Após descer da caminhonete, o
padre fecha a porta do veículo e se aproxima de Bruno, ainda caído no chão.
-Fala comigo, moço! Você está
bem?- toca no rapaz.
-Me tira daqui. Eles querem
me pegar...
-Eles quem?
-Me tira daqui... Se vierem
atrás de mim, eu não vou ver mais a minha mulher.
-Você está ferido... Eu vou
te levar pro hospital.
-Não! Hospital, não! Eles não
vão me deixar sair! Por favor, moço! Me tira daqui.
-Tudo bem. Vou levar você pra
minha casa... Consegue andar?
-Acho que sim.
-Então, vem comigo. Me
ilumine pra quer eu esteja fazendo a coisa certa, Senhor- Felipe faz com que
Bruno se apoie nele.
O arqueólogo, mesmo mancando
na perna direita, consegue chegar com Felipe até a caminhonete.
-Onde é a sua casa?
-Igreja Alagoana da caridade.
Já estamos perto de lá.
-Igreja? Não poderia ir pra
lugar melhor- ironiza, sem que o padre perceba.
|||||
Iago está tomando um café na
casa de Valentina e Leandro.
-Quer dizer que ele foi parar
no hospital de doido mesmo?- Valentina age com naturalidade.
-De fato, o boletim médico
disse que o que ele teve foi um surto. Isso é tratável, mas vai depender da
evolução do quadro clínico dele.
-Isso pode demorar, então?
-Pode, Leandro, mas ainda que
seja rápido, Bruno estará sob custódia. Se ele se recuperar, não vai deixar de
prestar contas à Justiça por tentativa de homicídio e porte ilegal de arma.
-Sorte daquele desgraçado,
que não vai pagar pela morte da minha irmã. A pena ia ser maior.
-Amor, a gente tem que pensar
que, de um jeito ou de outro, esse cara “tá” começando a pagar pelo que fez aos
outros.
-Pensei que você acreditasse
na inocência dele, Leandro- Iago se surpreende.
-A gente tem que dar o
benefício da dúvida pra todos. Mas depois desse escândalo todo, dessas mortes
acontecendo... Não, ele tem que se entender com a Justiça.
-Um homem daquele não pode
ter “só” isso pra esconder. Pra mim, tem mais poeira debaixo do tapete...
-Você não vai mais se
envolver nisso, me prometa.
-Mas, Leandro...
-Já não viu o que ele fez,
batendo na sua cara? Se você ficasse mais um minuto naquele quarto... Eu não
quero nem imaginar o que ele ia fazer, aquele desgraçado...
O celular de Iago começa a
tocar.
-Só um minuto, gente. Alô?
Fala, Novaes. O que foi?- levanta-se da poltrona vagarosamente- Não pode ser! Você
tem certeza? Tudo bem, eu já estou indo pra clínica. Vá pra lá também.
Obrigado.
-Que cara é essa, Iago?
-O que houve?
-Bruno ameaçou uma enfermeira
com uma faca e conseguiu fugir da Clínica San Pillar.
-Aquele assassino escapou?
-Escapou, Valentina. Pelo
menos, foi essa a informação que o Novaes me deu.
-Infeliz!
-Tem certeza disso, Iago?
-Absoluta! Eu vou averiguar
isso na clínica agora mesmo.
-Eu vou com você.
-Não, Leandro, é melhor você
ficar.
-Iago, até agora eu me
mantive afastado de tudo isso, mas agora eu vou. O cara que fugiu do sanatório
pode ter matado a minha cunhada!
-É pela sua mulher que eu peço
que você fique. Imagina se o Bruno vem pra cá, pra tentar se vingar da
Valentina por ela ter prestado queixa, peitado ele? Fique aqui pra protegê-la,
eu prometo que mandarei notícias- guarda o celular no bolso e sai rumo à
clínica.
-Ele não pode ficar solto,
Leandro! Alguém tem que dar um jeito naquele homem!
-Calma, meu amor. Vai ficar
tudo bem. Fica calma... – Leandro conforta a mulher com um abraço, mas ela
continua irada com o ocorrido.
|||||
A Igreja Alagoana da Caridade
recebe o procurado Bruno Reinchenbach, que é posto na cama do padre Felipe
Verdelho. O senhor de cabelos grisalhos arruma o travesseiro, e olha para a
testa do rapaz.
-Vou dar um jeito nesse
ferimento.
-Tem certeza de que ninguém
nos viu juntos na estrada?
-Não. Era pra não ter visto?-
Bruno fica calado, apenas demonstrando estar com muita dor- Eu vou pegar o
curativo e um pano úmido.
-Eu não posso ficar aqui.
Tenho que procurar a minha mulher, e pedir desculpas.
-Moço, não tem condições de
sair. Machucou a cabeça e a perna, como vai voltar pra casa? Onde mora?
-Apipucos.
-Onde é isso?
-Espera... Pra onde você me trouxe?
-Pra minha igreja, a Alagoana
da Caridade.
-Alagoana? Eu não podia ter
vindo pra cá... O que o senhor “tava” fazendo lá, onde me encontrou?
-Fui buscar uns donativos que
a Arquidiocese de Olinda e Recife ofereceu à minha igreja. Tive até que
cancelar a missa da noite. E você? O que “tava” fazendo na estrada àquela
hora?- vai até a pia e prepara uma vasilha com água.
