Num golpe de misericórdia (ou de
insanidade, como quiserem interpretar), Dara abre a bolsa, olhando fixamente
para Coelho e a joga pela janela. Os executivos se levantam diante da audácia.
Menos Wilson porque... Não é um executivo.
-Você é mesmo perigosa. Jogou
fora o dinheiro de todos esses Zé Ruela.
-Na bolsa, além da grana deles,
tinha também aquele um milhão que você depositou na minha conta.
Desesperado, Coelho desce os
vinte andares de escada, sendo seguido por um cover do Paulinho da Viola, que
canta loucamente "dinheiro na mão é vendaval". Quando chega ao solo,
percebe que dez mendigos já abriram negócio com a quantia desperdiçada.
O empresário se ajoelha no meio
do asfalto e começa a chorar como um bebê. Perspicaz, Dara vem de elevador e
confronta o empresário mais uma vez.
-Você não podia fazer isso comigo!
-E você? Pode me comprar? Tire
seu cavalo da chuva, Coelho.
-Pare de misturar animais numa
frase só!
-Eu disse que não ia aceitar seu
dinheiro. E avisa pra sua mulher que da próxima vez que ela for à minha porta,
ela vai participar das Videocasssetadas do Faustão!
-Isso que você acabou de fazer
vai ter troco!
-Não vai, não. Os mendigos não
vão dar.
-Cuidado com aquilo que você mais
ama. Porque eu vou te atacar exatamente lá.
-Então vai atacar
uma travessa de lasanha! Palhaço!- enrola-se na toga e sai triunfante.
-Dara, Dara,
Dara... Se você soubesse que eu sou o único vilão inescrupuloso dessa novela,
você não teria feito isso. Mais cedo ou mais tarde, você será tão parte da
minha cama quanto a fronha do meu travesseiro! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!- a risada é seguida
de uma trovoada em plena Avenida Conde da Boa Vista.
/////
O clima soturno continua. Num
porão escuro, Wilson está com uma calculadora enquanto Coelho está se
balançando no chão, com a mão na cabeça.
-A bolsa caiu!- avisa o advogado.
-Disso eu sei, eu estava junto da
doida quando ela jogou pela janela!
-Me refiro à Bolsa de Valores do
Estado de São Paulo.
-O que eu tenho a ver com isso?
Estamos na Conde da Boa Vista, boçal!
-A maior parte dos investidores
da revista vem de lá. Sabe como é. É o principal centro econômico do país.
-Deve ter caído por causa do
confisco da poupança.
-Não. Despencou porque a notícia
de que você tentou comprar uma juíza repercutiu mal.
-Como ficaram sabendo? Aqui no
Brasil internet é uma coisa rara.
-As fofocas rolaram por
secretárias eletrônicas. Tiraram fotos da confusão lá embaixo e enviaram às
redações dos principais jornais paulistanos.
-O que isso quer dizer?
-Dr. Coelho, o quadro parece ser
altamente irreversível, com perspectivas de represálias contra a imagem da Play Pause.
-Fala em português, Wilson!
-Felipe, tu tá mias sujo que pau
de galinheiro.
-E tudo por culpa daquela juba
diabólica de Dara, que me enfeitiçou.
-Ledo engano. A
culpa é do cinto de castidade que você se recusou a colocar.
-Pode escrever,
Wilson: aquela juíza vai se arrepender, porque eu vou me vingar.
-Quer bancar Carrie,
a estranha, agora? Essa história de vingança só funciona em novela das seis!
-Esqueceu que você investigou
toda a vida dela pra mim? Pois é daí que eu tirarei minha carta da manga. A
ordem é usar o vulnerável cegueta do namorado dela pra chegar ao meu objetivo.
-O tal de Antonio? Mas como? O
que vai fazer?
-Wilson, eu vou te contar um
segredo- tira do bolso um rolo de esparadrapo.
-E o que... Glup... Você quer
falar?
-Sempre há uma testemunha
perigosa de nossas maldades: Thaynara, você... – ri diabolicamente enquanto se
aproxima do advogado com o esparadrapo- Mas os mortos não falam.
Será que Dr.Coelho é parente de
alguma vilã mexicana? Só pode ser.
/////
Sozinho em casa, Antonio se
consome com a dúvida sobre o caráter da crush
(e eu posso usar essa palavra à vontade porque "Crush" já existia em
1990). Dr. Coelho, mais maquiavélico que o cara que escreveu "O Príncipe",
aparece na porta da casa da juíza e usa a tática dos vendedores ambulantes.
-Moça!
-Moça? Será que o Wando tá na
minha porta?- Antonio decide satisfazer a curiosidade e abre a porta, ainda
fingindo não enxergar- Pois não?- diz com um tom frio, reconhecendo Coelho.
