-Eu não posso fazer
isso, você ficou doida de vez?
-Pensa comigo,
Lívia. No momento, você não tem saída. Como é que você vai pagar as despesas
com esse bebê? E onde é que você vai morar com ele? Sim, porque quando Dona
Heloísa souber, ela te põe pra fora de casa.
-Isso não tem
cabimento nenhum, Karen. E depois, com que cara eu vou chegar numa clínica
clandestina e pagar pra tirarem o bebê?
-Bom, eu tenho um
argumento que vai te fazer mudar de ideia. E eu quero deixar bem claro que me
arrependo disso até hoje.
-Se arrepende do quê?
-Logo que eu
comecei a namorar o Danilo, eu também fiquei grávida dele.
-Você? Não, não
pode ser verdade.
-Imagina só: esperar
um bebê do cara que você gosta...
-É, mas comigo não
foi assim...
-Comigo foi! E não foi
legal ter que ouvir da boca dele que se eu não tirasse, era pra esquecer aquele
namoro.
-Não acredito que
você cedeu desse jeito, só pra ficar com ele.
-Teve um tempo em
que eu me vi perdida, Lívia. Me vi sendo capaz de qualquer coisa pra não perder
Danilo. E foi aí que eu falei com uma farmacêutica, que vende produtos de
manipulação... Paguei pra ela me fazer um comprimido que...
-Acho que não quero
escutar mais nada...
-Tem que me ouvir!
Tem que ouvir! Enfim, ela... Ela me deu um frasco de um medicamento chamado
LMD. Bastou um comprimido só. Você não imagina o alívio que Danilo sentiu
quando eu contei que não tava mais grávida.
-Mas não é
possível, Karen. Não é possível que você não sinta uma ponta de remorso, um
pouco de culpa.
-Hoje, sim. Muito,
inclusive. Foi a maior besteira que eu já fiz na minha vida, Lívia. Só que
depois de tudo que te aconteceu, eu fico pensando que talvez tenha sido melhor
assim. Eu me arrependeria mais se tivesse deixado esse bebê vir ao mundo. Será
que você não entende o mal que Danilo fez pra nós duas? Você quer mesmo
carregar durante nove meses o resultado de um abuso sexual, e depois ter que encarar
essa criança pro resto da vida? Você vai ficar sozinha, sem condição de
conciliar uma faculdade com a gestação, desempregada e sem-teto. Me fala se é
isso que você quer!
-Tá bom. Você tem
razão. Talvez seja melhor mesmo interromper essa gravidez. Mas esse remédio que
você falou, o...
-LDM.
-Isso... Tem algum
efeito colateral?
-Não, nenhum. Você
só precisa tomar dois comprimidos de uma vez só. Depois de dez dias, eu fiz um
exame pra constatar se tinha dado tudo certo. Não existia mais bebê nenhum.
-Tudo bem. E como é
que eu faço, então? Eu não tenho dinheiro pra mandar fazer uma coisa dessas,
que deve ser cara...
-Eu guardei o
frasco comigo... Não sei, não tive coragem de jogar fora... E depois do que eu
soube do Danilo, isso tudo me veio à mente de novo. Tem certeza de que quer
tomar?- ao perguntar isso, Karen ouve uma risada desacreditada de Lívia.
-Até parece que eu
tenho escolha...
-Ela me disse que
eu não ia sofrer nada, que não tinha efeito nenhum... Por culpa dessa
desgraçada que eu tô aqui, quase morrendo...
-Não. A culpa é
sua- Lívia é surpreendida por Juliano, que decide visitá-la e escuta sua voz.
-Por que você
voltou?
-Não consigo me esquecer
de nada que você me falou.
-Tudo é verdade.
Mas agora é que eu tô conseguindo me lembrar de mais coisas. Você tem que me
ajudar. Tem que contar pra minha mãe que eu não dormi com ninguém porque eu
quis, que eu fui obrigada.
-Sua mãe não vai
acreditar em mim. Ninguém acredita.
-Pra quem você
contou?
-Pro Toni. Ele até
disse que era pra esquecer desse assunto. Desculpa, mas eu não tenho como
ajudar você, não.
-Então, deixa eu te
contar o que eu acabei de lembrar. Daí, você vê o que faz. Mas não me ignora,
por favor. Eu só posso dizer o que eu sei a você.
-O que houve?
-A minha amiga...
