-Desculpe, Bruno, mas eu não
esperava você aqui hoje.
-E nem em dia nenhum, porque
não tenho o costume de vir à sua casa.
-O Plínio veio com você?
-Não, teve uma emergência com
o meu irmão.
-Alguma coisa grave?
-Certamente não mais do que
aquilo que você tanto quer conversar com ele há dias.
-A que se refere?
-Por favor, Abílio, não
precisa disfarçar. Eu sei que tanto você quanto o meu pai estão escondendo
alguma coisa grave.
-Disse a você por telefone
que o assunto que tenho a tratar com seu pai é de natureza pessoal.
-A ponto de você levar a
queixa pro instituto? Pedir que a Silvia o avisasse quando chegasse para ir à
sua sala? Abílio, se tem uma coisa que você sabe ser é discreto. Mas seja o que
for, eu tenho o direito de saber.
-Bruno, eu não quero ser
ríspido, mas eu acredito que não vai ser com você que eu vou tratar esse
assunto.
-Sei que será. E será porque
vai me deixar entrar e contar o que você tem pra dizer. Meu pai não vem por
conta de um acidente que houve com o meu irmão, mas eu estou aqui pra colocá-lo
a par de tudo.
-Ficaria chateado se eu
ligasse pro Plínio?
-Pra confirmar se a estória
do acidente do William é verdade? Se quiser, eu até empresto o celular.
-Vou ligar do meu- começa a
discar- Plínio?
-Abílio, não dá pra conversar
agora.
-O que aconteceu?
-William levou uma queda,
trouxe ele pra Upa.
-E... Como é que ele está?
-Fez uma radiografia e, ao
que parece, foi uma torção. Mas eu estou esperando o médico voltar pra ver se
ele vai precisar de gesso. Por enquanto, ele está aqui, chorando de dor. Tomou
um medicamento que ainda não fez efeito. Me desculpe por não ter ido ao jantar.
-Tudo bem, eu entendo. Até
mais, e melhoras- desliga o celular.
-Viu que era verdade?
-Tem razão.
-Agora vai me deixar entrar?
-Fique à vontade.
-Ficarei.
|||||
Giovanna anda pela sala de
jantar. Impaciente, olha para a mesa arrumada e preparada para receber Bruno.
Sem notícias do marido, ela lembra o local onde ele disse que estaria.
-Claro, vou ligar pra casa do
Plínio.
-Residência da Família
Reinchenbach, boa noite.
-Noêmia? Aqui é a Giovanna.
-Menina, como está?
-Tudo bem. Quer dizer... Eu
estou preocupada com o Bruno. Há horas que ele não dá notícias.
-Como assim? Ele não chegou aí?
-Ele veio pra cá?
-Foi isso que ele disse, que
ia terminar de analisar uns relatórios em casa.
-Será que o Plínio não sabe
de alguma coisa? Passa pra ele, Noêmia?
-O doutor não está em casa,
teve que socorrer o William que sofreu uma queda do skate.
-Ah, então ele deve ter
passado no hospital pra saber do irmão.
-Não, minha filha, ele disse
que iria pra casa- a afirmação de Noêmia deixa Giovanna mais tensa.
|||||
O jantar é servido por
Abílio, que senta em seguida. Fica em frente a Bruno, que diz na primeira
garfada:
-Delicioso. Definitivamente,
administração não é o seu forte. Deveria fazer algo voltado à gastronomia.
-Hoje, tive que me virar, mas
não é sempre.
-Mas tenho que admitir, é um
manjar dos deuses.
-Bruno, você não quer...
-Uma taça desse vinho? É
claro que aceito.
-Ir direto ao assunto?
-Por isso que sempre fui com
a sua cara.
-Você nasceu mesmo pra ser um
piadista.
-Nem tanto, meu querido.
-Olha, quer me explicar o que
você veio fazer aqui?
-Eu já disse: vim ficar a par
daquilo que você tanto tem pra falar com o Plínio.
-Ele não te mandou aqui.
Nunca te mandaria aqui.
-O que não deixa... Só um
minuto- bebe o vinho que serve para si mesmo- O que não deixa de ser
necessário, já que eu, como funcionário do Instituto Mentes, tenho que saber de
tudo que acontece no meu local de trabalho.
-Quer que eu conte com
riqueza de detalhes o golpe que você deu lá?
-Golpe? Quem disse que eu...
– diz, empalidecido.
-Você sabe muito bem que a
remessa de subsídios que o Governo Federal deu para financiar as pesquisas é
duas vezes maior que o valor do qual precisávamos. Uma remessa pra expedição
nas pedreiras em Mato Grosso do Sul, negociada por você.
-Não, você não pode estar
insinuando que eu...
