O nó da gravata está sendo
arrumado por Plínio. Terminado o retoque no visual, vai até o quarto do filho
mais novo- William- e não o encontra.
-Já o pus na mesa, senhor.
Acordou cedo o seu filho- afirma Noêmia, a governanta da casa.
-Madrugou, bem diferente do
irmão, que tem que trabalhar.
-Não reclame, doutor. Bruno
vai todo dia à empresa, faz aquilo que gosta. O senhor não tem do que se
queixar.
-O que ele gosta não é de
trabalhar, Noêmia. É de dominar as pessoas à volta. Ele está no quarto?
-Passei lá faz uma hora, mais
ou menos. Deixou destrancada a porta. Vai ver já está trocando de roupa.
-Minha reunião hoje vai ser
importante. Definirá os rumos do instituto... E o bonito dormindo? Ah, mas eu
vou acordá-lo!
-Precisando de mim, eu
estarei na cozinha orientando as meninas.
-Obrigado, Noêmia- qual não é
a surpresa ao ver Bruno assistindo atenciosamente a um longa-metragem repleto
de cenas violentas, com a mesma roupa que havia dormido?- O que você tanto olha
com atenção?
-“Um filme sérvio”- diz o
jovem, calmamente, enquanto chamam a atenção de Plínio os gritos de uma
personagem, assassinada pelo parceiro íntimo.
-Não acredito que você está
vendo isso.
-Obra de ficção, como a que
você está acostumado a ver na TV. Qual é o problema?
-Por favor, Bruno. Isso é
monstruoso!
-Mais do que o que você fez
comigo e com a minha mãe?
-Me recuso a tocar nesse
assunto.
-Não toque, mas eu não vou
esquecer.
-Você não quer esquecer!
-Talvez... Agora, saia do meu
quarto. Eu quero terminar de ver o filme.
-Não vai terminar nada.
Estamos atrasados. Aliás, eu estou atrasado porque estava esperando você dar
algum sinal de vida!
-Os empregados do instituto podem
esperar. E você também. Afinal, você passa dias sem pisar na empresa. Agora,
decidiu virar o quê? O funcionário do mês? Quer ganhar o quê com isso? Se for
um quadro na parede, já basta o que está na sua sala.
-É impressionante que nós
nunca temos um diálogo normal, como todo filho tem com um pai.
-Engano seu. O quer você quer
é que eu protagonize um comercial de margarina. Só que nem você mesmo tem
talento pra isso.
-Bruno, meu filho... –
abaixa-se para falar com o jovem, que continua olhando somente para a
televisão- Eu sei que o que você viveu, há muitos anos atrás, foi muito forte,
traumático... Mas você precisa dar um jeito de superar- Bruno se volta para
Plínio.
-Por quê? Porque faz muitos
anos, como você diz? Não. Pra mim é como se tudo aquilo tivesse acontecido
ontem. Aquilo e o que veio depois.
-Você me culpa até hoje.
-Não. Eu não. Quem te culpa
são as circunstâncias, a vida, você mesmo... Porque é verdade, e disso você não
pode fugir.
-Já vi que hoje você está
mais insuportável do que de costume.
-Disponha. Já é inerente a
mim.
-Bom, você, mais do que
ninguém, conhece o caminho da empresa. Se quiser ir, fique à vontade. Só quero
ver como você vai enfrentar o trânsito caótico da Agamenon Magalhães.
-Verá. Vou pilotar o
helicóptero. Quer vir comigo?
-Não, você sabe que eu morro
de medo de altura.
-Uma pena. Pensei que você
gostava de risco. Isso explica ter tido um caso no passado.
Plínio começa a se
impacientar com o filho.
-Bom dia pra você também.
-Quando sair, feche a porta.
A Noêmia e os outros empregados batem antes de entrar. Fica a dica pro senhor.
|||||
O terraço do Instituto Mentes
é iluminado pelo sol forte, que parece não incomodar Virna, olhando para o
trânsito engarrafado da avenida do prédio.
Não demora para que Silvia, a
secretária de Abílio, um dos executivos da instituição, se aproxime da colega
de trabalho.
