20/10/2014

MENTES/ CAPÍTULO 6: ROUBOU MEUS SEGREDOS E FUGIU

-Desculpe, Bruno, mas eu não esperava você aqui hoje.
-E nem em dia nenhum, porque não tenho o costume de vir à sua casa.
-O Plínio veio com você?
-Não, teve uma emergência com o meu irmão.
-Alguma coisa grave?
-Certamente não mais do que aquilo que você tanto quer conversar com ele há dias.
-A que se refere?
-Por favor, Abílio, não precisa disfarçar. Eu sei que tanto você quanto o meu pai estão escondendo alguma coisa grave.
-Disse a você por telefone que o assunto que tenho a tratar com seu pai é de natureza pessoal.
-A ponto de você levar a queixa pro instituto? Pedir que a Silvia o avisasse quando chegasse para ir à sua sala? Abílio, se tem uma coisa que você sabe ser é discreto. Mas seja o que for, eu tenho o direito de saber.
-Bruno, eu não quero ser ríspido, mas eu acredito que não vai ser com você que eu vou tratar esse assunto.
-Sei que será. E será porque vai me deixar entrar e contar o que você tem pra dizer. Meu pai não vem por conta de um acidente que houve com o meu irmão, mas eu estou aqui pra colocá-lo a par de tudo.
-Ficaria chateado se eu ligasse pro Plínio?
-Pra confirmar se a estória do acidente do William é verdade? Se quiser, eu até empresto o celular.
-Vou ligar do meu- começa a discar- Plínio?
-Abílio, não dá pra conversar agora.
-O que aconteceu?
-William levou uma queda, trouxe ele pra Upa.
-E... Como é que ele está?
-Fez uma radiografia e, ao que parece, foi uma torção. Mas eu estou esperando o médico voltar pra ver se ele vai precisar de gesso. Por enquanto, ele está aqui, chorando de dor. Tomou um medicamento que ainda não fez efeito. Me desculpe por não ter ido ao jantar.
-Tudo bem, eu entendo. Até mais, e melhoras- desliga o celular.
-Viu que era verdade?
-Tem razão.
-Agora vai me deixar entrar?
-Fique à vontade.
-Ficarei.

|||||

Giovanna anda pela sala de jantar. Impaciente, olha para a mesa arrumada e preparada para receber Bruno. Sem notícias do marido, ela lembra o local onde ele disse que estaria.
-Claro, vou ligar pra casa do Plínio.
-Residência da Família Reinchenbach, boa noite.
-Noêmia? Aqui é a Giovanna.
-Menina, como está?
-Tudo bem. Quer dizer... Eu estou preocupada com o Bruno. Há horas que ele não dá notícias.
-Como assim? Ele não chegou aí?
-Ele veio pra cá?
-Foi isso que ele disse, que ia terminar de analisar uns relatórios em casa.
-Será que o Plínio não sabe de alguma coisa? Passa pra ele, Noêmia?
-O doutor não está em casa, teve que socorrer o William que sofreu uma queda do skate.
-Ah, então ele deve ter passado no hospital pra saber do irmão.
-Não, minha filha, ele disse que iria pra casa- a afirmação de Noêmia deixa Giovanna mais tensa.

