-O que é que você tá fazendo aqui?
-Já disse que eu quero falar contigo.
-Mas não vai- sobe às escadas.
-Marina, espera!
-Eu não tenho nada pra falar com você!
-Mas eu tenho pra ouvir. Da tua boca- dito
isso, Marina para- Eu queria entender por quê. Por que tudo isso aconteceu.
-Ah, você não faz nem a mais remota ideia?
-Primeiro você me atrai pra uma armadilha,
depois me acusa de abuso sexual e agora tira a queixa contra mim? Qual é a tua,
Marina? Isso tudo é pra quê?
-Não te interessa- volta a subir às escadas.
-Tudo isso é pra chamar a minha atenção, né?-
a afirmação de Max deixa Marina indignada.
-Impressionante... Depois de tudo que aconteceu,
você ainda acha que é o centro do universo, que o mundo gira em torno de
você...
-Por acaso é mentira? Tudo isso não foi pra
chamar minha atenção mesmo?
-Por favor... Não se dê tanta importância...
-Ah, já saquei o que você quer com tudo isso:
bancar a Madalena arrependida.
-Como é?
-Agora que você tirou o processo das minhas
costas, viu que pode voltar pra mim. Já entendi qual é a tua nova tática pra me
conquistar.
-Então, tá. Você quer saber mesmo por que eu
fiz tudo isso, né? Pois não foi pra chamar a sua atenção, já que eu tinha
conseguido isso uma vez. Foi pra ganhar o seu desprezo, o seu ódio por mim. Pra
ter certeza de que um dia você conseguiu sentir alguma coisa por mim, porque
amor nunca foi o seu forte.
-Você é doente...
-Era, até o dia que eu decidi me livrar de
você, desse sentimento doentio que eu tenho, da vontade de te ter do lado.
-Eu não acredito em você. Numa só palavra do que
você tá dizendo.
-Pensa bem: o que eu ganhei com tudo isso?
-Sujar meu nome na Justiça não é muito pra
você?
-Não tô falando desse plano de vingança que
armei. Tô falando de ter me envolvido nisso que a gente teve.
-Agora você se arrepende, depois de quase me
ferrar duas vezes! Uma quando me disse que tava grávida e a outra...
-Aquela gravidez não foi um castigo pra mim,
Max. Ter que tirar o meu filho é que foi o difícil. Me ver sozinha, sem o apoio
do meu pai e o seu. Completamente sozinha.
-Marina, eu nunca te prometi que a gente ia
ser um casal.
-Claro que não. Eu esperava que isso
acontecesse com o tempo, assim que você visse que gostava de mim mesmo. Só que esse
dia nunca chegou, e não vai chegar. Mas eu esperava que a gente tomasse uma
decisão junto, entende?
-Salvar a criança? Pra quê? Você tinha
dezesseis anos, eu não quis e nem quero ser pai agora e nunca vou querer ter
filho. O que você quer? Que eu assine um atestado de arrependimento por ter
deixado um feto morrer?
-Era o meu filho. Um filho que ia ser meu e
seu...
-Ah, para com isso, Marina. Essa criança
podia muito bem não vingar. Será que você nunca se tocou de que foi essa tua
gravidez que melou o que a gente tinha?
-Eu vou... Vou explicar a situação de um
jeito que você, com essa cabeça limitada de mulherengo irresponsável, consiga
entender. Eu não quero você como namorado, eu não quis você como pai do meu
filho, eu não quero você assumindo papel nenhum na minha vida nunca mais. O que
eu quis, no dia que você foi embora sem dizer se ia voltar ou não, era um homem
de verdade, que me dissesse que mesmo não querendo esse feto- usa a expressão
com certo desprezo- não ia me deixar sozinha. Eu queria um homem que me
dissesse que eu tava certa em lutar contra todo mundo e ter esse filho, mesmo
que eu lidasse com a situação sozinha. Mas você me indicou a solução, Max. A
pior possível. Foi aí que eu vi que... Você não era quem eu queria, nem poderia
ser. O jogo era fazer você mudar, conseguir pensar só em mim, mas acabou que eu
perdi duas vezes. Meu filho e meu pai não existem mais, e tudo que eu mais
queria agora era que aquela maldita médica tivesse me matado junto com o feto
que você rejeitou!- ofegante, Marina vira o rosto e chora em silêncio, deixando
Max penalizado com tudo que acabou de ouvir.
-Fiquei sabendo do seu pai. Eu sinto muito
pelo que aconteceu. Também sinto muito se eu não fui aquilo que você esperava.
Só que eu não posso fazer nada pra diminuir a sua dor.
-Pode, sim. Antes de eu me transformar, de
tentar ser outra pra te agradar, eu pensava que não existia no seu mundo. Bem
que você podia fazer isso por mim: esquecer que eu existo.
-Bom, eu vim aqui pra... – Max suspira- Pra
perguntar por que você tirou a queixa e pra te agradecer também. É. Graças a
você eu escapei da Justiça.
-Pode me retribuir: basta me ignorar.
-Será que um dia a gente vai conseguir olhar
um pra cara do outro e lembrar só as coisas boas que a gente viveu, Marina?
-Tá enganado, Max. O esforço que eu venho
fazendo desde o dia que eu tirei essa queixa não é pra lembrar, é pra esquecer.
-Duvido muito. Até hoje ninguém que passou
pela minha cama esqueceu.
-Tem razão. Não são das vezes que eu transei
com você que eu tenho que esquecer. É de você. Se todos podem pensar que essa
criança nunca existiu, o pai pode sumir junto com ela. Erra minha porta, Max-
Marina finalmente vai até o seu apartamento, sem olhar pra trás. Max finge não
se importar com as palavras duras ditas pela colega de classe.
Ao entrar em sua casa, a moça encontra Laura
e Marília sentadas no sofá.
-Estava te esperando, minha filha.
-A senhora abriu o resultado do exame, Mãe?
-Abri lá na clínica. Pedi pra sua irmã ler
também.
-E então?
Laura entrega o envelope, chorando.
-Leia você mesma.
Marina, trêmula, obedece à mãe, que se
levanta do sofá.
-Isso quer dizer que...
-Eu não sou soropositiva, minha filha. Seu
pai não me infectou.
Emocionada, Marília toma a iniciativa de
abraçar a mãe e a irmã, que afirma:
-O pesadelo acabou, Mãe. A gente vai ter a
vida que sempre sonhou. E vamos ser felizes por nós mesmas.
-Vai ser difícil, filha, mas eu vou batalhar
todos os dias pra viver. Em função de vocês e, principalmente, em função de
mim.
-Bom, essa é a história, Lucas. Cabe a você
conversar com a Carla. O que ela precisa nesse momento é de apoio. Não de
repreensão.
-Nunca pensei que você... Nossa... Parece que isso tudo foi vivido por
outra pessoa, não consigo te imaginar passando por isso. Logo você, tão
centrada, assim como o Pai...
-Foi justamente nesse momento que eu me dei
conta de que o Thales podia continuar como meu amigo. Não é isso que os maridos
devem ser?
-E você nunca mais teve notícia desse cara, o
tal de Max?
-Sua tia Marília fez questão de espalhar que
eu tinha ficado grávida, lembra? Pois também proibiu nossas amigas de tocar no
nome dele quando acabamos o colegial. Não tem sentido remoer essa história, meu
filho. Ninguém permaneceu igual depois do que aconteceu com a família, principalmente
eu. Quando eu comecei a namorar o Thales, eu passei a admirar a Júlia, porque
ela conseguia enfrentar tudo com a mesma admiração e carinho que sente pelo
Fabrício. Hoje, eles estão juntos, formaram uma família linda. E eu não tenho
nada do que me queixar. Seu pai me deu segurança, me deu prazer e acima de
tudo, um amor que eu faço questão de retribuir todos os dias.
Lucas nota a presença do pai, que acaba de
chegar, à porta vendo sua esposa lhe declarar seu amor.
-Desculpe, eu estava... Não queria interromper
nada- percebe a expressão atônita de Lucas- Aconteceu alguma coisa?
-Já sabe o que tem que fazer, filho. Vai
atrás dela.
-Se eu nunca te disse isso, acho que chegou a
hora: eu tenho muito orgulho de você, Mãe- Lucas abraça Marina- Obrigado por me
dizer o que eu precisava ouvir, e não o que eu queria. Tchau, Pai- sai
correndo.
-Mas você não vai almoçar? Lucas! O que deu
nele, Marina?
-Foi corrigir um erro. Como eu venho
corrigindo um erro meu todos os dias.
-Que erro?
-O de não ter te dado bola assim que a gente
se conheceu.
-Já estamos juntos há quase vinte anos e
temos dois filhos lindos, o Lucas e a Érica- Thales segura a esposa pelos
braços- Você acha mesmo que ainda está em dívida comigo?
-O tempo todo do mundo ainda é pouco pra te
amar.
-Me fala a verdade: você nunca se imaginou em
outra situação? Com outra pessoa que não fosse eu?
-Tem uma lição que eu aprendi através de
você.
-Qual?
