-Fales, Michel. De onde tu conheces o Tato?
-Não vais dizer que ele é o gajo que... – Valente, a partir
do relato de Tato, descobre o envolvimento do amigo com o seu futuro cunhado.
-Estou a esperar uma resposta tua, Michel.
-Tato é meu amigo, Cissa. Nós nos conhecemos na viagem que eu
fiz às Bahamas, há um bom tempo.
-Pelo rosto dele, há um fundo de mentira na tua afirmação-
observa Beatriz.
-O que é que tu sabes sobre isto, Valente?
-Cissa, esqueças. Isto é assunto entre o Tato e o teu irmão.
-Por que tanto mistério? Acaso o meu irmão, Michel, está a
mentir?
-Está- surpreende Tato, até então calado diante da dúvida dos
presentes- Verdade que nos conhecemos nas Bahamas. Mas não somos amigos. Aliás,
não somos mais nada e fazemos questão de continuarmos sem ser.
-Tato, desculpa-me. Eu não sei nem o que dizer...
-Não fiques assim, Valente. Ninguém poderia prever esta
situação.
-Mas... Que situação?
-Cissa, acordes! Não está nítido que houve um envolvimento
entre teu irmão e este moço?- Beatriz esclarece.
-Que horror!- Nete fica embasbacada- Como tu podes receber
dois pecadores como eles na tua casa, Valente?
-A senhora não pode falar assim, irmã. O Michel é meu irmão.
-Tens razão, Cissa. Reformularei a frase... Como tu podes
receber um pecador como este na tua casa, Valente?
-Parabéns, Otávio. O teu plano acaba de funcionar
perfeitamente- Michel provoca o jovem.
-Que plano?
-Conseguiste destruir o noivado da minha irmã. Aposto que
deves ter cercado o Valente para conseguires transitar pela festa e estragar a
celebração. Tu quiseste vingar-se de mim na Cissa.
-Não desceria tão baixo, isto é uma atitude tipicamente tua.
-Gente, por favor, esta noite nós nos reunimos para comemorar
o noivado de Cissa e Valente!
-Estás certa, Madre. Por isto mesmo eu vou embora.
-Tato, não saias assim.
-Vou procurar o meu tio, Valente. Mais uma vez, obrigado pelo
que fizeste a mim.
-Agora sairá daqui como vítima... Nunca pensei que tu
poderias descer tão baixo, Otávio.
-Ainda que eu quisesse protagonizar uma baixaria aqui, eu
teria coragem, pois sou homem suficiente para aguentar qualquer cousa. Ao
contrário de tu, que finges ser o que não és.
-Dês o fora desta casa agora. Ninguém quer a tua presença
infecta aqui.
-Mas ele vai ficar- declara Valente.
-Valente, estás se colocando abertamente contra o meu irmão?
-Não estou me pondo contra ninguém, Cissa, mas eu não vou
deixar ninguém ser maltratado, muito menos na minha casa.
-Filho, os ânimos estão exaltados. Acho melhor irmos para
casa.
-Logo agora, Fabiano, que esquenta a “gospeleja”?- Nete usa
outro neologismo para definir a discussão.
-Boa noite a todos- Hélio chega ao apartamento do saxofonista
e encontra o sobrinho ao lado do músico- Otávio, o que estás tu fazendo aqui?
-Tio, como foi que me encontraste?
-Pronto. O dono do antro de perdição tem laços sanguíneos com
o pecador júnior. Não poderia ser pior.
-Sem mais comentários, Ednete!
-Calma, Hélio... O Tato é o teu sobrinho?
-Para mim, já foi mais que suficiente. Boa noite a todos- Michel
vai à porta do apartamento, seguido imediatamente por Cissa.
-Michel, não podes sair assim.
-Tenho que tocar esta noite, não posso atrasar-me, Cissa.
Tenho que ir.
-Esperes, Michel... Deixes que eu te levo. Esta noite acabou
pra mim.
-Pois para mim, está só começando- avisa Valente, tentando
pôr panos quentes na situação- Vais me deixar sozinho na noite do nosso
noivado?
-Meu irmão não te concedeu a minha mão? Portanto,
satisfaça-se com ela, porque eu vou embora! Vamos, Beatriz.
-Viu que teria sido bom servir vodca? Deixaria isto aqui
ainda mais animado. Tchau, Valente, e obrigado pela recepção...
-Sem firulas, Beatriz. Rápido!
-Bom, acho que chegou também a hora de voltarmos para casa
também- avisa Fabiano, segurando a esposa pelo braço.
-Desculpem pelo desastre desta noite.
