22/09/2018

VALENTE VALENÇA/ CAPÍTULO 16


-Fales, Michel. De onde tu conheces o Tato?
-Não vais dizer que ele é o gajo que... – Valente, a partir do relato de Tato, descobre o envolvimento do amigo com o seu futuro cunhado.
-Estou a esperar uma resposta tua, Michel.
-Tato é meu amigo, Cissa. Nós nos conhecemos na viagem que eu fiz às Bahamas, há um bom tempo.
-Pelo rosto dele, há um fundo de mentira na tua afirmação- observa Beatriz.
-O que é que tu sabes sobre isto, Valente?
-Cissa, esqueças. Isto é assunto entre o Tato e o teu irmão.
-Por que tanto mistério? Acaso o meu irmão, Michel, está a mentir?
-Está- surpreende Tato, até então calado diante da dúvida dos presentes- Verdade que nos conhecemos nas Bahamas. Mas não somos amigos. Aliás, não somos mais nada e fazemos questão de continuarmos sem ser.
-Tato, desculpa-me. Eu não sei nem o que dizer...
-Não fiques assim, Valente. Ninguém poderia prever esta situação.
-Mas... Que situação?
-Cissa, acordes! Não está nítido que houve um envolvimento entre teu irmão e este moço?- Beatriz esclarece.
-Que horror!- Nete fica embasbacada- Como tu podes receber dois pecadores como eles na tua casa, Valente?
-A senhora não pode falar assim, irmã. O Michel é meu irmão.
-Tens razão, Cissa. Reformularei a frase... Como tu podes receber um pecador como este na tua casa, Valente?
-Parabéns, Otávio. O teu plano acaba de funcionar perfeitamente- Michel provoca o jovem.
-Que plano?
-Conseguiste destruir o noivado da minha irmã. Aposto que deves ter cercado o Valente para conseguires transitar pela festa e estragar a celebração. Tu quiseste vingar-se de mim na Cissa.
-Não desceria tão baixo, isto é uma atitude tipicamente tua.
-Gente, por favor, esta noite nós nos reunimos para comemorar o noivado de Cissa e Valente!
-Estás certa, Madre. Por isto mesmo eu vou embora.
-Tato, não saias assim.
-Vou procurar o meu tio, Valente. Mais uma vez, obrigado pelo que fizeste a mim.
-Agora sairá daqui como vítima... Nunca pensei que tu poderias descer tão baixo, Otávio.
-Ainda que eu quisesse protagonizar uma baixaria aqui, eu teria coragem, pois sou homem suficiente para aguentar qualquer cousa. Ao contrário de tu, que finges ser o que não és.
-Dês o fora desta casa agora. Ninguém quer a tua presença infecta aqui.
-Mas ele vai ficar- declara Valente.
-Valente, estás se colocando abertamente contra o meu irmão?
-Não estou me pondo contra ninguém, Cissa, mas eu não vou deixar ninguém ser maltratado, muito menos na minha casa.
-Filho, os ânimos estão exaltados. Acho melhor irmos para casa.
-Logo agora, Fabiano, que esquenta a “gospeleja”?- Nete usa outro neologismo para definir a discussão.
-Boa noite a todos- Hélio chega ao apartamento do saxofonista e encontra o sobrinho ao lado do músico- Otávio, o que estás tu fazendo aqui?
-Tio, como foi que me encontraste?
-Pronto. O dono do antro de perdição tem laços sanguíneos com o pecador júnior. Não poderia ser pior.
-Sem mais comentários, Ednete!
-Calma, Hélio... O Tato é o teu sobrinho?
-Para mim, já foi mais que suficiente. Boa noite a todos- Michel vai à porta do apartamento, seguido imediatamente por Cissa.
-Michel, não podes sair assim.
-Tenho que tocar esta noite, não posso atrasar-me, Cissa. Tenho que ir.
-Esperes, Michel... Deixes que eu te levo. Esta noite acabou pra mim.
-Pois para mim, está só começando- avisa Valente, tentando pôr panos quentes na situação- Vais me deixar sozinho na noite do nosso noivado?
-Meu irmão não te concedeu a minha mão? Portanto, satisfaça-se com ela, porque eu vou embora! Vamos, Beatriz.
-Viu que teria sido bom servir vodca? Deixaria isto aqui ainda mais animado. Tchau, Valente, e obrigado pela recepção...
-Sem firulas, Beatriz. Rápido!
-Bom, acho que chegou também a hora de voltarmos para casa também- avisa Fabiano, segurando a esposa pelo braço.
