O carro de Coelho é estacionado em
outra garagem, num prédio próximo ao cativeiro de Antonio. Dara continua com os
olhos vendados, trajando um casaco por conta do tempo frio. O vilão abre a porta
do carro para a juíza.
-Desce- após a ordem, a moça lhe
obedece- Tira a venda.
-O que você vai fazer comigo?
-Tira a venda, rápido!
-Pronto.
-Vamos agora fazer o meu jogo de
sedução.
-Eu já vou logo lhe avisando
que...
-Você não está em condições de me
exigir nada.
-O que é? Por acaso você vai me possuir
aqui mesmo?
-Mais ou menos. Mas eu farei com
você umas preliminares, para apimentar mais a nossa relação.
-Não temos uma relação, Coelho.
-Não até os próximos dez
minutos. Tira o casaco.
De má vontade, a juíza obedece,
mas joga a vestimenta no chão.
-Que mais?
Coelho ativa o toca-fita do
carro e trata de pôr "Meu Bem, Meu Mal", tema de abertura da novela
homônima que estava passando.
-Botei pra dar um clima.
-Ah, não! Eu não vou dançar o tema
de abertura de uma novela daquela emissora manipuladora, sem caráter, parcial,
e que me incitou a votar no...
-Dança a música ou eu mato teu
namorado.
-Meu bem, meu zen, meu mal...
–Dara canta apavorada e joga os braços de um lado para o outro, em uma
coreografia enigmática. Enigmática porque na cena da redação da revista ela
dançou melhor.
-Agora, bota o casaco e continua
dançando- Dara volta a obedecê-lo- Tira o casaco.
-Como é?
-Continua dançando e tira o
casaco.
-Tá!- a juíza arremessa o casaco
para o carro do antagonista.
-Bota o casaco.
-Qual o seu plano, afinal?
-Jogar sua reputação na lama com
essa cena ridícula.
-Ah, obrigada, como se o autor
não tivesse feito isso a novela inteira.
/////
A próxima empreitada da dupla é
chegar ao lugar onde Antonio está. A juíza volta a ter os olhos vendados,
enquanto Coelho se prepara para entrar no cativeiro. O vilão coloca Dara em
frente à porta, ainda do lado de fora.
-Você fica aqui. Tem uma porta
bem na sua frente. Você só vai abrir quando eu mandar. E nada de tirar a
bandana dos olhos.
-Antonio tá aí dentro?
-Não se preocupe, logo você vai vê-lo.
Já ele, né? Nada de destampar os olhos, eu estou vendo você.
Coelho entra e encontra Antonio,
que finge não vê-lo.
-Quem está aí?
-Quem mais, demente?
-O que é que você quer comigo?
-Com você? Quero de você, uma
pessoa que te pertence- vai para a cozinha.
-Não chega perto de Dara, senão
eu... – vira-se para Coelho.
-Senão o quê, Antonio? Eu não
tenho mais nada a perder, mas vou arrastar sua Dara pro mesmo buraco- Coelho
desliga o registro de água e retira uma torneira da pia- Além disso... Eu não
vou chegar perto de Dara. Chegar perto é muito pouco do que vou fazer com ela.
-Desgraçado!
-Pode abrir a porta, Dara.
-Antonio... – Dara corre para
abraçá-lo.
-Calminha aí, minha filha-
Coelho encosta a torneira nas costas de Antonio- Se der mais um passo, eu acabo
com ele. E você sabe o que tem que fazer pra conseguir Antonio de volta.
-O que vai fazer? Me ameaçar com
uma torneira de novo e fazer Dara acreditar que é um revólver?
-Torneira?- Dara estranha.
-Esse daí não mata nem
barata. Está te chantageando à toa.
-Não, espera um minuto.
Como é que você sabe que ele está com uma torneira na mão?
-E não é só disso que eu
sei. Descobri também que o Dr. Coelho não sabe apertar bem cordas- Antonio
levanta e se livra das amarras- E agora? Como você vai nos ameaçar?
-Muito bem, Antonio.
Realmente eu não esperava tanta perspicácia da sua parte. Mas só tem um
inconveniente: nós três estamos no meio do nada. Como farão pra voltar?
-Muito simples, caro
Coelho: estamos numa barraca da praia de Piedade. Uma barraca que você alugou
de um vendedor de coco, provavelmente por imaginar que esse seria o último
lugar que a polícia me procuraria. Dara pode ir até um orelhão e dizer a
locação exata de onde estamos.
-Maldição!
-Antonio, como você sabe
de tudo isso?
-Porque depois daquela
noite de chuva e visita íntima, eu recuperei a minha memória.