-Não precisas desculpar-se, meu querido. Eu só quero dar-te
um conselho: o que tiveres para resolver, resolvas rápido- Nete informa
subliminarmente que Tato deve ser dispensado do apartamento- Fiques na paz.
-Amém- responde, desanimadamente.
-Boa noite- cumprimenta Nete a Joana, com desprazer.
-Que Deus vos acompanhe.
-Obrigado- responde Fabiano.
-Agora nós vamos ter uma conversa muito séria, rapaz- Hélio
demonstra insatisfação para com o sobrinho.
-Bem, Valente, eu também tenho que voltar para o orfanato.
-Deixes que eu desça com a senhora e tome um táxi, enquanto o
Otávio e o Hélio conversam...
-Não precisas ficar aflito comigo, meu filho. Eu mesma desço.
-A senhora me dá a sua bênção?
-Sempre: eu te abençoo em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo- Joana faz o sinal da cruz e beija a mão do músico- Boa noite a todos.
-Boa noite- responde Hélio.
-Bem, eu vou deixar vocês mais à vontade. Com licença.
-Não saias. Quero saber por que não me disseste que o meu
sobrinho estava aqui. Aliás, de onde vocês se conhecem?
-Escutei esta pergunta muitas vezes numa só noite...
-Respondas.
-O Tato foi atropelado perto do meu apartamento, por uma
moto.
-E, em vez de levá-lo para o hospital, o trouxe para cá?
-O Valente não sabia que eu era teu sobrinho. Aliás, eu não
sei nem como foi que vocês se conheceram.
-Ele trabalha no Recifeeling
como músico, mas não mudem de assunto. Quero saber que ideia estapafúrdia foi
esta de discutir com teu pai.
-Alguém precisava enfrentar o Kleber, não achas?
-Não chames o teu pai pelo nome. É desrespeito!
-Não é pior do que o que ele fez comigo.
-Eu insisto que devem ter esta conversa a sós.
-Fiques, Valente!
-Não, não precisas mais ficar, podes nos dar licença agora.
Esta conversa é de família.
-Este rapaz fez por mim o que ninguém teria coragem de fazer.
Deu-me um teto quando eu não tinha para onde ir.
-Convenhamos também que ele fez sem que tu merecesses.
-Do que estás falando, Tio?
-Escondeste de tua família tua opção sexual, passaste anos
tendo um caso às escondidas com outro homem e peitaste o meu irmão. O que pensa
a nossa família, será que tu sequer supões?
-Foi para me falar isto que vieste procurar a mim?
-Otávio, eu passei a manhã inteira numa delegacia de polícia,
pedindo que fizessem buscas, que te procurassem. Como tu pudeste ser tão
irresponsável e sair no mundo desta forma?
-Antes fora de casa do que convivendo com ele. Ele me humilhou,
além de ter encostado a mão em mim.
-E acha que a reação intempestiva do Kleber foi gratuita? Se
tu não tinhas para onde ir, que fosse ao meu encontro. Não fecharia a porta na
tua cara, como deves ter julgado.
-E não é julgamento o que estás fazendo agora, Tio Hélio?
Sabes, eu pensei em te procurar e ficar na tua casa, sim. Mas ontem eu estava
sem cabeça, e sabia que no restaurante eu iria me expor. Por isto, eu tinha
falado ao Valente que nesta noite eu te procuraria, por saber que irias para
casa. Mas, pelo que vejo, eu devo ter feito muito bem em não sair atrás do
senhor, não é?
-Chega de conversa. Eu vou te levar até a minha casa agora
mesmo. Valente, a carona terá que ficar para outra ocasião.
-Sem problemas.
-Eu não quero ir contigo.
-Vais passar a morar de favor nesta casa? Esqueceste que tu tens
família, irresponsável?
-A família é que esqueceu-se de mim. Duvido muito que ela
esteja movendo céus e terra para me encontrar.
-Eu já te disse que passei a manhã inteira numa...
-Não precisas repetir, Tio Hélio. Mas se pensas em levar-me
contigo para me devolveres à casa daquele homem...
-Aquele homem é teu pai...
-Que me jogou na rua com a roupa do corpo!
-Tato, não fales assim com o teu tio.
-Sou capaz de apostar o pouco que eu tenho que meu tio deve
concordar com tudo que ele fez comigo.
-Não fales bobagem, gajo. Não estaria à tua procura se não
estivesse realmente preocupado contigo. O que eu quero é que tu reconsideres...
-Por que só eu que devo reconsiderar?
-Porque teu pai não vai aceitar esta situação nunca.
-Ninguém pensa, não é? Ninguém se pergunta por qual motivo eu
tive que me esconder.