|||||

O jantar é servido por Abílio, que senta em seguida. Fica em frente a Bruno, que diz na primeira garfada:
-Delicioso. Definitivamente, administração não é o seu forte. Deveria fazer algo voltado à gastronomia.
-Hoje, tive que me virar, mas não é sempre.
-Mas tenho que admitir, é um manjar dos deuses.
-Bruno, você não quer...
-Uma taça desse vinho? É claro que aceito.
-Ir direto ao assunto?
-Por isso que sempre fui com a sua cara.
-Você nasceu mesmo pra ser um piadista.
-Nem tanto, meu querido.
-Olha, quer me explicar o que você veio fazer aqui?
-Eu já disse: vim ficar a par daquilo que você tanto tem pra falar com o Plínio.
-Ele não te mandou aqui. Nunca te mandaria aqui.
-O que não deixa... Só um minuto- bebe o vinho que serve para si mesmo- O que não deixa de ser necessário, já que eu, como funcionário do Instituto Mentes, tenho que saber de tudo que acontece no meu local de trabalho.
-Quer que eu conte com riqueza de detalhes o golpe que você deu lá?
-Golpe? Quem disse que eu... – diz, empalidecido.
-Você sabe muito bem que a remessa de subsídios que o Governo Federal deu para financiar as pesquisas é duas vezes maior que o valor do qual precisávamos. Uma remessa pra expedição nas pedreiras em Mato Grosso do Sul, negociada por você.
-Não, você não pode estar insinuando que eu...
-Insinuações? Você acha que com o que eu sei, eu posso ainda insinuar alguma coisa? A sorte é que o Governo não sabe disso, porque quando souber... Vai ser um dos maiores escândalos desse país.
-Só que ele ainda não sabe. E não precisa tomar conhecimento sobre isso- levanta-se da mesa e fica atrás da cadeira onde Abílio está sentado, tirando uma caneta, a carteira e o cheque- Quanto eu vou precisar desembolsar pra você não divulgar o desfalque que sofremos?
-Sofremos? Foi você quem pediu mais do que o necessário! Esse dinheiro só poderia estar na sua conta, Bruno! E eu consegui as provas da transferência do dinheiro do Governo pra sua conta pessoal.
-Abílio, por quanto tempo mais você vai se prestar a fazer o papel do cachorrinho de estimação do Plínio, aquele que abana o rabo pra tudo que ele diz?
-Não é por causa da minha amizade com o seu pai que eu pretendo denunciar você, Bruno. Tampouco pela fidelidade que devo a ele.
-Sendo assim, é só dizer o preço. Fale o valor, porque nós vamos degustar esse maravilhoso foie gras e não se fala mais nisso!
-Fiz tudo isso em segredo, sem levantar suspeita. Acha que faço isso pra ver quem me paga mais pelo silêncio ou pela divulgação do seu crime? Eu sei mais do que você pensa!
-É mesmo? E o que é que você acha que sabe sobre mim?
-Eu sei que você não recebeu esse dinheiro pra colocar nas mãos de um doleiro e refazer a vida com um nome falso nas Ilhas Cayman... Você odeia o Plínio, e fez isso pra prejudicá-lo, mesmo sujando a reputação do instituto que você ajudou a construir.
-Você não sabe por que eu odeio aquele homem...
-Cala essa boca!- interrompe-lhe- Que você não suporte o seu pai, eu poderia até respeitar isso. Só que você transferiu há uma semana o dinheiro roubado pra conta do Plínio. Tudo com o propósito de fazê-lo ir pra cadeia no seu lugar, por um crime do qual ele é inocente!- os olhos de Bruno ficam rapidamente vermelhos, e marejados conforme Abílio desabafa- Confessa! Confessa, seu desgraçado, que esse sumiço repentino do Plínio foi obra sua! Que há dias você fica à espreita tentando escutar o que eu converso com ele? Que se você tivesse coragem, pegava essa faca pra me matar? Hein? Fala, covarde! Claro que não vai assumir isso... Mas sua cara já diz o ser baixo que você é! Você não presta como filho, e pelo visto, não presta como homem! Quer saber do que mais? Eu não vou esperar o aval do Plínio, que certamente vai te proteger, pra te entregar à polícia! Agora, sim! Pode se deliciar à vontade, se ainda tiver estômago pra tal- Abílio come aliviado, por despejar a verdade na cara de Bruno que, em um impulso violento, pega a faca que está ao lado do funcionário do Instituto Mentes e o golpeia no braço.
A princípio, a reação do rapaz é de pânico, vendo o desespero de Abílio ao se levantar e encostar numa estante que possui um espelho de moldura, atrás da mesa de jantar. Bruno continua com a faca na mão, e se aproxima do homem, dizendo:
-Eu não duvido que você tenha peito pra me entregar à polícia. Mas eu quero ver... – levanta a faca, apontando novamente para Abílio, que se vê ameaçado diante do espelho- Quero ver se você chega vivo à delegacia!
Rapidamente, Abílio vê que ao seu lado tem um vaso de flores. Mesmo ferido, pega o objeto e bate na cabeça de Bruno, que sofre um pequeno corte na cabeça e cai no chão. O senhor pega a chave de casa, abre a porta e sai correndo em direção ao carro. Ainda com a faca na mão, Bruno tenta alcançá-lo, e entra no seu automóvel, ambos em alta velocidade.

|||||

Plínio sai do hospital com William.
-Ô, pai, avisa pra Noêmia que a gente “tá” indo pra casa agora.
-Tem razão, ela deve estar morrendo de preocupação... Vamos pro carro, eu deixei o celular lá. Consegue andar?
-Dá pra ir sozinho, sim- afirma o garoto, com a perna engessada.
Plínio começa a discar o número da casa.
-Noêmia?
-Ah, ainda bem que o senhor ligou. William melhorou?
-Pôs o gesso, não é? Vai ficar três dias sem poder pisar. O Bruno falou se terminou os relatórios?
-Disse que ia terminar em casa, mas eu fiquei preocupada.
-Com o quê?
-É que nem faz meia hora, mas a Giovanna ligou perguntando do Bruno. Eu disse que ele tinha ido pra casa, mas ela falou que ele não tinha chegado. E já fazia um tempo que ele tinha saído.
-Onde você acha que ele pode estar? Será que aconteceu alguma coisa... Abílio.
-O que é que tem o Seu Abílio?
-Olha, Noêmia, eu vou pegar o carro e levar o William pra casa. Depois nos falamos.
-Mande um beijo pra ele, doutor.
-Está bem. Até logo.