-Você não estava cego?- enquanto
isso, Coelho anda pé ante pé até a porta da barraca.
-Ah, é, mas é
que nas novelas a gente costuma perder a memória .
-Mas por que
você não me disse que tinha voltado a ver?
-Porque quando
eu ia te contar, a mulher dele apareceu dizendo que você tinha recebido
dinheiro pra ir pra cama com ele. Resolvi simular a continuação da minha
cegueira pra averiguar se era verdade ou não o que aquela desequilibrada disse!
-Mas não é mais desequilibrada
do que eu!- brada Coelho, que puxa com força o braço de Dara, fazendo-a correr com
ele pela areia da praia.
-Não se eu puder
impedir- o heroico engenheiro, que resolveu pôr a cachola pra funcionar no último
capítulo, avisa.
Sabe-se lá como
ou por que, duas lanchas estão na beira da praia. Coelho resolve roubar uma e
tenta colocar Dara lá dentro.
-Me solta,
desgraçado!
-Eu não vou
deixar aquele engenheiro te roubar de mim.
-Eu nunca fui
sua, me larga!
Esforço em vão:
Dara é colocada na lancha. Mais veloz que Usain Bolt, Antonio vê a lancha
zarpar e sobe na outra para comandá-la. A partir daí, o que se vê é uma
perseguição violenta. E quando eu digo "violenta", é porque é um
atentado contra a verossimilhança MESMO!
-Solta a minha
mulher, desgraçado!
-Minha mulher!
Perdeu, Antonio. Dara agora vai ser minha.
-Eu não sou de
ninguém, esses machos não me registraram em cartório! Me solta, Coelho!
-Nunca!
Antonio acelera e fica
junto à lancha comandada por Coelho.
-Você acha mesmo que vai
conseguir me alcançar?
-Claro que sim,
fui eu quem projetei essas lanchas. Larga a minha mulher agora!
-Por que você
não pede "por favor"? Quem sabe, assim, eu te atenda?
-Você vai ver o "por
favor" já, já!
-Socorro!- Dara grita.
Antonio encosta o veículo na
lancha de Coelho e pula para o local onde estão Dara e o rival.
-Agora é com a gente!
-O que é? Pensa que eu tenho
medo de você?
-Devia começar a ter!
-Pelo menos eu não sou uma presa
fácil na mão de bandidos.
-Pelo menos eu não ameaço meus inimigos
com uma torneira.
-Isso já foi pessoal- Coelho
parte pra cima de Antonio, e os dois travam uma luta em que não conseguem
disparar um único soco. Dara corre para o controle da lancha e encontra um
sinalizador. Ativa o objeto, mas percebe que há um píer a poucos quilômetros, e
que as lanchas estão indo na direção do local. Ela tenta parar a lancha, mas
não sabe pilotar.
Coelho dá um soco em Antonio,
que cai praticamente desacordado. Em seguida, agarra Dara pelos cabelos.
-Dara...
-Tá vendo isso daqui?- aponta
para Dara- Nunca mais você vai ter na sua vida! Eu venci, Antonio!
-Não toca na minha juba,
salafrário!- em um golpe de misericórdia, Dara atinge a cabeça de Coelho com um
golpe do sinalizador, fazendo-o cair na lancha, perto do controle. A juíza
coloca Antonio nos braços e pula no mar com ele. As lanchas se distanciam uma
da outra, mas a que Antonio comanda segue em linha reta. Esta passa sobre a
região que a jovem nada para chegar à superfície com o amado.
O antagonista recupera
os sentidos e vê o píer. Desesperado, faz uma manobra e vira a lancha para a
esquerda, freando logo em seguida, ainda no meio do mar, suspirando de alívio
até que...
-Ô-oh... – ele vê a
lancha vindo à direção daquela que roubou. Os veículos colidem e explodem.
Dara e Antonio
presenciam a explosão e se abraçam na água.
-Acabou. Finalmente
acabou.
Você é que pensa, Dara.
/////
A correnteza do rio vai
levando aquela... Opa, quase que canto a música do Djavan! A correnteza arrasta
Coelho para uma praia de Porto de Galinhas. Ao abrir os olhos, a primeira coisa
que vê é uma asiática voluptuosa trajando um maiô vermelho.
-Fui deportado?
-Parece que você bebeu
muito e veio boiando até aqui. Coitado.
-Onde eu estou? Tóquio?
-Porto de Galinhas. É
que eu sou turista.
-Ah, muito prazer.
Prazer imenso...
-É que sempre que
preciso de inspiração, venho pra cá.