-Isto não importa agora, Otávio.
-Importa, sim, e muito!
-Já vi que não dá para conversar contigo mesmo.
-Se for para me levar e tecer críticas ao meu comportamento,
ou ao que eu fiz no passado, podes dar meia-volta e...
-Não fales desta forma com o teu tio- Valente faz uma
intromissão na discussão, mais uma vez- Não é porque ele não concorda contigo
que te odeia. Entendas o lado dele.
-Tudo bem, Tato, eu não pretendo mais discutir contigo. Sei
que, com o Valente, tu estás em excelentes mãos, mas eu não serei demovido da
ideia de convencer o teu pai a procurar-te.
-Pura perda de tempo. Ele nunca quererá vir, muito menos
cogitará pedir-me perdão.
-O tempo dirá. Muito obrigado, Valente, pelo favor que estás
me fazendo. Pelo menos, agora eu sei que meu sobrinho não está em perigo.
Valente abre a porta para que o patrão saia, esquecendo-se
até de que tinha de ir ao restaurante após a formalização do noivado.
-Sinto muito por ter estragado a tua noite.
-Realmente, eu não imaginei que ela fosse terminar deste
modo.
-Eu poderia ter ficado calado, mas quando eu vi aquele...
-Tato, precisamos conversar. Senta-te.
-Estou morrendo de vergonha por ter acabado com o seu noivado.
-Não sinta vergonha por mim ou pela Cissa, e sim por si
mesmo. O mundo está contra você, mas não pode tratar assim o seu tio. Ele está
realmente preocupado.
-Disto eu sei, mas não significa que ele concorde.
-Penses bem: quantas pessoas no mundo concordarão com as
decisões que tomamos?
-Por que estás dizendo isto?
-Meu trabalho é no Recifeeling.
Achas mesmo que eu não escuto nada, uma crítica sequer ao fato de eu ser
cristão e trabalhar à noite?
-Mas o restaurante do meu tio não é nenhum palco de
indecência.
-Para alguns, é. Tato, não fiques o tempo todo se preparando
para autodefesa. Precisas cercar-te de quem verdadeiramente te ama.
-O meu pai não é uma destas pessoas.
-Não vamos pensar no que foi que ele te fez e sim por que o
fez. Mesmo com toda divergência, não podes colocar em dúvida o amor que o
Kleber sente por ti, Tato.
-Só que ele deixou bem claro que me rejeita. E vais ter que
desculpar a minha franqueza, mas tu tentas me convencer da ideia de voltar para
casa porque não sabes o que é rejeição.
-Convivi com a rejeição durante toda a minha vida, lembras?
-Desculpa-me, eu não deveria ter tocado nesta ferida tua...
-Que vai ficar aberta pelo resto da minha vida. Penses bem
naquilo que está jogando fora, Tato. Evites ter que olhar para trás e dizer que
poderia ter feito diferente. Se não encontraste o amor em quem tu pensavas,
corras para quem possa dar-te sem reserva.
As palavras de Valente soam pesadas para Tato. Magoado, o
jovem prefere alimentar a mágoa contra o pai, que também prefere não ensaiar
nenhum tipo de aproximação. A manhã seguinte, contudo, reserva uma nova chance
para pai e filho quando Hélio vai à casa do irmão, sendo recebido por Dora.
-Alguma novidade sobre o meu filho, Hélio?
-Sim, Dora, eu tenho.
-Kleber, venhas aqui.
O agente de viagens sai do quarto com o seu notebook na mão.
-Que celeuma é esta?
-Descobri onde o Tato está.
-Chamaram-me para dizer o paradeiro daquele atrevido?
-Sabemos que estás tão preocupado quanto nós, Kleber.
-Eis a prova cabal de que tu me conheces pouco, mesmo convivendo
comigo a vida inteira, Hélio. Por mim... Posso voltar ao meu trabalho agora ou
será que é pedir demais?- Kleber vai à escadaria da mansão.
-Está no apartamento de Valente Valença.
-Como é? Quem é este? O único Valente que eu conheço é aquele
teu... Não... O Tato engatou outro caso?
-Não é nada disso, Kleber. O Valente viu que o Tato tinha
sido atropelado por uma moto e...
-Atropelado?- Dora fica apavorada- Pelo amor de Deus, fales
que o meu filho está bem!
-Dora, eu mesmo o vi e ele está bem. Só que está acomodado na
casa do Valente.
-Se ele está bem, ótimo. Se não estiver, estimo melhoras.
-Kleber, tu não podes a vida inteira fingir que Otávio nunca
existiu.
-Existiu, sim, mas o risquei da minha lembrança.
