19/11/2014

MENTES/ CAPÍTULO 24: MEUS OLHARES EVITA



No corredor do hospital, Marisa senta ao lado da filha.
-Daqui a algumas horas, o Henrique vai ser transferido pra área da oncologia. Filha, fala alguma coisa.
-Eu estou sem chão, mãe. Eu mal pude segurar meu filho nos braços, e agora isso? Por que tinha que acontecer isso, mãe? Justo com ele?
-Minha filha, é sobre isso que eu vim falar. Por mais que eu tenha insistido, eu acho que já está na hora de entrarmos em contato com a família do Bruno.
-Pra quê?
-Querida, entenda. Eu sei que tudo o que você fez foi pra fugir dele, mas acontece que você tem que pensar nessa criança.
-Eu também fiz o teste pra ver se sou compatível, assim como você. É lógico que eu vou poder doar a medula pro Henrique.
-Com licença, senhoras.
-E então, doutor? Qual o resultado do exame da compatibilidade com o meu neto?
-Infelizmente, nenhuma das duas poderá doar a medula pro bebê.
-Não... O senhor só pode estar mentindo.
-Calma, minha filha!
-Como calma, mãe? Que calma? O meu filho está prestes a morrer, pode parar de respirar a qualquer momento, não tem um mês de vida! E você quer que eu fique calma?
-Talvez se vocês procurassem algum parente dele... E o pai da criança? Ele sabe o que está acontecendo?
-Não se preocupe, doutor... Nós vamos procurá-lo, o mais rápido possível.
Giovanna sai correndo pelo hospital.
-Aonde ela vai?
-Deixa, doutor. Deixa a minha filha esfriar a cabeça. Ela vai tomar a melhor decisão pela saúde do filho dela.

|||||

Iago recebe uma ligação de Valentina.
-Fala, amor.
-Não diz isso, vai que alguém te escuta falando aí na delegacia...
-Não sei por quanto tempo vou ter que esconder o que sentimos um pelo outro.
-Ah, me poupe. Há tempos que fazemos esse teatrinho. Pode muito bem aguentar mais um pouco.
-Então, o que é que você quer?
-Saber do meu marido.
-Isso eu também quero saber.
-Não mais do que eu. Leandro não dormiu em casa, e eu estou preocupada.
-Quer dizer que você também não sabe do que ele fez aqui?
-Como assim?
-Disse ao Novaes que eu tinha que encerrar a minha folga e ocupar o lugar dele até ele voltar. Saiu sem dizer nada de pra onde ia, o que ia fazer. Pensei que você tivesse alguma ideia.
-Não, nenhuma. Esse sumiço está estranho. Tem pouca roupa dele no armário.
-Espera um pouco, estou lembrando de uma coisa...
-O quê?
-Leandro não está com uma mãe doente, em Alagoas?
-E ele ia até lá sem me avisar?
-Leandro se queixa de sua falta de interesse por ele.
-Mas a esse ponto? De sumir sem deixar rastro?
-Só pode ter ido pra lá. A irmã dele ligou essa semana. Vai ver que a mãe dele piorou, não foi?
-Vou comprar minha passagem e ir pra lá agora!
-Pra quê?
-Você acha que o Leandro vai acreditar que eu sou uma esposa carinhosa sem dar sinal nenhum de que saí pra procurar ele? E depois, se eu fingir que me preocupo com aquela velha, vai ser bom pra mim. Ganho pontos com ele. E, assim, não desperto nenhuma suspeita.
-Mas e o Bruno?
-Se ele aparecer, liga pra mim que eu saio de lá correndo. Continue no rastro daquele infeliz.

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Giovanna está caminhando pelas ruas da cidade, e avista Felipe ao longe, varrendo a fachada da igreja. Sem notar a moça, ele adentra no recinto, onde se dirige a Bruno, que está varrendo o altar.
-Já não está na hora de você descansar, meu filho?
-Quem tem que descansar é o senhor. Ficou quase o dia todo sem comer nada.
-Talvez você tenha razão. Amanhã a gente termina, logo cedo.
-Bom, acordar cedo não é lá o meu forte. O senhor sabe. Eu posso dar uma paradinha rápida e voltar a limpar isso daqui.
-Não é melhor descansar e retomar essa limpeza amanhã?
-Pode deixar. Só vou parar um pouquinho. Mas o melhor agora é o senhor se deitar.
-Está bem, então- benze o arqueólogo- Que você seja abençoado, meu filho.
-Com urgência. Boa noite, padre.
-Boa noite.
-Ele tem razão. É melhor mesmo eu descansar, nem que seja um pouco- e Bruno vai ao confessionário, onde senta para repousar.
Encontrando a porta da igreja aberta, Giovanna chega aos prantos e se aproxima do confessionário. Ela também entra e ajoelha.
-Padre?
Bruno reconhece a voz da esposa.
-Giovanna?- pensa.
-A sua bênção, seu padre- fica desconfortável com o silêncio- O senhor está aí?
-Sem pecado, concebida- responde o jovem, embargando a voz.
-O senhor não tem ideia do quanto estou sendo castigada pelo mal que eu causei... Mas não era pro meu filho estar sofrendo isso tudo no meu lugar. Tudo o que eu queria era protegê-lo.
Sem entender o que a esposa está dizendo, Bruno prossegue com o teatro.
-Explique.
-Há alguns meses, eu tinha uma vida feliz, era casada com um homem lindo, bem educado, que parecia que me amava mais do que tudo... De repente, eu começo a descobrir que as pessoas pensam que ele é um monstro. Meu marido foi acusado de cometer mortes, de tramar assassinatos...
-Você acreditou?
-Tudo estava contra ele, as evidências eram claras. Só que um dia, ele pegou um revólver e atirou na minha direção. Ele disse que foi um acidente, que ele não teve culpa, mas eu não acreditei. Eu sabia que o meu esposo daria um jeito de continuar ao meu lado, mas eu fiquei com medo, porque estava grávida dele.
-O que fez?
-Eu disse que, na ocasião em que ele quase me matou, eu tinha sofrido um aborto.
-Não foi isso?
-Não, padre. O nosso filho nasceu. Eu menti pro meu marido sentir culpa.
Rapidamente, Bruno começa a se sentir sem ar dentro do confessionário. Giovanna chora cada vez mais, sem imaginar com quem está conversando.

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