Seus gritos de desespero acordavam os internos.
Os nós da vestimenta somente são desatados quando Bruno é levado para um quarto branco, com uma cama forrada de azul. Tenta fugir ao sentir seus braços livres.
-Me tira daqui! Eu quero ver a minha mulher! Tenho que pedir perdão a ela! Ela quer se separar de mim, não podem deixar!
Um dos enfermeiros segura o arqueólogo enquanto o outro injeta um calmante em seu braço. Bruno demora a se aquietar, mas ao sentir o efeito do remédio, ainda chorando muito, é posto sobre a cama. Antes de adormecer completamente, os enfermeiros o acomodam. Nada mais é dito pelo jovem, que olha lentamente para os lados com muito medo. Passados quatro minutos, a porta do quarto é trancada.

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