-“Tava” tentando voltar pra
casa.
-A pé? Naquela escuridão?
-Tinham me internado.
-Já estava assim quando eu te
encontrei?
-Padre, o senhor faz muitas
perguntas.
-Bom, você está no lugar onde
eu resido. Acho que é meu direito.
-Não seja por isso. Eu posso
ir embora agora- tenta se levantar da cama.
-Fique aí. Você não está se
sentindo bem... – toca na testa de Bruno, ao deitá-lo na cama novamente- Meu
Pai... Você está ardendo em febre.
-Daqui a pouco passa. Me
deixa ir pra casa, Padre. Eu preciso falar com a minha mulher.
-Você irá quando estiver
completamente recuperado. Até lá, permanecerá em repouso.
-Mas, Padre... É importante.
-Liga do meu telefone, então.
Mas você não está em condições de sair por aí, ainda mais voltar pra sua
cidade.
|||||
Nos corredores da mansão,
William encontra Noêmia, que escuta o telefone tocar.
-Noêmia, você viu meu pai?
-Não está no escritório,
William?
-Já bati lá, mas nem sinal.
-Que estranho, eu o vi agora
há pouco lá dentro- o telefone continua tocando- Ah, as empregadas continuam
relapsas... Eu vou ver quem é. Mas veja se não está no quarto dele, meu
querido.
-“Tá”, valeu.
O adolescente encontra a
porta entreaberta e bate nela. Não há sinal de que Plínio esteja no quarto. Logo
pensa em sair, mas lembra da madrugada em que leu trechos do diário de Letícia.
Rapidamente, se aproxima da estante pessoal do pai, abrindo a terceira gaveta.
William olha para os dois lados, presta atenção se os passos de alguém se
aproximam. Tudo tranquilo. Abre mais uma página, agora distante da que leu
naquele dia, o mesmo em que Bruno esperava pra ser liberado do depoimento sobre
a morte do Abílio.
-Não demorou muito para que
nós assumíssemos uma relação após a morte da esposa dele. Cheguei a advertir de
que era muito cedo, que ele deveria respeitar a dor do filho, que precisava
manter as aparências, pois seria um choque muito forte pra todos. Plínio se
negava veementemente a aceitar o meu conselho. Pensava em mim, e mais nada.
Ficou como uma criança quando, dois meses depois, anunciei que esperava um
bebê. Um fruto do amor que sentíamos. William foi muito paparicado, mimado por
nós dois. Tentei me aproximar de Bruno, mas ele era um adolescente irredutível.
Aliás, continua sendo. Não aceita nenhum gesto de carinho da minha parte. Com o
pai, acha que é culpa.
Dando conta de três pessoas
na casa, entretanto, passei a perceber que me tornei justamente aquilo que era
Helena, a primeira mulher de Plínio: uma dona-de-casa, prendada, e que estaria
acostumada sempre aos desmandos do marido...
A leitura é interrompida por
Plínio, que tira o diário das mãos do filho caçula.
-Posso saber o que está
fazendo?
-Só “tava” lendo o diário da
minha mãe.
-Não mais. É meu. Passou a me
pertencer depois que ela faleceu.
-Por que o senhor não me
deixa ler? O que tem nele que eu não posso ver?
-São particularidades de sua
mãe, coisas que ela não gostaria de dividir com ninguém. Será que pode
respeitar isso?
-Calma, pai, não precisa
falar assim.
-Então, prometa por tudo que
for mais sagrado que vai me obedecer e não abrir mais esse diário.
-Me explica, pai...
-Prometa de uma vez por
todas, William.
-Tudo bem, eu prometo.
-Agora vá tomar o seu
remédio. Mesmo tendo tirado o gesso, o médico disse que você precisa do anti-inflamatório.
-Licença- diz, contrariado.
Fechando a porta de seu
quarto, Plínio põe a mão sobre o molho de chaves que está sobre a estante e
guarda o diário de Letícia, trancando-o e guardando o molho no bolso.
-O que será que ele pode ter
lido? Não quero nem imaginar...
-Doutor! Doutor!- Noêmia
insiste em bater na porta.
-Já vou! O que houve agora,
Noêmia?
-Ligaram da Clínica San
Pillar.
-O Bruno piorou?
-Ele fugiu.
-Mas pra onde ele pode ter
ido?
|||||
Já é a madrugada do dia
seguinte. O estado febril de Bruno não cede, mesmo com os cuidados do Padre
Felipe.
-O que vou fazer? Já tentei
normalizar sua temperatura de todo jeito! Essa febre não cessa!
-Me tira daqui! Eu tenho que
sair!
-Você não está em condições,
meu filho. Sua saúde está muito debilitada, mas você não me deixa chamar um
médico.
-Não vou pro hospital! Quero
ver... A minha mulher... E procurar... A polícia.
-Polícia? Como assim, do que
está falando?
-Estão pensando que eu... Matei
o Abílio... Mas eu não fui... Foi a irmã da Virna... Ela armou uma emboscada
pra mim... Pra me incriminar... Dizer que eu sou o culpado...
-Meu filho... Você está sendo
procurado pela polícia?
-Não me deixa sozinho, Padre...
Todos querem me prender, me colocar na cadeia. Prometa que não vai deixar acontecer
isso comigo... Me prometa!- Bruno segura, tremendo, a mão do padre, que não
sabe o que responder ao arqueólogo.
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