Quer dizer, a Karen, ela me enganou. Ela me deu um comprimido pra que eu
tirasse o filho que eu...
/////
Assim que volta
para casa, a primeira providência de Juliano é entrar em seu quarto, no qual
está Toni.
-Eu vi Lívia hoje.
-Foi?- desconfia do
tom que o irmão usa- E como é que ela tá?
-Nervosa. Pedindo a
minha ajuda.
-Ah, não, de novo,
não...
-Toni, eu só posso
confiar em você. Eu preciso te pedir uma coisa.
-Pedir o quê,
Juliano?
-Eu quero que você
vá até a casa da amiga dela, a Karen, e pergunte do comprimido que ela deu pra
Lívia.
-Não- isso faz com
que Juliano bata levemente o pé direito.
-Por favor, Toni.
-Não, eu já falei
que não vou- Juliano repete o gesto.
-Vai, sim. E vai
comigo.
-Ah, não. Isso já é
demais. Você não vai pra canto nenhum!- bate o pé mais uma vez.
-Toni, por favor.
Eu tenho que saber a verdade.
-Você ou ela?
Juliano, será que você não tá entendendo? Isso é pura imaginação, fantasia,
seja lá o que for. Entende que Lívia não está se comunicando com você, que
Lívia não pode falar com ninguém, que ela tá praticamente morta!
Juliano perde a
paciência e bate repetidas vezes na mesa do computador, até ficar com as mãos
machucadas.
-Eu tenho que ir
lá! Eu tenho que ir!
-Juliano, para, por
favor!
-Eu vou descobrir a
verdade!
-Chega!- Toni grita
quando percebe que uma das mãos do irmão está sangrando- Não faz mais isso...
Pronto, passou. Juliano, por favor, não faz isso de novo.
-Vai atrás da
verdade. Lívia pode morrer. Dona Heloísa vai ver a filha morrendo e vai
continuar jogando a culpa em cima dela. Entende, Toni. Ela não tá grávida
porque ela quer.
-Juliano... Se foi aquilo
que você falou, que Lívia teve um trauma, sofreu algum abuso... Quem é o pai
desse bebê, então?
-Karen sabe. Karen,
a amiga dela, sabe. Foi ela quem deu o comprimido pra Lívia tomar.
-Não é verdade.
-É!- começa a bater
na mesa- É verdade, e você tem que provar pra Dona Heloísa!
-Para, não faz mais
isso... Tá bom, Juliano. Amanhã, eu vou procurar saber dessa estória.
-Desculpa- olha
para as mãos vermelhas- Eu não queria fazer isso.
-Eu sei- Toni se
emociona- Mas não faz isso mais, não. Tá?
-Diz pra mim que
vai procurar essa moça. Fazer ela falar a verdade.
-Só se você não se
machucar de novo.
Os irmãos trocam um
abraço e Toni fica cada vez mais acuado com o comportamento de Juliano, que não
lhe dá espaço para nãocumprir sua promessa de averiguar o envolvimento de Karen.
/////
Karen volta da
academia que fica perto do prédio, felicíssima pelo relacionamento reatado.Toni
chega com a sua moto e a alcança antes que ela entre no prédio.
-Karen?
-Sou eu. Quem é
você?
-Não lembra de mim,
não? Eu sou o cara que você quase atropelou outro dia.
-Ah, sei. Veio
pedir o quê? Indenização? Aliás, como foi que você descobriu meu endereço?
-Perguntei pro
Pastor Homero.
-U-hum. O DJ chato
de galocha que anda pra cima e pra baixo com Homero. Deve ter sido você que
levou minha amiga pro hospital. E o que você quer?
-Falar sobre a Lívia.
-Veio me trazer
notícias dela?
-Não. Vim pra que você
me diga quem é o pai do filho que ela tá esperando.
-Acha que eu sei,
por acaso?
-Sabe, sim. Porque
além de ser amiga dela, você disse pra Dona Heloísa que ela dormiu com um cara
na festa.
-O que esperava? Que
eu mentisse?
-Mais do que já
mentiu pra mãe dela?
-Peraí, você pensa
que tá falando com quem? Como é que você aparece na porta da minha casa, me dizendo
essas coisas? Quem te disse que eu menti quando falei que ela dormiu com um
cara qualquer na festa?
-Lívia.
A resposta de Toni
faz Karen ficar apavorada.
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