-Eu
não posso acreditar que o senhor veio até aqui pra isso.
-Já
deveria ter percebido, Otaviano, que eu faço tudo pela felicidade da minha
filha...
-E
do seu bolso, da sua empresa, da sua ambição.
-Você
fala como se não tivesse nenhuma. No fundo, você é como eu. A diferença é que
eu não preciso fingir pra ter as coisas que eu quero. Os meus objetivos já
foram traçados e alcançados. Com você, a gente aprende a ser dissimulado.
-É
exatamente por isso que eu imagino que a Ana Maria não sabe dessa conversa.
-Nem
teria por quê. Ela é passional demais para resolver um assunto dessa natureza.
-Dr.
Dalton, eu não quero o seu dinheiro. Ele só me interessava quando eu queria
receber meu salário, do qual eu abri mão, aliás.
-Hum,
entendo... Deixa eu anotar aqui então: “Dois milhões”.
-Não
perca seu tempo.
-Quem
está perdendo tempo é você! Você acha que eu vou permitir mesmo que um reles
empregadinho se aposse de tudo o que é meu?
-Eu
não sou mais seu empregado. Não trabalho mais com o senhor. E se o senhor fizer
minha caveira perante os profissionais da área na qual atuo, eu trabalho em
outra coisa. Só não preciso baixar a minha cabeça, nem dar ouvidos às
barbaridades que o senhor possa dizer só pra me humilhar.
-Seu
teatro já me cansou, Otaviano. Agora, chega! Pega de uma vez esse cheque. Vamos
evitar prolongar essa mentira toda- Otaviano segura o cheque com as duas mãos-
Você não é apaixonado pela Ana Maria... Nem nunca será.
-Sou,
sim. Mais do que o senhor imagina- rasga o cheque.
-Uma
hora, essa encenação vai ter que acabar. Torça pra que não seja quando eu te
desmascarar na frente dela.
-Pode
dizer o que quiser. Nada vai me afastar da mulher que eu amo. Nada! Ouviu bem?
-Reze
muito, porque a qualquer momento, eu posso descobrir um grave segredo seu.
-Tente,
se houver um.
Enfurecido,
Dalton faz um sinal e o motorista abre a porta do carro.
-Rápido
com isso. Eu não fico mais um segundo nesse lugar infecto- dispara o veículo.
-Difícil
convencer esse velho, mas a Ana Maria vai garantir o meu futuro. Vamos ver se
eu não vou tomar conta de tudo o que é seu, verme!
XXXXX
No
escritório de Dalton, um detetive particular senta num sofá.
-Muito
obrigado por ter atendido ao meu chamado. Pode ter certeza de que será muito
bem recompensado.
-Quando
o senhor me ligou, disse que precisava me ver com extrema urgência. Do que se
trata, Dr. Dalton?
-Eu
preciso que você investigue o que um dos meus ex-funcionários está tramando.
-Alguma
coisa ainda relacionada à gravadora?
-Não
sei ao certo. Mas não confio nesse rapaz. Temo que ele possa me dar um golpe.
Era da minha confiança... Eu posso confidenciar algo com o senhor?
-Fique
à vontade.
-O
Otaviano, que é o homem que o senhor deve investigar, foi meu braço direito
aqui na “TimBRe”, e fazia oposição à minha filha. Agora, ele decidiu manter um
relacionamento com ela contra a minha vontade.
-Entendo.
-Mas
eu pretendo neutralizá-lo, sem dúvida. Eu só preciso da sua ajuda para tentar
descobrir como ele pretende fazer isso.
-Pensa
em botá-lo na cadeia.
-Se
for o caso... Mas antes, eu preciso resolver um problema no meu testamento.
-Qual?
-Eu
acreditei que este rapaz pudesse dar continuidade ao meu trabalho melhor do que
a minha filha. Por causa disso, eu decidi incluí-lo no meu testamento. E não só
isso: todas as minhas ações, que eu não pretendia vender, seriam passadas para
ele secretamente.
-Realmente,
é uma situação complicada.