-Menina, como é que “tu
conseguisse” chegar aqui hoje? Desci do ônibus e vim andando, foi o jeito.
-Madruguei.
-Isso é que é gostar de
trabalhar, viu?
-Não foi só pra isso que eu
saí de casa.
-OK, Virna, sabemos que você
tem uma queda pelo seu chefe. Mas escuta, pro seu próprio bem: Seu Bruno tem
noiva, vai se casar amanhã.
-Disso eu sei. Só não sei o
que vou fazer pra resolver isso.
-A mesma coisa que você fez
até agora: nada. Tira esse homem da cabeça, Virna. Aliás, eu não sei o que você
viu nele. Bonito ele até é, mas insuportável!
-Se eu soubesse, não “tava”
nessa agonia toda.
-Pois então... Esquece isso.
Não vale a pena sofrer por esse homem. Parte pra outra. Você é bonita, os caras
do almoxarifado te olham com outros olhos. Sofrer pra quê, minha amiga?
-Ele não pode casar, Silvia.
Não sem saber o que eu sinto por ele de verdade.
-Certo. Você conta e acontece
o quê? Desistir do casamento ele não vai. Largar a noiva, menos ainda. Se ele
te prometer alguma coisa, vai ser conversa pra boi dormir.
-Mesmo assim, eu não posso
ficar calada. Nunca atrapalhei o romance dele com a bailarina, mas também o
tempo que eu fiquei calada “tá” me sufocando.
-Inventa de abrir essa boca,
e você vai perder o emprego.
-E daí?
-Como “e daí”? Já pensou se
Seu Bruno liga pras empresas e faz queixa de você? Não arruma um emprego nem de
engraxate no meio da rua.
-Silvia, o que eu tenho que esperar
pra falar com ele, hein?
-Não é pra falar nada, Virna.
Tira o Dr. Bruno da cabeça. Tudo bem que homem não vai cair do céu, mas você
não pode ser dependente dele a vida toda.
Um vento forte bate nas duas
moças: o helicóptero de Bruno se aproxima. Ele mesmo é quem está pilotando.
Abre a porta e desce do veículo, indo falar diretamente com Virna.
-Entre em contato com o
piloto e peça para ele levá-lo até a minha casa- repara que as moças estão
surpresas pela sua presença- O que foi? O trânsito é terrível, não iria
enfrentá-lo. Vocês vão ficar me olhando ou vão trabalhar?
-Desculpe, Dr. Bruno.
-Silvia, o Abílio já chegou?
-Ainda não, senhor. Disse que
iria se atrasar.
-Como ele é previsível... Mas
ele é tão religioso que se faltar, o Vaticano bate na porta da minha casa pra
saber o que aconteceu. Vamos, meninas?
-Claro- ambas respondem.
|||||
Alguns minutos depois,
Giovanna liga para o noivo. Ela dá um intervalo nas aulas que dá para meninas
de uma comunidade carente.
-Amor?
-Oi, Giovanna. Onde você “tá”?
-Aqui, na escola. Fugi
rapidinho da aula pra falar com você.
-Hum, sei... Com as
faveladas.
-Bruno, não fala isso.
-Por quê? Vão mudar de casa?
Meu amor, eu sei que você gosta muito de ensinar aí, mas convenhamos: não é o
melhor lugar pra que aprendam alguma coisa.
-É justamente por isso que eu
estou aqui: porque eu gosto de ensinar, independente de qualquer coisa.
-Sabe que pode contar comigo,
apesar de eu não gostar muito dessa sua ideia. Você é jovem, mas já é
conceituada, tem uma carreira promissora no balé, não precisa se dar a esse
trabalho.
-Se não eu, quem pode, não é,
Bruno? Meu amor, eu soube que o trânsito estava terrível.
-Terrível é pouco. Mas eu dei
o meu jeito. Fala, Giovanna. Por que você me ligou?
-Nada demais. Só queria ouvir
sua voz.
-Não está passando pela sua
cabeça de desistir do casamento, não é?- brinca, num raro momento.
-Claro que não. Sei que essa
é a decisão mais acertada que eu já tomei. Você está em dúvida?