-Inspiração pra quê?
-Sou desenhista de
mangás voltados ao público adulto. E sempre que venho pra cá presencio muitos
romances, o que dá margem para ótimos enredos.
-Mangás adultos, é? Por
que você não fala sobre suas próprias paixões?
-Porque eu não tive
nenhuma.
-Olha, quem sabe eu posso
dar uma consultoria?
-Você entende de
romances calientes?
-Entendo de mulheres
que mexem com o imaginário masculino. De certa forma, sei o que um homem
precisa ter para fazer o nascer o interesse na mulher. Qual o seu nome, bela
gueixa?
-Zigoto Shineray.
-Pois bem, eu vou te
prestar uma consultoria.
-Não vai dar, eu tenho
que voltar hoje pra lá. Mas você pode vir comigo, no meu jatinho, e explicar
suas ideias pra editora.
-Está me convidando pra
ir ao Japão?
-Por que não?
-Tem razão. Estou mesmo
precisando mudar de ares. E aposto que a convivência com você vai ser muito
interessante. Extremamente.
DEPOIS ISSO, NUMA CERIMÔNIA FÚNEBRE...
-ME LEVA COM ELE! ME
LEVA COM ELE!- Thaynara faz um escarcéu na missa de sétimo dia de Coelho, com
uma urna com as cinzas do marido. Na verdade, com as cinzas das lanchas que
explodiram.
SETE ANOS DEPOIS (PULANDO MAIS QUE CANGURU
NUMA CRONOLOGIA ESTAPAFÚRDIA)...
Thaynara anda
tranquilamente pelas ruas do bairro do Ibura (sim!) e bate à porta de uma casa.
Dara atende.
-Amiga!-
cumprimenta-lhe com um abraço.
-E aí, menina?
Tás ótima?
Não, você não
está lendo errado. Dara e Thaynara viraram amigas. Afinal, nunca disputaram
homem nenhum, não é? Para esse desfecho, a explicação é simples: foram
encontradas diversas irregularidades nas contas de Coelho. O confisco, depois
de sua suposta morte, fez Thay se tornar baby
cítrica... Digo, baby sitter. E o seu sustento vem da educação
que dá aos cinco gêmeos que a fértil Dara teve com Antonio: Luiz Carlos,
Alexandre, Anderson, Netinho e Carol... Caroline! Percebeu a piada? Não vou
explicar mais nada.
-Final de semana,
né? Largo do emprego e os meus filhos não largam de mim.
-Como é que você
faz pra manter as crianças entretidas quando eu não estou aqui?
-Boto elas todas
pra ver programação infantil.
-Dara, são quatro
horas da tarde do sábado. Que programa infantil está passando?
-Sei lá, mas é
com uma loura que cantava "Pinel por você" na época que engravidei
deles.
Luiz Carlos,
Alexandre, Anderson, Netinho e Carol... Caroline... Estão vendo a entrevista
que Xuxa faz com Suzana Vieira. E ficam embasbacadas.
-Chiquíssima, maravilhosa, sorridente,
suculenta, vitaminada!
-É
pra programa jovem, né, filha? Roupa de programa teenager! Ha! Ha! Ha! Ha!
-Aê,
comadre!
-Se
o programa fosse de manhã, como você tem, teria um outro traje.
-Xuca?
-É.
Eu tinha feito, mas a minha cabeleireira Ruddy achou que eu ia competir com seu
(CENSURADO!)!
Só
o que posso dizer é que Suzana não usou um bom sinônimo para o aplique da
apresentadora.
Voltando
às vitaminadas e suculentas...
-E
aí, menina? Conta as novidades.
-Arrumei
um bico na casa de um empresário que está passando férias no país com o filho
pequeno, Henry. Até já me chama de "mamãe".
-A
criança?
-O
pai também. Deve ser mensagem subliminar.
-Ele
paga bem?
-Paga
bem e me lança olhares sedutores. Pensando em renovar meu passaporte porque
finalmente eu vou me livrar das dívidas e do fantasma do Felipe.
-Arrasa!
-Pra
onde você vai?
-Ver
se o tal do "Titanic" é bom.
-Leva
um lencinho, amiga. Dizem que o filme é muito emocionante.
-Imagina.
Eu sou uma mulher bastante racional.
DENTRO DO CINEMA...
-Por
que você não colocou o Jack na porta, filha da mãe?- Dara está pendurando num
varal o quarto lenço que ela inundou de tanto chorar. E claro, constatando
aquilo do que todos reclamam.
JÁ DO LADO DE FORA...
A
jornalista Bella Café está na porta do UCI do Shopping Recife.