|||||

Leandro está em sua sala tomando um café e trabalhando com o computador, até Valentina chegar e pôr sobre sua mesa um prato enrolado.
-Não precisava desse trabalho todo, amor...
-Imagina. É a minha obrigação. E é um pedido de desculpas.
-Se desculpando comigo?
-Tenho evitado você, não quero falar de outra coisa... Pra dizer a verdade, não sei falar de outro assunto.
-Você não precisa se desculpar. Eu é que não tenho entendido bem essa angústia sua. A culpa é um pouco minha também. Mas também me irrito por estar aqui, de mãos atadas, sem poder me meter no caso. O Iago faz o que pode, é verdade, mas eu queria “tá” junto, entende? Acompanhar de perto a evolução da investigação...
-Leandro? Posso entrar?- questiona um agente.
-Claro, fala o que é.
-Tem dois carros na Avenida Herculano Bandeira em alta velocidade. Uma viatura flagrou os dois correndo.
-Deve ser alguém dirigindo embriagado, pensa que não é? OK, já, já eu resolvo isso.
-Com licença.
-Amor, você dá licença de eu ir pro banheiro?
-O que é que você tem?
-Não sei, me sentindo enjoada de repente. Onde é que fica?
-Naquela porta ali- olha para a esposa, desconfiado.
-Eu já venho...

|||||

A perseguição de Bruno a Abílio continua por uma longa avenida. Um carro da polícia e um helicóptero passam a acompanhar os dois veículos. Bruno começa a telefonar para o celular do inimigo, que atende.
-A minha paciência já está se esgotando, Abílio! Diz logo onde você escondeu as provas antes que coloque fogo naquele pardieiro onde você mora e termine o que eu comecei!
-Vai fazer o quê? Eu já estou chegando à delegacia, e vou receber proteção policial. Quero ver se você vai conseguir se livrar de mim.
-Para de me testar, e tira a chave desse carro! Não queira ver o que eu sou capaz de fazer!
-Agora é você quem vai ver o que eu sou capaz de fazer!- desliga o celular. Mas outro grande susto ainda está por vir: pensa em frear bruscamente na porta da delegacia, mas o freio se mostra com defeito, e Abílio continua em alta velocidade.
-Mas o que ele “tá” fazendo?
-O que é isso?- Abílio tenta parar o carro, que não reage aos seus comandos. O celular toca novamente, e desta vez é Plínio, que já retornou à mansão com William.
-Abílio, onde é que você está?
-Plínio, me ajuda!
-O que houve? O Bruno “tá” com você?
-Seu filho tentou me matar, e está no carro, correndo atrás de mim!
-Espera, calma! Calma! Que estória é essa? O Bruno? Onde é que vocês estão?
-Eu não sei, o meu carro não freia!
-Me escuta, Abílio, eu vou chamar a polícia agora... “Tá” ouvindo? Abílio? Abílio? Fala comigo, Abílio!- Plínio não sabe que a bateria do celular do amigo acaba de descarregar.
-Para esse carro, desgraçado... Para!- Bruno percebe que o carro de Abílio está desgovernado.
-Socorro!- pisa várias vezes no freio, mas o veículo continua correndo, fazendo com que ele abra as janelas do carro em seguida- Alguém me ajuda! Socorro!- põe a cabeça do lado de fora, na esperança de alguém o ampare.
-Abílio, cuidado!
-Eu não quero morrer! Eu não posso morrer... Ah!- volta a dor causada pelo ferimento recebido em seu braço, e nele põe a mão.
-Abílio!- Bruno se desespera ao ver o carro de Abílio despencar de uma ponte.
Mas a surpresa mais desagradável da noite entra em cena: antes de cair na água, o carro explode. Bruno freia o seu automóvel violentamente, enquanto a viatura policial ultrapassa o carro do jovem. Os policiais descem e veem, apavorados, os destroços do automóvel, envolto nas chamas.
Bruno abaixa a cabeça e encosta no volante, extremamente chocado com a tragédia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário