O dia
amanhece no Hospital do Susto. Matheus é visto andando pelos corredores da
unidade com um semblante sério e uma bolsa atravessada em suas costas. Logo, é
surpreendido por Gabrielle.
(fundo
musical: “We’ve got tonight”- “I know it's late, I know you're
weary/ I know your plans
don't include me”)
GABRIELLE:
Até que enfim você apareceu. Estava te esperando.
MATHEUS:
Quem? Eu?
GABRIELLE: No
meu consultório, agora!
MATHEUS: Espera...
(é colocado numa poltrona da sala de Gabrielle, ao lado de Antonio) O que é que
eu estou fazendo aqui?
GABRIELLE: Consulta
de rotina. Me deixa apenas atender o rapaz do teu lado.
MATHEUS: Mas...
GABRIELLE: Calado!
Olha aqui, meu filho, aqui está a receita. Nada de suplementos ou de batata
doce quatro vezes ao dia. O que você precisa é de uma dose excessiva de café.
ANTONIO: Sei.
Mas isso funciona mesmo, Doutora?
GABRIELLE: Café
é vida, menino! Tome uma vez antes de ir ao trabalho, e depois beba setenta e
duas vezes antes da meia-noite.
ANTONIO: Tudo
isso?
GABRIELLE: Vai
discutir com uma nutricionista? Acho que não. Passar bem.
ANTONIO: Obrigado,
Doutora (levanta-se da cadeira e deixa o consultório).
GABRIELLE: Agora
podemos falar de você.
MATHEUS: De
mim?
GABRIELLE: Sabemos
que seu prato preferido é lasanha. Mas este prato contém uma dose de calorias
com um teor elevado... Coma.
MATHEUS: Eu
trabalho aqui, sabia? (a revelação deixa Gabrielle em silêncio por alguns
segundos)
GABRIELLE: Verdade?
Isso não te impede de se preocupar com a própria saúde.
MATHEUS: Senhora,
eu só quero saber se terminou a reforma da minha sala. Eu sou ginecologista.
GABRIELLE:
Tivemos um problema na infraestrutura do seu consultório. De modo que,
atualmente, o espaço é ocupado por uma especialista em comportamento sexual.
MATHEUS: Especialista
em quê? (subitamente, Matheus aparece em sua antiga sala e flagra Danila
pregando um cartaz na parede, e neste está escrito: “Se estiver atrás de uma
coisa picante, compre um vidro de pimenta”)
DANILA: Ah,
você deve ser o ginecologista que atendia aqui há pouco tempo. Sinto muito, meu
filho, mas eu já ocupei a sala.
MATHEUS: E
onde é que eu vou atender, posso saber?
DANILA: Você
eu não sei, mas eu... (ri discretamente e se aproxima do médico) Posso
atendê-lo aqui e agora. Se quiser, posso dar um laudo em um lugar mais
reservado. Depende de onde o senhor quer que eu faça a avaliação. Pode ser na
rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.
MATHEUS: A
senhora trate de manter a compostura!
DANILA: Falou
o homem viciado em hentais na juventude.
MATHEUS: Sabia
que eu posso te denunciar ao Conselho Federal de Medicina? Eu sou um homem
casado!
DANILA: Eu
também sou, mas isso não me impede de gostar de um “urso”.
MATHEUS: Pois,
então, eu trato de voltar assim que essa reforma maldita terminar. Passar bem!
(abandona a sala).
DANILA: Pobre
homem. Deveria ter prestado exame para Medicina Veterinária. Só assim saberia
que não se deve desprezar uma mulher na idade da loba.
(fundo
musical: “A loba”- “debaixo da pele de gata, eu escondo uma loba”)
Matheus enfrenta
um engarrafamento ao voltar pra casa e liga o rádio do carro.
NARRADOR: E
agora vamos ao primeiro lugar da nossa parada de música clássica.
(fundo
musical: “Na dança do striptease”- “ela me disse/ ela me disse/ que vai subir
no palco pra fazer striptease”)
Thiago é
visto com a cabeça encostada na janela do ônibus que está ao lado do carro de
Matheus.
MATHEUS: O
que tá fazendo aqui?
THIAGO: Tô no
meu habitat. Nada mais natural do que um pobre num ônibus.
MATHEUS: E o
que você tem feito da vida?
THIAGO: Passei
no concurso público pra professor. Já faz tantos anos que a gente não se fala
que eu me esqueci de contar.
MATHEUS: Verdade.
Quanto tempo mesmo?
THIAGO: Já
dizia aquela velha do Titanic: “oitenta e quatro anos”.
MATHEUS: Indo
pro trabalho agora?
THIAGO: É, eu
dou aula. Mas desde que Recife virou capital do Brasil o trânsito, que já era
ruim, ficou pior. Estou preso no engarrafamento há duas horas (o celular de
Thiago toca). Só um minuto. Alô? Sim, é ele. Sério? Então, fazer o quê, não é?
Obrigado por ter avisado (desliga o aparelho).
MATHEUS:
Problemas?
THIAGO: O
sindicato acabou de declarar greve por tempo indeterminado. Logo agora, que eu
saí de casa... Mas me conta: como você tem passado?
MATHEUS:
Vendo tua situação, tive um pressentimento.
THIAGO:
Sério? Que pressentimento?
(fundo
musical: “Solidão”- “de repente, eu tô sentindo/ que você vai se dar mal”)
Matheus desperta.
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