-Em
poucos dias de exibição, o longa-metragem "Titanic", de James
Cameron, atraiu milhares de brasileiros para as salas de cinema. Vamos
entrevistar algumas pessoas que viram o filme para saber a opinião sobre a
produção. Moço, qual é o seu nome?
-Fred
Fonseca.
-E
sua profissão?
-Professor.
Não é crime, não, né?
-Por
favor, qual a sua opinião sobre "Titanic"?
-Jack
cabia na porta. É muito sem sentido Rose deixar o cara congelando. Até Jim
Carrey passando um dia sem mentir é mais convincente.
-Você
já ficou um dia sem mentir?
-Sim.
Minto todos os dias na escola onde atuo, dizendo que sou professor quando sou apenas
um estagiário latino-americano sem dinheiro no banco... – percebe que está
sendo filmando- Isso não vai pra TV, vai?
-Pra
internet. Mas tudo bem, pouca gente tem. Por isso que "Explode Coração",
aquela novela das conversas pelo computador, foi taxada de louca. Obrigada.
Vamos entrevistar aqui outra pessoa. Qual é o seu nome?
-Robson.
-Ela
é sua namorada?
-Sim,
a Débora.
-O
que vocês acharam do filme?
-Muito
bem feito, a estória é incrível e a direção é tão espetacular que... Robson,
quer parar?
-Parar
com o quê?
-Você
me fez perder o capítulo de "Anjo Mau" pra assistir a esse filme
demais de duas horas pra ficar olhando pra outra?
-Débora,
eu não tava olhando pra ninguém.
-Eu
não saí de Itapissuma pra ser chifrada em rede nacional! Vamos pra casa agora.
-Mas
Débora...
-Não
quero ouvir nem um pio!- Débora puxa o namorado pela orelha. Constrangida, Bella
tenta entrevistar Dara.
-Com
licença, pode me dizer o que achou de "Titanic"?
-Prefiro
"Ghost"!- estabanada, Dara derrama toda a pipoca na camisa de
Antonio- Antonio? O que está fazendo aqui?
-Cumpri
a sentença de sete anos por ter roubado a lancha.
-Como
é que você soube que eu estava aqui?
-A
babá dos meus filhos, que por sinal é a doida da Thaynara, me contou. Aliás,
por que eu nunca soube que tinha cinco filhos?
-Porque
eu achei que você não fosse mais me querer. Depois da gravidez eu fiquei muito
flácida.
-Mas
não menos gostosa.
-Bom,
é resultado de um filme que vi ano passado: "Striptease". Me inspirei
na Demi Moore e fique um pouco marombada.
-Como
se precisasse...
-Você
não sabe a saudade que eu senti de você.
-Dara,
eu quero te pedir uma coisa. Vamos encerrar logo essa novela antes que o autor
invente alguma coisa pra nos separar de novo.
-Sim,
concordo. Minha reputação tá mais suja que o Tietê.
-Mas
antes, tem uma coisa que eu não tive chance de dizer em oito capítulos.
-O
quê?
-Eu
te amo.
-Mas
não mais do que eu amo você. E também ao seu salário de engenheiro, pois é ele
que vai dar conta da cria enorme que a gente tem e da hidratação do meu cabelo.
-Vamos
pra casa repetir uma cena de "Ghost", que era nosso filme predileto?
-Aquela
que o Sam e a Molly se amam ao som de "Unchained Melody"?
-Não,
a que a Oda Mae usa a identidade falsa de Rita Miller e dá um golpe de quatro
milhões, já que estou desempregado há sete anos!
O
longo beijo de Dara e Antonio poderia encerrar o capítulo se na praça de alimentação
não estivesse se apresentando uma banda de rock chamada Manjericão e Os
Trapaceiros, que costumeiramente se apresenta com clássicos. Tire o cavalinho
da chuva que ninguém vai tocar Barão Vermelho.
-Cheia
de manias, toda dengosa, menina bonita, sabe que é gostosa. Com esse seu jeito,
faz o que quer de mim, domina o meu coração. Eu fico sem saber o que fazer.
Quero te deixar, você não quer. Não quer! Então, me ajude a segurar essa barra
que é gostar de você! Então, me ajude a segurar essa barra que é gostar de
você!
-Antonio,
tá todo mundo olhando nosso beijo.
-Então,
me imita e finge que não tá vendo nada!- Antonio vira Dara num beijo tão
romântico que a coluna dela pode acabar naquele instante, não fosse a
flexibilidade de nossa musa.
-Didididididiê,
didididididiê, iê, iê, didididididiê...
FIM
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