-Boa tarde. Eu sou o Dr.
Tortoni.
-Torloni? É parente da Christiane?
-Tortoni! Sou detetive
particular, e descobri coisas medonhas sobre sua mulher.
-Dara? A gente sabe que ela não
penteia o cabelo todo dia e que o passatempo preferido dela é dançar Pet Shop
Boys pelada pelo quarto.
-Posso bem avaliar...
-Do que se trata?
-Sua mulher foi fazer um striptease na sala de reunião de um
poderoso empresário chamado Felipe Almeida Coelho.
-Não. Não é verdade, o senhor
está blefando. Além disso, eu sei que o senhor não é Dr. Tortoni coisa nenhuma,
é o canalha do Coelho!
-Como sabe?
-Eu andei vendo umas entrevistas
suas... Claro, antes do meu acidente.
-Antonio, não pense que estou
blefando. Tenho provas cabais e carnais de que Dara esteve comigo. E sua cara
de dúvida já te torna uma isca fácil para a mentira dos outros.
-Pois eu quero ver essas provas
agora!
-Ver como, bocó? Está mais cego
do que perdido em tiroteio... O ditado é assim?
-Se você veio até aqui, é porque
tem as provas que diz. Caso seja alguma fotografia, pode deixar que eu passo a
mão, porque conheço aquele corpo até em braile.
-As provas estão aqui mesmo,
nessa casa.
-Em que parte?
-Vem comigo- Coelho fecha a
porta e sobe às escadas, segurando na mão de Antonio para que ele não caia.
A quem estou tentando enganar?
Coelho, ao chegar ao topo, empurra o arqui-inimigo, que desmaia. O pior é que
ele nem desconfiou. Eta, bicho besta!
/////
Horas depois, Dara está num
julgamento onde um homem é acusado de agredir verbalmente sua esposa. A juíza
lê a sentença.
-O Réu José Aparecido Soares de
Lima está condenado a quatro anos de prisão.
-Não, a senhora não pode fazer
isso!- o acusado se levanta, furioso, mas é contido por um promotor.
-Não fui eu, foram os votos do
júri. A punição será cumprida em regime fechado.
-Meritíssima, isso é uma
calúnia! Eu nunca fiz nada pra minha mulher! Tudo isso é um complô dela com o
amante, já que os dois foram surpreendidos por mim.
-Ora, por favor! Tivemos acesso
à prova cabal do seu crime. Para se vingar, compôs uma música na qual diz
claramente que o passatempo preferido da ordinária é ralar na boquinha da
garrafa. Que ultraje! Os policiais já podem levá-lo. E se existe alguém que se oponha
a esta sentença, que fale agora ou se calce para sempre.
-Eu!- Thaynara invade o fórum.
-Muito bem. Mas como eu não sou
nenhum padre, qualquer interferência na condução desse julgamento seria
plenamente ignorada. O que você quer, doida?
-Dizer que se existe alguém aqui
que deveria ser condenada, esse alguém é você!
-Nós não vamos começar a
discutir de novo. Todos sabem que além de ter um péssimo gosto pra homem, você
é demente.
-Escuta, nunca passou pela sua
cabeça de sentir vergonha por seduzir um homem casado?
-A falta de seletividade do seu
marido não vai ser colocada nas minhas costas. Agora saia do meu local de
trabalho.
-Nem pensar. Não até mostrar o
que trouxe pra você.
-Thaynara, eu já devolvi o
dinheiro do seu marido, o que mais você quer?
-A sanidade mental dele de
volta!- abre a bolsa e tira uma fotografia, entregando-a para Dara- Dá uma
olhada no que você obrigou Felipe a fazer.
Dara vê que a fotografia é
Wilson amarrado e amordaçado por esparadrapos, jogado no chão do prédio da
revista, trajando apenas uma samba-canção e com cara de desespero.
-Esse não é o advogado do teu
marido?
-Gatinho ele, né?
-Sim, um ângulo ótimo o dessa
foto.
-Concordo, amiga! Mas estou me referindo
ao verso da foto!
-"Sabe onde está seu
namorado cegueta agora? Talvez você precise ter certeza de que a sua casa não
foi invadida por um meliante conhecido como Dr.Tortoni. Vai ver esse é o preço
por não querer conhecer minha cama. Até breve, Meritíssima".
-Foi ele quem escreveu isso?
-Claro, eu conheço a letra do
Felipe. Tenho pra mim que ele levou teu namorado e só vai devolver quando você
fizer misérias com ele.
-Vou averiguar isso agora mesmo.
Pode ser uma armadilha. Vem comigo.
-Pra onde?
-Pra minha casa. Vamos ver se
você leva seu marido e ele devolve o meu homem.