-Desculpem pelo desastre desta noite.
-Não precisas desculpar-se, meu querido. Eu só quero dar-te um conselho: o que tiveres para resolver, resolvas rápido- Nete informa subliminarmente que Tato deve ser dispensado do apartamento- Fiques na paz.
-Amém- responde, desanimadamente.
-Boa noite- cumprimenta Nete a Joana, com desprazer.
-Que Deus vos acompanhe.
-Obrigado- responde Fabiano.
-Agora nós vamos ter uma conversa muito séria, rapaz- Hélio demonstra insatisfação para com o sobrinho.
-Bem, Valente, eu também tenho que voltar para o orfanato.
-Deixes que eu desça com a senhora e tome um táxi, enquanto o Otávio e o Hélio conversam...
-Não precisas ficar aflito comigo, meu filho. Eu mesma desço.
-A senhora me dá a sua bênção?
-Sempre: eu te abençoo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo- Joana faz o sinal da cruz e beija a mão do músico- Boa noite a todos.
-Boa noite- responde Hélio.
-Bem, eu vou deixar vocês mais à vontade. Com licença.
-Não saias. Quero saber por que não me disseste que o meu sobrinho estava aqui. Aliás, de onde vocês se conhecem?
-Escutei esta pergunta muitas vezes numa só noite...
-Respondas.
-O Tato foi atropelado perto do meu apartamento, por uma moto.
-E, em vez de levá-lo para o hospital, o trouxe para cá?
-O Valente não sabia que eu era teu sobrinho. Aliás, eu não sei nem como foi que vocês se conheceram.
-Ele trabalha no Recifeeling como músico, mas não mudem de assunto. Quero saber que ideia estapafúrdia foi esta de discutir com teu pai.
-Alguém precisava enfrentar o Kleber, não achas?
-Não chames o teu pai pelo nome. É desrespeito!
-Não é pior do que o que ele fez comigo.
-Eu insisto que devem ter esta conversa a sós.
-Fiques, Valente!
-Não, não precisas mais ficar, podes nos dar licença agora. Esta conversa é de família.
-Este rapaz fez por mim o que ninguém teria coragem de fazer. Deu-me um teto quando eu não tinha para onde ir.
-Convenhamos também que ele fez sem que tu merecesses.
-Do que estás falando, Tio?
-Escondeste de tua família tua opção sexual, passaste anos tendo um caso às escondidas com outro homem e peitaste o meu irmão. O que pensa a nossa família, será que tu sequer supões?
-Foi para me falar isto que vieste procurar a mim?
-Otávio, eu passei a manhã inteira numa delegacia de polícia, pedindo que fizessem buscas, que te procurassem. Como tu pudeste ser tão irresponsável e sair no mundo desta forma?
-Antes fora de casa do que convivendo com ele. Ele me humilhou, além de ter encostado a mão em mim.
-E acha que a reação intempestiva do Kleber foi gratuita? Se tu não tinhas para onde ir, que fosse ao meu encontro. Não fecharia a porta na tua cara, como deves ter julgado.
-E não é julgamento o que estás fazendo agora, Tio Hélio? Sabes, eu pensei em te procurar e ficar na tua casa, sim. Mas ontem eu estava sem cabeça, e sabia que no restaurante eu iria me expor. Por isto, eu tinha falado ao Valente que nesta noite eu te procuraria, por saber que irias para casa. Mas, pelo que vejo, eu devo ter feito muito bem em não sair atrás do senhor, não é?
-Chega de conversa. Eu vou te levar até a minha casa agora mesmo. Valente, a carona terá que ficar para outra ocasião.
-Sem problemas.
-Eu não quero ir contigo.
-Vais passar a morar de favor nesta casa? Esqueceste que tu tens família, irresponsável?
-A família é que esqueceu-se de mim. Duvido muito que ela esteja movendo céus e terra para me encontrar.
-Eu já te disse que passei a manhã inteira numa...
-Não precisas repetir, Tio Hélio. Mas se pensas em levar-me contigo para me devolveres à casa daquele homem...
-Aquele homem é teu pai...
-Que me jogou na rua com a roupa do corpo!
-Tato, não fales assim com o teu tio.
-Sou capaz de apostar o pouco que eu tenho que meu tio deve concordar com tudo que ele fez comigo.
-Não fales bobagem, gajo. Não estaria à tua procura se não estivesse realmente preocupado contigo. O que eu quero é que tu reconsideres...
-Por que só eu que devo reconsiderar?
-Porque teu pai não vai aceitar esta situação nunca.