-Insinuações? Você acha que
com o que eu sei, eu posso ainda insinuar alguma coisa? A sorte é que o Governo
não sabe disso, porque quando souber... Vai ser um dos maiores escândalos desse
país.
-Só que ele ainda não sabe. E
não precisa tomar conhecimento sobre isso- levanta-se da mesa e fica atrás da
cadeira onde Abílio está sentado, tirando uma caneta, a carteira e o cheque-
Quanto eu vou precisar desembolsar pra você não divulgar o desfalque que
sofremos?
-Sofremos? Foi você quem
pediu mais do que o necessário! Esse dinheiro só poderia estar na sua conta,
Bruno! E eu consegui as provas da transferência do dinheiro do Governo pra sua
conta pessoal.
-Abílio, por quanto tempo
mais você vai se prestar a fazer o papel do cachorrinho de estimação do Plínio,
aquele que abana o rabo pra tudo que ele diz?
-Não é por causa da minha
amizade com o seu pai que eu pretendo denunciar você, Bruno. Tampouco pela
fidelidade que devo a ele.
-Sendo assim, é só dizer o
preço. Fale o valor, porque nós vamos degustar esse maravilhoso foie gras e não se fala mais nisso!
-Fiz tudo isso em segredo,
sem levantar suspeita. Acha que faço isso pra ver quem me paga mais pelo
silêncio ou pela divulgação do seu crime? Eu sei mais do que você pensa!
-É mesmo? E o que é que você
acha que sabe sobre mim?
-Eu sei que você não recebeu
esse dinheiro pra colocar nas mãos de um doleiro e refazer a vida com um nome
falso nas Ilhas Cayman... Você odeia o Plínio, e fez isso pra prejudicá-lo,
mesmo sujando a reputação do instituto que você ajudou a construir.
-Você não sabe por que eu
odeio aquele homem...
-Cala essa boca!-
interrompe-lhe- Que você não suporte o seu pai, eu poderia até respeitar isso.
Só que você transferiu há uma semana o dinheiro roubado pra conta do Plínio.
Tudo com o propósito de fazê-lo ir pra cadeia no seu lugar, por um crime do
qual ele é inocente!- os olhos de Bruno ficam rapidamente vermelhos, e
marejados conforme Abílio desabafa- Confessa! Confessa, seu desgraçado, que
esse sumiço repentino do Plínio foi obra sua! Que há dias você fica à espreita
tentando escutar o que eu converso com ele? Que se você tivesse coragem, pegava
essa faca pra me matar? Hein? Fala, covarde! Claro que não vai assumir isso...
Mas sua cara já diz o ser baixo que você é! Você não presta como filho, e pelo
visto, não presta como homem! Quer saber do que mais? Eu não vou esperar o aval
do Plínio, que certamente vai te proteger, pra te entregar à polícia! Agora,
sim! Pode se deliciar à vontade, se ainda tiver estômago pra tal- Abílio come
aliviado, por despejar a verdade na cara de Bruno que, em um impulso violento,
pega a faca que está ao lado do funcionário do Instituto Mentes e o golpeia no
braço.
A princípio, a reação do
rapaz é de pânico, vendo o desespero de Abílio ao se levantar e encostar numa
estante que possui um espelho de moldura, atrás da mesa de jantar. Bruno
continua com a faca na mão, e se aproxima do homem, dizendo:
-Eu não duvido que você tenha
peito pra me entregar à polícia. Mas eu quero ver... – levanta a faca, apontando
novamente para Abílio, que se vê ameaçado diante do espelho- Quero ver se você
chega vivo à delegacia!
Rapidamente, Abílio vê que ao
seu lado tem um vaso de flores. Mesmo ferido, pega o objeto e bate na cabeça de
Bruno, que sofre um pequeno corte na cabeça e cai no chão. O senhor pega a
chave de casa, abre a porta e sai correndo em direção ao carro. Ainda com a
faca na mão, Bruno tenta alcançá-lo, e entra no seu automóvel, ambos em alta
velocidade.
|||||
Plínio sai do hospital com
William.
-Ô, pai, avisa pra Noêmia que
a gente “tá” indo pra casa agora.
-Tem razão, ela deve estar
morrendo de preocupação... Vamos pro carro, eu deixei o celular lá. Consegue
andar?
-Dá pra ir sozinho, sim-
afirma o garoto, com a perna engessada.
Plínio começa a discar o
número da casa.
-Noêmia?
-Ah, ainda bem que o senhor
ligou. William melhorou?
-Pôs o gesso, não é? Vai
ficar três dias sem poder pisar. O Bruno falou se terminou os relatórios?
-Disse que ia terminar em
casa, mas eu fiquei preocupada.