-Consegue
entender? Eu preciso saber o que esse bandido pensa em fazer, e não só tenho
que afastar a Ana Maria dele, como também mudar o destino da minha herança.
XXXXX
Rosane
veste sua roupa e Jandir a observa.
-O
que foi?
-Eu
gostei do que aconteceu entre a gente. Foi bonito.
-Também...
Eu também gostei.
-Você
vai deixar eu te proteger? Cuidar de você? Fazer você se esquecer do...
-Por
favor, não toca no nome dele.
-Tudo
bem, eu não falo. Prometo que não falo. Mas eu queria certeza de que você vai
me aceitar como homem.
-Será
que depois de ontem, eu não mostrei que eu quero mudar a minha vida e encontrar
alguém que me mereça?
-A
gente vai ser muito feliz. Eu te prometo- os dois se beijam.
XXXXX
Uma
semana depois, o detetive contratado por Dalton vai até a casa de Otaviano, e
pela vizinhança, vai colhendo informações que possam afastá-lo de Ana Maria. Ele percebe que há um beco que dá acesso à
janela do banheiro da residência, e em sua parede, há uma cesta de lixo.
O
detetive se certifica de que ninguém está olhando e tira de sua pasta uma luva.
Ele a veste e vasculha o lixo, cheio de contas já quitadas, restos de comida,
roupas simples das quais Otaviano fez questão de se desfazer e algumas cartas,
cujo perfume não pôde ser apagado. É o suficiente para que a correspondência,
sem remetente, seja aberta:
-Mais
um dia que você entra e nem passa na porta da minha casa pra me ver. Coloco
minha mãe pra dormir e espero você vir pra, pelo menos, falar comigo. Deixo
minhas cartas atrás da sua porta e nem sei se você lê. E sabe por quê? Porque o
seu trabalho é mais importante que eu. Se sentir que eu estou certa e quiser
começar de novo, me procura. Rosane.
-Quer
dizer que esse rapaz tem outra mulher?
XXXXX
Sônia
entra no quarto de Ana Maria e traz o café da manhã no dia seguinte.
-Bom
dia, minha menina.
-Bom
dia, Sônia. Nossa, perdi a noção da hora, devo estar muito atrasada.
-O
seu pai já saiu. Mas toma um café antes. Eu trouxe aquele pão integral e o suco
de acerola que você tanto gosta.
-Não
quero, Sônia. Não estou me sentindo bem.
-O
que foi?
-Sentindo
enjoada demais, vai ver é o cheiro do suco.
-Mas
é o que eu faço todo dia, Ana Maria...
-Eu
sei, querida, a culpa não é sua. Mas é que eu realmente não estou me sentindo
bem. Talvez eu tenha almoçado alguma coisa na empresa que me fez mal.
-Ou
então... Você está grávida, menina.
-Não,
não é possível. Um filho do Otaviano? Não pode ser verdade...
-Faz
um teste, minha filha. Procura um médico. Mas eu tenho experiência. Pelo que eu
estou vendo, você vai ser mãe daqui a uns meses.
-Um
bebê? Meu e do Otaviano?- e ela dá um leve sorriso.
XXXXX
Rosane
carrega um balde d’água e o leva até o banheiro de sua casa. Abaixa-se para
pegar uma garrafa de água sanitária. Ao abri-la, espirra o líquido na água do
balde. O cheiro acaba lhe causando uma tontura. Ela cai sentada no chão e um de
seus braços bate no recipiente, derramando toda a água.
A
moça fecha os olhos e põe a mão na testa. Ao abri-los, vê refletida na água a
triste cena na qual Otaviano lhe agarra à força no chão de seu quarto. A imagem
é exibida de maneira rápida, e o banheiro vai ficando mais escuro, apesar da
claridade das janelas abertas. Logo, se dissipa a visão.
-Grávida...
Grávida do Otaviano. Um filho... O filho que eu tanto queria ter com ele... –
ao contrário de Ana Maria, a constatação é motivo de preocupação para Rosane.
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