-Ninguém pensa, não é? Ninguém se pergunta por qual motivo eu tive que me esconder.
-Isto não importa agora, Otávio.
-Importa, sim, e muito!
-Já vi que não dá para conversar contigo mesmo.
-Se for para me levar e tecer críticas ao meu comportamento, ou ao que eu fiz no passado, podes dar meia-volta e...
-Não fales desta forma com o teu tio- Valente faz uma intromissão na discussão, mais uma vez- Não é porque ele não concorda contigo que te odeia. Entendas o lado dele.
-Tudo bem, Tato, eu não pretendo mais discutir contigo. Sei que, com o Valente, tu estás em excelentes mãos, mas eu não serei demovido da ideia de convencer o teu pai a procurar-te.
-Pura perda de tempo. Ele nunca quererá vir, muito menos cogitará pedir-me perdão.
-O tempo dirá. Muito obrigado, Valente, pelo favor que estás me fazendo. Pelo menos, agora eu sei que meu sobrinho não está em perigo.
Valente abre a porta para que o patrão saia, esquecendo-se até de que tinha de ir ao restaurante após a formalização do noivado.
-Sinto muito por ter estragado a tua noite.
-Realmente, eu não imaginei que ela fosse terminar deste modo.
-Eu poderia ter ficado calado, mas quando eu vi aquele...
-Tato, precisamos conversar. Senta-te.
-Estou morrendo de vergonha por ter acabado com o seu noivado.
-Não sinta vergonha por mim ou pela Cissa, e sim por si mesmo. O mundo está contra você, mas não pode tratar assim o seu tio. Ele está realmente preocupado.
-Disto eu sei, mas não significa que ele concorde.
-Penses bem: quantas pessoas no mundo concordarão com as decisões que tomamos?
-Por que estás dizendo isto?
-Meu trabalho é no Recifeeling. Achas mesmo que eu não escuto nada, uma crítica sequer ao fato de eu ser cristão e trabalhar à noite?
-Mas o restaurante do meu tio não é nenhum palco de indecência.
-Para alguns, é. Tato, não fiques o tempo todo se preparando para autodefesa. Precisas cercar-te de quem verdadeiramente te ama.
-O meu pai não é uma destas pessoas.
-Não vamos pensar no que foi que ele te fez e sim por que o fez. Mesmo com toda divergência, não podes colocar em dúvida o amor que o Kleber sente por ti, Tato.
-Só que ele deixou bem claro que me rejeita. E vais ter que desculpar a minha franqueza, mas tu tentas me convencer da ideia de voltar para casa porque não sabes o que é rejeição.
-Convivi com a rejeição durante toda a minha vida, lembras?
-Desculpa-me, eu não deveria ter tocado nesta ferida tua...
-Que vai ficar aberta pelo resto da minha vida. Penses bem naquilo que está jogando fora, Tato. Evites ter que olhar para trás e dizer que poderia ter feito diferente. Se não encontraste o amor em quem tu pensavas, corras para quem possa dar-te sem reserva.
As palavras de Valente soam pesadas para Tato. Magoado, o jovem prefere alimentar a mágoa contra o pai, que também prefere não ensaiar nenhum tipo de aproximação. A manhã seguinte, contudo, reserva uma nova chance para pai e filho quando Hélio vai à casa do irmão, sendo recebido por Dora.
-Alguma novidade sobre o meu filho, Hélio?
-Sim, Dora, eu tenho.
-Kleber, venhas aqui.
O agente de viagens sai do quarto com o seu notebook na mão.
-Que celeuma é esta?
-Descobri onde o Tato está.
-Chamaram-me para dizer o paradeiro daquele atrevido?
-Sabemos que estás tão preocupado quanto nós, Kleber.
-Eis a prova cabal de que tu me conheces pouco, mesmo convivendo comigo a vida inteira, Hélio. Por mim... Posso voltar ao meu trabalho agora ou será que é pedir demais?- Kleber vai à escadaria da mansão.
-Está no apartamento de Valente Valença.
-Como é? Quem é este? O único Valente que eu conheço é aquele teu... Não... O Tato engatou outro caso?
-Não é nada disso, Kleber. O Valente viu que o Tato tinha sido atropelado por uma moto e...
-Atropelado?- Dora fica apavorada- Pelo amor de Deus, fales que o meu filho está bem!
-Dora, eu mesmo o vi e ele está bem. Só que está acomodado na casa do Valente.
-Se ele está bem, ótimo. Se não estiver, estimo melhoras.
-Kleber, tu não podes a vida inteira fingir que Otávio nunca existiu.