/////
As belas chegam à residência da
juíza à toda velocidade (e vamos ignorar que Dara desrespeitou todas as leis de
trânsito, já que tem um gato morto no para-brisa). Ambas encontram a casa
aparentemente normal.
-Antonio! Antonio, cadê você?-
Dara corre pela casa toda e Thaynara fica nervosa.
-Ele passou por aqui, tenho
certeza.
-Como sabe?
-Felipe não blefa, queridinha.
Pra mim, ele sequestrou seu namorado e quer de resgate você num prato de
sobremesa.
O telefone toca.
-Atende você, que eu estou muito
nervosa.
-Eu? Eu sou visita, minha filha.
-Ai, sai da minha frente!-
empurra a coitada da Thaynara no sofá- Alô?
-Encontrou o engenheiro cego?-
Coelho liga de um orelhão. Bons tempos.
-Pra onde você levou Antonio,
Coelho? Fala, desgraçado!
-Não vou entregar o ouro ao
bandido tão cedo, meu amor.
-Fala! O que é que você quer? Se
vingar de mim?
-Depois do que você fez, é o
mínimo. Mas eu resolvi arrumar uma forma de te deixar em paz e, ao mesmo tempo,
conseguir o que eu quero. Você vai pagar o resgate desse tal de Antonio.
-Quanto você quer? Porque eu não
tenho como arcar com um milhão de cruzeiros.
-Sua ingenuidade é mais atrativa
do que seu corpinho escultural e sua juba indomável... Pegadinha do Mallandro!
Yeah, yeah! Eu quero você embrulhada pra presente amanhã, às oito horas, no
estacionamento da Play Pause. Não invente de montar uma
operação policial pra acabar comigo, porque além de estar em posse do seu
namorado, ainda tenho um cartão com sessenta créditos, e posso botá-lo na linha
se resolver torturá-lo.
-Coelho, libera o Antonio agora!
-Quem vai liberar é você. O
Antonio e você mesma- desliga.
-Era ele? O que é que o Felipe
quer?
-Acabar com a minha dignidade. Aliás,
o autor dessa novela acabou comigo de um jeito... O que mais falta me
acontecer?
-Dara, por que tem uma garrafa
entre as suas pernas?
-Porque o autor é uma porcaria
de dramaturgo e agora vai me fazer dançar uma música sob o pretexto de que está
homenageando os anos 90.
-"Desce mais, desce mais um
pouquinho!"...
O nível! Mas fizemos a Musa do
Judiciário ralar na boquinha da garrafa, o que por si só seria muito ousado
para a minha trajetória de dramaturgo porcaria. Se quiser ver gente pelada,
troque de canal e veja "Pantanal"!
/////
Sabe Antonio, o engenheiro cego
que deixou de ser cego e se tornou monossilábico porque só queremos saber de
Dara nessa novela? Pois é. Está amarrado numa cadeira, perto de uma janela.
Acorda e não sabe onde está.
-Aquele desgraçado me
sequestrou- não me diga!- Eu preciso sair daqui... O que é aquilo?
Antonio vê que há várias
cartas sobre a mesa, da qual ele está afastado. Aos poucos, ele vai pulando com
a cadeira e se aproxima dos envelopes, que trazem o nome da rua na qual ele
está.
/////
Dara chega ao
estacionamento, bastante apreensiva, na hora que Coelho marcou. Não há nenhum veículo,
e ela chega a pensar que ninguém apareceria, até que um automóvel em alta
velocidade chega e vai em direção à juíza. Nervosa, ela chega a correr, mas o
carro passa em sua frente e freia bruscamente. Coelho desce do carro com uma
bandana preta.
-O tão esperado
reencontro finalmente aconteceu.
-Cadê o Antonio, Coelho?
Fala onde você colocou ele!
-Calma, Dara. Se eu tive
coragem de levar seu namorado comigo, é porque eu realmente vou cumprir com a
promessa de devolvê-lo. Só que você tem uma conta a acertar comigo.
-Como é que eu vou saber
que você não está mentindo?
-Não tem como saber.
Esse risco você vai ter que correr se quiser ver seu Antonio escapar com vida.
Avisei no início do capítulo que iria te atacar onde mais doesse em você-
aproxima-se da juíza colocando a bandana em seus olhos.
-Pra quê isso?
-Vou te levar aonde seu namorado está. Mas vou
logo lhe avisando: depois disso, vai conhecer um homem de verdade.
-Quem? Tarcísio Meira?
-Já pensou em fazer "A
Praça é Nossa"? Entra no carro agora!
Coelho conduz Dara até o
banco do passageiro e sai calmamente com o veículo fazendo uma coisa que só os
anos 90 permitiam: dar uma gargalhada fatal.
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