-Em absoluto. Não podia ter
encontrado ninguém melhor pra ser a minha mulher. Aliás, pra continuar sendo o
que já é.
-Mesmo assim, eu fico
ansiosa. A minha mãe está cuidando de tudo, pediu pra que eu relaxasse ao
máximo, mas...
-Mas...
-Queria ouvir, nem que fosse
pelo telefone... Um “eu te amo”.
-Por que isso agora?
Insegurança? Já disse isso tantas vezes, Giovanna...
-Mas eu quero escutar. Custa,
Bruno?
-Claro que não. E se algumas
vezes, por esse meu jeito, eu pareci seco, quero ter a chance de corrigir todos
os dias. Principalmente porque você não é a mulher que eu sonhei pra mim. Pelo
contrário: é mais do que eu imaginei. Por isso, eu não quero te perder. Nem
vou.
-E isso é mais do que eu
precisava ouvir. Se existia alguma dúvida, não existe mais.
-Um beijo, amor.
-Um beijo, te amo.
-Detesto ter que ser piegas,
mas vale a pena- constata Bruno, após Giovanna desligar o telefone.
|||||
Silvia está ao telefone,
assim como Virna, que escuta a conversa que Bruno teve com Giovanna. A segunda
não consegue acreditar no que ouviu.
-O que é que você tem?
-Já chega... Eu não aguento
mais esperar.
-Esperar o quê, sua doida? Se
acalma.
-Eu vou falar com o Dr.
Bruno.
-Sobre o quê? Sobre aquilo que
a gente “tava” conversando? Não, você não “tá” nem louca!
-Ele vai se casar amanhã,
Silvia! Eu não posso mais esperar pra abrir o jogo, pra dizer o que eu sinto.
-Amiga, me escuta...
-Não, não tenta me convencer
do contrário! Eu quero ir enquanto eu ainda tenho coragem. Quem sabe ele não
muda de ideia?
-Virna, por favor, não seja
tão ingênua desse jeito. O máximo que você vai conseguir é uma carta de demissão
e uma péssima impressão que ele vai ter. Você tem uma vida estruturada, um
emprego que paga as suas contas, não pode jogar tudo pro alto por causa de um
canalha que nem sabe qual é o seu nome!
-Mas eu vou arriscar!
-Virna, volta aqui! Virna!-
Silvia tenta impedi-la de entrar, em vão. Virna dá de cara com Bruno.
-Por que você não bateu?
-Desculpe, Dr. Bruno, mas é o
assunto é meio urgente.
-Urgente? Quer dizer que o
Abílio chegou... A essa hora, ele deve estar conversando com o meu pai-
demonstra certa apreensão.
-Não, não tem nada a ver com
isso.
-Então, o que houve?
-Eu... Eu posso me sentar?
-Poderia se não estivesse em
horário de serviço. Acredito que em pé, você pode falar sem problema algum.
-Eu nem sei como é que eu vou
dizer isso.
-Olha aqui, Vilma...
-É Virna.
-Minha filha, escuta só: se
você teve coragem de entrar, só pode ser pra alguma coisa importante. Fala
logo, que você sabe que meu tempo vale muito.
-É sobre o seu casamento.
-Liga pro meu pai, ele é quem
está resolvendo tudo pra mim.
-O senhor não pode se casar.
-Como é?
-Não pode se casar. Pelo
menos não sem antes saber de uma coisa muito importante.
-Do que você “tá” falando?
-Dr. Bruno, eu sempre escondi
uma coisa do senhor... Eu sou apaixonada pelo senhor desde que comecei a
trabalhar aqui, e acho que o senhor não podia se casar sem saber o que eu
sinto.
-E... O que te levou a contar
isso agora?
-Eu nunca tive nada com o
senhor, mas... Eu não queria pensar que eu poderia ter tido uma chance de me
abrir e ter deixado passar. Eu sei que o senhor não vai mais me querer no
instituto, mas... Eu tinha que falar. E eu não podia deixar de saber o que o
senhor pensa disso. Porque eu sei que depois do que eu falei, o senhor não vai
ficar indiferente.