-Existiu, sim, mas o risquei da minha lembrança.
-E da casa também.
-Porque pertence a mim, Hélio.
-Ao contrário da vida do teu filho, controlada por ele mesmo.
-O que explica ele morar agora com um desconhecido. Nada disto aconteceria se ele tivesse honrado as calças que veste!
-Por que ele não veio contigo, Hélio? Ou por que não foi para a tua casa?
-Tato está irredutível, Dora. Acredita que eu vou convencê-lo a voltar para cá.
-Sorte a nossa tu não o teres convencido!- declara Kleber.
-Eu não, mas tu o farás.
-O que queres dizer?
-Que tu vais procurar o Tato e trazê-lo de volta!
-Por mim, que se exploda.
-Não sejas intransigente, Kleber!
-Engraçado, Dora, tens a mais absoluta certeza de que eu tenho a obrigação de desculpar-me com o teu filho. Acaso fui eu quem mentiu? Ou desrespeitei o meu pai?
-Sem conversar com o teu filho, coisa que evitas a todo custo, não resolverás este problema nunca, Kleber.
-Melhor mesmo não resolver.
-Se tu não fores, eu vou saber como está o Otávio.
-Não, Dora. O problema do Tato é com o pai. E será o pai o responsável por fazê-lo retornar.
-Vocês não entendem? Aceitar o Otávio de volta é o mesmo que admitir que a imundície que ele pratica passará em brancas nuvens para sempre. Eu não vou voltar atrás!
-Admitir para quem? Para o mundo? Este é o teu medo, meu irmão? De que todos saibam que o Tato não gosta de mulheres, ou não gosta apenas de mulheres?
-Pois bem: já que tu és tão moderno, a ponto de aceitar as imoralidades do teu sobrinho, por que não te enfurnas debaixo dos lençóis com outro homem? Melhor: por que não foste convincente o bastante para abrigar teu querido sobrinho na tua casa? Deixes que eu te responda: porque, no fundo, tu sabes que eu tenho razão. O mundo que se dane! O que me interessa é o que faz a minha família.
-O Valente deu um teto ao teu filho depois do garoto ter sofrido um acidente.
-Provavelmente saiu desnorteado após a discussão que tu tiveste com ele...
-Se duvidares, nem um acidente ele sofreu, Dora. Soa-me como estratégia para pôr os pés aqui novamente. Mas eu não darei o braço a torcer por conta dos erros que por ele foram cometidos...
-Chega, Kleber! Tens até amanhã para trazer o nosso filho de volta a esta casa!
-Não tenho o que pensar...
-Mas eu sim. Quem está determinando o retorno do Otávio sou eu, e não tu. E acho melhor que tu resolvas buscá-lo; caso contrário, eu mesma faço.
-Posso proibir-te de entrar aqui, se eu quiser.
-Proíbes cousa alguma.
-Agora vocês dois também brigarão, não bastando o desentendimento com o Tato?
-Caso coloques-me para fora daqui, o mundo vai saber o porquê, porque eu farei de tudo para contar a verdade sobre a briga que tiveste com o Otávio, ameaçando e agredindo o nosso filho. E quando eu estiver prestes a fazer isto, Kleber, pensarás duas vezes antes de tentar prejudicá-lo ainda mais. Portanto, eu só te direi mais uma vez: até amanhã, ele tem que estar aqui! Ouviste bem? Hélio, desculpa-me, mas eu não tenho condições de ficar. Estou com muita dor de cabeça.
-Claro, eu entendo-te, Dora.
-Com licença- Dora sai da sala e toma um analgésico em seu quarto.
-O que tu achas?
-Se é para evitar um novo escândalo, amanhã mesmo eu trago o ingrato.
-Felizmente...
-Agora, cá entre nós... Tu que conheces melhor o Valente... Achas que ele e o Otávio...
-Kleber, não vais desconfiar de todo homem que se aproximar do Tato de agora em diante.
-O que tu querias? Eu não o via com homens e descobri a sujeira que ele praticava.
-Se serve a ti de consolo, ainda ontem foi o noivado do Valente. E sou capaz de arriscar a minha pele, Kleber, mas te afirmo: o que há entre teu filho e ele não passa de amizade verdadeira, e pobre coitado daquele que pensa o contrário.
Os ânimos parecem estar mais contidos do que na noite anterior. Valente saiu para comprar pão e deixou a chave na porta do apartamento, ficando esta a cargo de Tato. Ouve-se a campainha tocando. Por um momento, o jovem pensa na promessa que Hélio fez de conversar com seu pai para levá-lo de volta à mansão dos Goulart e abre a porta com receio. Era Cissa.