-E da casa também.
-Porque pertence a mim, Hélio.
-Ao contrário da vida do teu filho, controlada por ele mesmo.
-O que explica ele morar agora com um desconhecido. Nada
disto aconteceria se ele tivesse honrado as calças que veste!
-Por que ele não veio contigo, Hélio? Ou por que não foi para
a tua casa?
-Tato está irredutível, Dora. Acredita que eu vou convencê-lo
a voltar para cá.
-Sorte a nossa tu não o teres convencido!- declara Kleber.
-Eu não, mas tu o farás.
-O que queres dizer?
-Que tu vais procurar o Tato e trazê-lo de volta!
-Por mim, que se exploda.
-Não sejas intransigente, Kleber!
-Engraçado, Dora, tens a mais absoluta certeza de que eu
tenho a obrigação de desculpar-me com o teu filho. Acaso fui eu quem mentiu? Ou
desrespeitei o meu pai?
-Sem conversar com o teu filho, coisa que evitas a todo
custo, não resolverás este problema nunca, Kleber.
-Melhor mesmo não resolver.
-Se tu não fores, eu vou saber como está o Otávio.
-Não, Dora. O problema do Tato é com o pai. E será o pai o
responsável por fazê-lo retornar.
-Vocês não entendem? Aceitar o Otávio de volta é o mesmo que
admitir que a imundície que ele pratica passará em brancas nuvens para sempre.
Eu não vou voltar atrás!
-Admitir para quem? Para o mundo? Este é o teu medo, meu
irmão? De que todos saibam que o Tato não gosta de mulheres, ou não gosta
apenas de mulheres?
-Pois bem: já que tu és tão moderno, a ponto de aceitar as
imoralidades do teu sobrinho, por que não te enfurnas debaixo dos lençóis com
outro homem? Melhor: por que não foste convincente o bastante para abrigar teu
querido sobrinho na tua casa? Deixes que eu te responda: porque, no fundo, tu
sabes que eu tenho razão. O mundo que se dane! O que me interessa é o que faz a
minha família.
-O Valente deu um teto ao teu filho depois do garoto ter
sofrido um acidente.
-Provavelmente saiu desnorteado após a discussão que tu
tiveste com ele...
-Se duvidares, nem um acidente ele sofreu, Dora. Soa-me como
estratégia para pôr os pés aqui novamente. Mas eu não darei o braço a torcer
por conta dos erros que por ele foram cometidos...
-Chega, Kleber! Tens até amanhã para trazer o nosso filho de
volta a esta casa!
-Não tenho o que pensar...
-Mas eu sim. Quem está determinando o retorno do Otávio sou
eu, e não tu. E acho melhor que tu resolvas buscá-lo; caso contrário, eu mesma
faço.
-Posso proibir-te de entrar aqui, se eu quiser.
-Proíbes cousa alguma.
-Agora vocês dois também brigarão, não bastando o
desentendimento com o Tato?
-Caso coloques-me para fora daqui, o mundo vai saber o
porquê, porque eu farei de tudo para contar a verdade sobre a briga que tiveste
com o Otávio, ameaçando e agredindo o nosso filho. E quando eu estiver prestes
a fazer isto, Kleber, pensarás duas vezes antes de tentar prejudicá-lo ainda
mais. Portanto, eu só te direi mais uma vez: até amanhã, ele tem que estar
aqui! Ouviste bem? Hélio, desculpa-me, mas eu não tenho condições de ficar.
Estou com muita dor de cabeça.
-Claro, eu entendo-te, Dora.
-Com licença- Dora sai da sala e toma um analgésico em seu
quarto.
-O que tu achas?
-Se é para evitar um novo escândalo, amanhã mesmo eu trago o
ingrato.
-Felizmente...
-Agora, cá entre nós... Tu que conheces melhor o Valente...
Achas que ele e o Otávio...
-Kleber, não vais desconfiar de todo homem que se aproximar
do Tato de agora em diante.
-O que tu querias? Eu não o via com homens e descobri a
sujeira que ele praticava.
-Se serve a ti de consolo, ainda ontem foi o noivado do
Valente. E sou capaz de arriscar a minha pele, Kleber, mas te afirmo: o que há
entre teu filho e ele não passa de amizade verdadeira, e pobre coitado daquele
que pensa o contrário.
Os ânimos parecem estar mais contidos do que na noite
anterior. Valente saiu para comprar pão e deixou a chave na porta do
apartamento, ficando esta a cargo de Tato. Ouve-se a campainha tocando. Por um
momento, o jovem pensa na promessa que Hélio fez de conversar com seu pai para
levá-lo de volta à mansão dos Goulart e abre a porta com receio. Era Cissa.