-Por mais que eu sonhe com uma paixão que
deixe meu mundo mais colorido, eu só vou descobrir um amor verdadeiro quando
alguém me der a mão pra seguir em meio ao mundo cinza. E nenhum inverno vai ser
tão rigoroso, Thales, enquanto eu souber que você vai me aquecer. Por isso que
eu não tenho nenhum medo de dizer que eu te amo.
-E eu te amo cada dia mais. Obrigado por ser
a melhor parte de mim- Thales troca um beijo apaixonado com a esposa.
Sozinha na varanda do Shopping Paço
Alfândega, Carla olha a vista com um semblante sofrido, e não escuta os passos
que indicam a aproximação de Lucas. Tira do bolso um fone de ouvido e o seu
aparelho de MP3. Seleciona uma canção, "Eu nunca disse adeus", e
escuta, ainda de costas para o namorado. Ele retira o fone da moça, que se
volta para ele, furiosa.
-Como foi que você me achou aqui?
-Se esqueceu? Ninguém te conhece melhor do que
eu.
-O que você quer agora?
-Vim te pedir desculpa.
-Foi bom mesmo você ter me procurado, pra
ouvir o que eu tenho pra te dizer. Quem dá a última palavra sobre a minha vida
sou eu. Se você pensa que eu vou tirar esse filho só porque você quer...
-Eu não quero que você tire.
-O quê?
-Carla, eu andei conversando com a minha mãe
e eu decidi que não quero que você tire.
-Isso é uma decisão que eu já tomei.
Engraçado você ter que ter dito isso pra sua mãe. Parece que ela é quem te
comanda.
-De quem é a decisão não importa.
-Sinceramente, eu não pensei que você fosse
tão fraco...
-A gente tá falando de um filho, Carla. O que
você achou que ia acontecer? Que eu não fosse tomar um susto?
-Tudo bem, Lucas. Eu não quero te obrigar a
nada. Só o que eu vou afirmar é que meu filho vai nascer, com ou sem o seu
apoio.
-Carla, desde que eu me apaixonei por você,
não consigo ver sentido na minha vida sem te ter por perto, junto de mim. O meu
medo maior é de não conseguir dizer que eu te amo todos os dias, sempre que eu puder.
Eu não quero e nem vou rejeitar esse filho porque eu já te provei que sou capaz
de amar. Você que me despertou isso.
-Me diz uma coisa, com toda a sinceridade do
mundo: você se vê sendo pai?
-Quer saber? Eu me vejo sendo feliz. E tudo
que vem de você pode fazer com que eu me sinta assim. Quero todas as coisas que
o nosso amor pode dar- Lucas passa a mão no ventre de Carla, que se emociona-
Obrigado por me fazer tão feliz.
Um longo abraço é trocado em silêncio,
simbolizando a reconciliação do casal.
Longe daquele lugar, no fim da mesma manhã, dois
colegas de classe de Lucas saem da escola e seguem conversando até a estação
metroviária. Naquele instante passa um carro branco, que se vê obrigado a parar
por conta de um pneu furado. Max desce do veículo, enquanto os adolescentes
seguem conversando sobre o rapaz.
-Que estranho... Lucas não é de matar aula...
Será que aconteceu alguma coisa?
-Relaxa, Pepeu. Vai ver ele arrumou um
programa a dois pra fazer com a Carla.
-Sei, não, Diogo. Isso é mais a cara da irmã
dele.
-Falando nela...
Érica, a irmã mais nova de Lucas, desembarca
na estação metroviária e, ao passar, faz com que Max esqueça o problema de seu
carro, dada a sua impressionante semelhança com a mãe.
-Marina?- Max exclama, em voz baixa. A jovem
não o escuta.
-Pena que o Lucas é nosso amigo. Porque se eu
tivesse chance com essa irmã dele, vou te contar... – desabafa Pepeu.
-Olha lá, hein? A Érica pode ser gata, mas
também pode dar uma dor de cabeça daquelas. Cuidado com ela, viu?- alerta
Diogo, não percebendo o quanto a jovem está perto.
-Pra quê a gente precisa tomar cuidado,
Diogo?- Érica se aproxima do ouvido do rapaz e sussurra- Se arriscar é bem mais
interessante, né?- segue em direção à escola, como prevê.
Ambos os jovens vão à bilheteria do metrô e
Max permanece no local, impressionado com a semelhança entre Érica e Marina.
Desconhecendo a história que sua mãe teve com o homem que a olha fixamente, a
adolescente não se intimida em transparecer seu largo sorriso. Para ela, é o
dono do carro mais um que fica inebriado com o seu poder de sedução. Existe, em
sua cabeça, um jogo mais prazeroso do que esse?
FIM