-Olha, nem tem como. Você me
pegou de surpresa... Eu não esperava isso.
-Desculpe, eu não devia ter
falado nada.
-Posso falar?
-Claro, doutor. Me desculpe,
mas é que...
-Por favor, me deixa falar.
Aliás, eu quero te fazer uma pergunta: há quanto tempo você “tá” aqui?
-Há três anos.
-E quando foi que você se
descobriu apaixonada por mim?
-Assim que eu vi que o senhor
estava se envolvendo com sua noiva.
-E não era pra estar?
-Mas eu tinha alguma
esperança. No início, não levava fé na relação de vocês. Só que aí o senhor
anunciou o noivado, a vontade de constituir uma família. Foi então que eu vi
que estava lhe perdendo.
-Perdendo o que você nunca
teve.
-Isso mesmo, Dr. Bruno.
-Nem nunca terá. Não chega a
ser cômico que você se apaixone pelo seu chefe, e tenha esperanças de tomar o
lugar da noiva dele?
-Eu não disse isso...
-Mas é o que você pensa.
Sempre pensou. Só estava esperando a oportunidade de dizer essa mentira, pra
ver se conseguia me ver caindo nessa conversa. Só que eu não sou da sua laia,
conheço muito bem gente como você: oportunista, arrivista, pronta pra dar um
golpe.
-O senhor não pode dizer isso
de mim! Não sabe o quanto eu sofri depois desse tempo todo calada.
-A quem você quer enganar com
esse teatro todo, minha filha? Tem que ser muito burra pra achar que eu vou
acreditar nisso. Mas eu não creio. Em nenhuma palavra disso, entendeu?
-E no que o senhor acredita,
então? Que vai ser feliz com aquela mulher?
-Aquela mulher foi a que eu
escolhi pra viver ao meu lado, e com quem eu vou me casar.
-Se eu não impedir!
Bruno não se sente acuado com
o tom de voz da Virna e continua a falar.
-E tem mais uma coisa: não se
refira à Giovanna como “aquela mulher”.
-Por quê? Ela não é melhor do
que eu em nada!
-Tem toda razão! Ela não é somente
a melhor. É diferente, em todos os sentidos. Vai ver é por isso que eu estou
com ela.
-Não passa de uma...
-Meça suas palavras, se não
quiser fazer figuração na fila do seguro-desemprego amanhã de manhã.
-Está me demitindo?
-Estou mandando você se
controlar! Isso daqui é uma instituição, não é a sua casa onde você faz o que
bem entender sem moderar o tom de voz. Agora saia da minha sala.
-Comigo o senhor não precisa
mais se preocupar. Também não precisa se dar ao trabalho de me tirar da sua
sala. Eu mesma saio, mas não volto mais. Só quero dizer mais uma coisa.
-Não! Nenhuma palavra.
-Vou dizer, sim: se pensa que
vai terminar tudo bem pra você e ela, pode escrever que não vai. Porque eu vou
impedir esse casamento.
-Agora você resolveu apelar
pras ameaças?
-Nunca ninguém me tratou
desse jeito. E não vai ser você que vai falar comigo desse jeito, dizendo que
eu sou uma golpista. Se eu me abri, é porque eu queria que soubesse o que eu
sinto de verdade.
-Melhor seria se você
continuasse calada. Volta pra tua mesa, Virna, Vilma, seja lá qual nome você
tiver... E faz o teu trabalho, porque é pra isso que o Governo te paga.
-Diga pra sua noiva que ela
tem que tomar cuidado quando sair de casa amanhã.
-Não. A Giovanna, não. Você é
que tem que tomar. Muito cuidado.
-Por quê? O senhor vai fazer
o quê comigo? Vai me matar?
-Esse casamento... O meu
casamento... Vai sair de qualquer maneira- o olhar de Bruno assusta Virna- Nem
você, nem ninguém vai impedi-lo.
-Vamos ver se não vou- abre a
porta da sala do rapaz e pega a bolsa, saindo do prédio do Instituto Mentes.
Silvia fica estarrecida com a cena.