-O Valente não está, foi à padaria.
-Eu sei, esperei que ele saísse. Vim mesmo para falar
contigo- entra, deixando a porta aberta.
-Comigo? Sobre o quê queres falar?
-Para começar, sem cinismo de tua parte.
-Eu não estou sendo cínico. E não admito que tu venhas acusar-me
desta forma.
-Querias o quê? A noite de ontem foi um completo desastre, eu
passei a maior vergonha da minha vida por tua culpa e achas que te sentes no
direito de ficar ofendido?
-Olhes, não penses tu que o que ocorreu ontem foi proposital.
-Mas foi o que pareceu.
-Como eu saberia que o Valente é cunhado do Michel?
-Quatro anos não foi tempo suficiente para descobrir tudo
acerca da vida do meu irmão?
-Michel pouco queria saber sobre mim, e eu respeitei isto.
-No entanto, tu poderias muito bem sondar de maneira que o
meu irmão não desconfiasse. Não achas muita coincidência que tenhas vindo se
abrigar justamente na casa do meu noivo?
-O que tanto queres insinuar, Clarissa?
-Na primeira noite, quando estiveste aqui, eu deixei bem
claro para o Valente que era perigoso um sujeito da tua natureza circulando
pelo apartamento, pensei que fosses um larápio. Bastou que o Michel surgisse em
tua frente para te revelares pior do que o imaginado. E eu fui contra, mas o Valente,
caridoso como só ele sabe ser, estendeu-te a mão.
-Clarissa, eu não planejei acabar com a festa de noivado que
o Valente fez para ti. Até ajudei a arrumar o apartamento e deixei bem claro
que não seria de bom tom aparecer, uma vez que tu mostraste, desde o dia em que
cheguei, não simpatizar comigo.
-E com toda a razão do mundo, não é?
-Se tua preocupação é o fato de eu ter discutido com o Michel
na frente de todos, saibas que não foi nada premeditado...
-Ah, claro...
-A vida do teu irmão não me interessa mais. E mesmo que eu
soubesse de alguma cousa a respeito, não usaria para prejudicá-lo. Seria perda
de tempo lidar com um sujeito tão vil quanto ele.
-Mas o expôs, sendo a prova cabal de que queres vê-lo pelas
costas.
-Expus o Michel a quê, Clarissa? À verdade da qual ele foge
todos os dias?
-A vida íntima do meu irmão não me interessa, mas a do meu
noivo, sim! E eu não vou deixar que uma serpente venenosa feito você estrague a
vida dele. Sabias que tu podes acabar com a reputação do Valente?
-Como acreditas que eu farei isto? E logo com o Valente, que
estendeu sua mão para ajudar-me?
-O que será que as pessoas estão comentando sobre a patética
cena de ontem?
-Não ligo a mínima...
-Mas deverias, já que dizes prezar tanto o teu novo amigo. O
que será que as pessoas pensam de dois homens que moram no mesmo lugar, não
sendo parentes, e um declaradamente bissexual? O óbvio: que o Valente tem a
mesma opção sexual que a tua. Pode não te parecer nada, mas é terrível para um
gajo como ele, temente às regras da igreja.
-A única coisa na qual Valente e eu nos assemelhamos é no
caráter.
-Ledo engano. O dele é incomparável ao teu.
-Até concordo. Por isto mesmo que lamento que ele tenha
escolhido para dividir a vida alguém como tu.
-Como te atreves a falar comigo assim?
-Não esperaste o Valente sair para abrir o jogo comigo,
Clarissa? O que pensas? Que me calarei diante dos despautérios que me falas?
-Tua indignação não me comove, Otávio.
-Não preciso da tua comoção, mas vais ouvir-me atentamente.
Eu não conheço o Valente tanto quanto tu o conheces, mas sei muito bem o quão
bondoso ele é. E é exatamente por este motivo que lamento profundamente por ele
ter escolhido dividir o resto de sua vida com uma mulher feito tu. Não fico
admirado, mas nem um pouco, em saber que Michel é teu irmão. Afinal de contas,
nenhum dos dois presta...
-Cala-te!- Cissa bate no rosto de Tato assim que Valente
volta ao apartamento, chocado e em silêncio pela atitude da noiva.
-Do meu pai eu até aguento uma bofetada sem revidar, por uma
questão de respeito... Mas uma provocação tua não fica sem resposta,
desgraçada!- Tato reage à agressão cuspindo no rosto da vendedora.
-O que é isto? O que pensam que estão fazendo?- Valente,
assustado, se coloca entre os opositores.
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