-Com o quê?
-É que nem faz meia hora, mas
a Giovanna ligou perguntando do Bruno. Eu disse que ele tinha ido pra casa, mas
ela falou que ele não tinha chegado. E já fazia um tempo que ele tinha saído.
-Onde você acha que ele pode
estar? Será que aconteceu alguma coisa... Abílio.
-O que é que tem o Seu
Abílio?
-Olha, Noêmia, eu vou pegar o
carro e levar o William pra casa. Depois nos falamos.
-Mande um beijo pra ele,
doutor.
-Está bem. Até logo.
|||||
Leandro está em sua sala
tomando um café e trabalhando com o computador, até Valentina chegar e pôr sobre
sua mesa um prato enrolado.
-Não precisava desse trabalho
todo, amor...
-Imagina. É a minha
obrigação. E é um pedido de desculpas.
-Se desculpando comigo?
-Tenho evitado você, não
quero falar de outra coisa... Pra dizer a verdade, não sei falar de outro assunto.
-Você não precisa se desculpar.
Eu é que não tenho entendido bem essa angústia sua. A culpa é um pouco minha
também. Mas também me irrito por estar aqui, de mãos atadas, sem poder me meter
no caso. O Iago faz o que pode, é verdade, mas eu queria “tá” junto, entende?
Acompanhar de perto a evolução da investigação...
-Leandro? Posso entrar?-
questiona um agente.
-Claro, fala o que é.
-Tem dois carros na Avenida Herculano
Bandeira em alta velocidade. Uma viatura flagrou os dois correndo.
-Deve ser alguém dirigindo
embriagado, pensa que não é? OK, já, já eu resolvo isso.
-Com licença.
-Amor, você dá licença de eu
ir pro banheiro?
-O que é que você tem?
-Não sei, me sentindo enjoada
de repente. Onde é que fica?
-Naquela porta ali- olha para
a esposa, desconfiado.
-Eu já venho...
|||||
A perseguição de Bruno a
Abílio continua por uma longa avenida. Um carro da polícia e um helicóptero
passam a acompanhar os dois veículos. Bruno começa a telefonar para o celular
do inimigo, que atende.
-A minha paciência já está se
esgotando, Abílio! Diz logo onde você escondeu as provas antes que coloque fogo
naquele pardieiro onde você mora e termine o que eu comecei!
-Vai fazer o quê? Eu já estou
chegando à delegacia, e vou receber proteção policial. Quero ver se você vai
conseguir se livrar de mim.
-Para de me testar, e tira a
chave desse carro! Não queira ver o que eu sou capaz de fazer!
-Agora é você quem vai ver o
que eu sou capaz de fazer!- desliga o celular. Mas outro grande susto ainda
está por vir: pensa em frear bruscamente na porta da delegacia, mas o freio se
mostra com defeito, e Abílio continua em alta velocidade.
-Mas o que ele “tá” fazendo?
-O que é isso?- Abílio tenta
parar o carro, que não reage aos seus comandos. O celular toca novamente, e desta
vez é Plínio, que já retornou à mansão com William.
-Abílio, onde é que você
está?
-Plínio, me ajuda!
-O que houve? O Bruno “tá”
com você?
-Seu filho tentou me matar, e
está no carro, correndo atrás de mim!
-Espera, calma! Calma! Que
estória é essa? O Bruno? Onde é que vocês estão?
-Eu não sei, o meu carro não
freia!
-Me escuta, Abílio, eu vou
chamar a polícia agora... “Tá” ouvindo? Abílio? Abílio? Fala comigo, Abílio!-
Plínio não sabe que a bateria do celular do amigo acaba de descarregar.
-Para esse carro,
desgraçado... Para!- Bruno percebe que o carro de Abílio está desgovernado.
-Socorro!- pisa várias vezes
no freio, mas o veículo continua correndo, fazendo com que ele abra as janelas
do carro em seguida- Alguém me ajuda! Socorro!- põe a cabeça do lado de fora,
na esperança de alguém o ampare.
-Abílio, cuidado!
-Eu não quero morrer! Eu não
posso morrer... Ah!- volta a dor causada pelo ferimento recebido em seu braço, e
nele põe a mão.
-Abílio!- Bruno se desespera
ao ver o carro de Abílio despencar de uma ponte.
Mas a surpresa mais
desagradável da noite entra em cena: antes de cair na água, o carro explode.
Bruno freia o seu automóvel violentamente, enquanto a viatura policial
ultrapassa o carro do jovem. Os policiais descem e veem, apavorados, os destroços
do automóvel, envolto nas chamas.
Bruno abaixa a cabeça e
encosta no volante, extremamente chocado com a tragédia.
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