-O Valente não está, foi à padaria.
-Eu sei, esperei que ele saísse. Vim mesmo para falar contigo- entra, deixando a porta aberta.
-Comigo? Sobre o quê queres falar?
-Para começar, sem cinismo de tua parte.
-Eu não estou sendo cínico. E não admito que tu venhas acusar-me desta forma.
-Querias o quê? A noite de ontem foi um completo desastre, eu passei a maior vergonha da minha vida por tua culpa e achas que te sentes no direito de ficar ofendido?
-Olhes, não penses tu que o que ocorreu ontem foi proposital.
-Mas foi o que pareceu.
-Como eu saberia que o Valente é cunhado do Michel?
-Quatro anos não foi tempo suficiente para descobrir tudo acerca da vida do meu irmão?
-Michel pouco queria saber sobre mim, e eu respeitei isto.
-No entanto, tu poderias muito bem sondar de maneira que o meu irmão não desconfiasse. Não achas muita coincidência que tenhas vindo se abrigar justamente na casa do meu noivo?
-O que tanto queres insinuar, Clarissa?
-Na primeira noite, quando estiveste aqui, eu deixei bem claro para o Valente que era perigoso um sujeito da tua natureza circulando pelo apartamento, pensei que fosses um larápio. Bastou que o Michel surgisse em tua frente para te revelares pior do que o imaginado. E eu fui contra, mas o Valente, caridoso como só ele sabe ser, estendeu-te a mão.
-Clarissa, eu não planejei acabar com a festa de noivado que o Valente fez para ti. Até ajudei a arrumar o apartamento e deixei bem claro que não seria de bom tom aparecer, uma vez que tu mostraste, desde o dia em que cheguei, não simpatizar comigo.
-E com toda a razão do mundo, não é?
-Se tua preocupação é o fato de eu ter discutido com o Michel na frente de todos, saibas que não foi nada premeditado...
-Ah, claro...
-A vida do teu irmão não me interessa mais. E mesmo que eu soubesse de alguma cousa a respeito, não usaria para prejudicá-lo. Seria perda de tempo lidar com um sujeito tão vil quanto ele.
-Mas o expôs, sendo a prova cabal de que queres vê-lo pelas costas.
-Expus o Michel a quê, Clarissa? À verdade da qual ele foge todos os dias?
-A vida íntima do meu irmão não me interessa, mas a do meu noivo, sim! E eu não vou deixar que uma serpente venenosa feito você estrague a vida dele. Sabias que tu podes acabar com a reputação do Valente?
-Como acreditas que eu farei isto? E logo com o Valente, que estendeu sua mão para ajudar-me?
-O que será que as pessoas estão comentando sobre a patética cena de ontem?
-Não ligo a mínima...
-Mas deverias, já que dizes prezar tanto o teu novo amigo. O que será que as pessoas pensam de dois homens que moram no mesmo lugar, não sendo parentes, e um declaradamente bissexual? O óbvio: que o Valente tem a mesma opção sexual que a tua. Pode não te parecer nada, mas é terrível para um gajo como ele, temente às regras da igreja.
-A única coisa na qual Valente e eu nos assemelhamos é no caráter.
-Ledo engano. O dele é incomparável ao teu.
-Até concordo. Por isto mesmo que lamento que ele tenha escolhido para dividir a vida alguém como tu.
-Como te atreves a falar comigo assim?
-Não esperaste o Valente sair para abrir o jogo comigo, Clarissa? O que pensas? Que me calarei diante dos despautérios que me falas?
-Tua indignação não me comove, Otávio.
-Não preciso da tua comoção, mas vais ouvir-me atentamente. Eu não conheço o Valente tanto quanto tu o conheces, mas sei muito bem o quão bondoso ele é. E é exatamente por este motivo que lamento profundamente por ele ter escolhido dividir o resto de sua vida com uma mulher feito tu. Não fico admirado, mas nem um pouco, em saber que Michel é teu irmão. Afinal de contas, nenhum dos dois presta...
-Cala-te!- Cissa bate no rosto de Tato assim que Valente volta ao apartamento, chocado e em silêncio pela atitude da noiva.
-Do meu pai eu até aguento uma bofetada sem revidar, por uma questão de respeito... Mas uma provocação tua não fica sem resposta, desgraçada!- Tato reage à agressão cuspindo no rosto da vendedora.
-O que é isto? O que pensam que estão fazendo?- Valente, assustado, se coloca entre os opositores.

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