-O que “tá” olhando?- ao
dizer isso, Bruno faz a secretária abaixar a cabeça- É por isso que a demanda
de empregos é enorme, só contratam gente petulante como essa fulana- fecha a
porta.
|||||
No dia seguinte, todos os
convidados estão à espera de Giovanna. Bruno não se contém de tamanha
ansiedade. A bailarina chega com um vestido branco, com diversos detalhes que
chamam a atenção dos presentes. Reluzente, ela consegue o objetivo de atrair o
rapaz ainda mais, para o desespero de Virna, que observa a cena numa varanda
existente no local, sem ser percebida pelos que estão no cartório.
Com lágrimas nos olhos, ela
tira da calça uma arma e aponta para os dois. Bruno segura as mãos da noiva e a
leva para o altar, onde o juiz de paz dá início à cerimônia.
-Hoje estamos aqui para
celebrar a união desses dois jovens, que tomaram a iniciativa de seguirem
juntos para o resto da vida. Bruno e Giovanna: vocês estão certos de que vocês
desejam escrever um novo capítulo de suas vidas, um ao lado do outro?
-Sim.
-Sim- responde Bruno, sem o
nervosismo que é próprio de quem está se casando. A segurança demonstrada pela
palavra dita fortalece Giovanna, enquanto Virna se desespera por estar perdendo
alguém que, de fato, nunca chegou a ser seu.
Abílio está sentado no mesmo
banco que Silvia, a secretária que trabalha para ele no Instituto Mentes.
-Todo mundo do trabalho veio.
Mas cadê a Virna?- fala, em tom baixo.
-Duvido que ela venha, seu
Abílio. Teve uma discussão dela com o Seu Bruno.
-Mesmo? O que foi que houve?
-O senhor acredita que ela se
declarou pra ele? É! E ele deu um fora, porque ia se casar, enfim...
-Não acredito nisso... Mas e
depois?
-Hoje mesmo ela não apareceu
no trabalho. Deve ter ficado com vergonha.
-Bruno a demitiu?
-Que eu tenha escutado, não.
Mas ele ficou nervoso com o que ela disse. Acho que, se ela aparecesse lá, ele
ia tirar a Virna de todo jeito.
Enquanto Abílio fica
boquiaberto com a revelação feita por sua secretária, a cerimônia prossegue.
O juiz dá continuidade à
celebração.
-Giovanna, você aceita Bruno
como seu legítimo esposo e lhe promete ser fiel na saúde e na doença, na
tristeza e na alegria, na riqueza e na pobreza, durante todos os dias da sua
vida?- Virna vira levemente a arma em direção à noiva.
-Aceito.
-Bruno, você aceita Giovanna
como sua legítima esposa e lhe promete ser fiel na saúde e na doença, na
tristeza e na alegria, na riqueza e na pobreza, durante todos os dias da sua
vida?
O rapaz que comanda o
instituto ao lado do pai faz questão de mostrar seu belo sorriso para todos os
que estão naquele cartório, e que certamente jamais o viram tão radiante com
algo. O olhar, entretanto, desvia-se dos convidados e vê, ainda que não por
iniciativa própria, o rosto lacrimejante de Virna. Bruno abaixa um pouco a
cabeça, sem desviar o frio olhar que passa a fazer enquanto mantém o sorriso.
Plínio, o pai do arqueólogo, é o único que nota sua expressão incomum, mas não
sente a presença da secretária no recinto.
-Ele está um pouco nervoso,
não é, meu amor?- Giovanna tem certeza de que a ansiedade faz Bruno demorar a
responder.
-Vou repetir a pergunta...
-Pra quê? Não é necessário.
Tenho convicção do que eu quero. E agora, o que eu quero é ser apenas seu- diz
à noiva, arrancando lágrimas de algumas moças.
-Por favor... – o juiz aponta
para as assinaturas dos noivos que deverão ser deixadas no momento. Giovanna,
com uma caneta oferecida pela autoridade, é a primeira a confirmar o
matrimônio. Sem olhar para trás, Bruno espera pela futura mulher.
-Atira! Atira! Mata esse
infeliz, atira!- uma voz fala para Virna, cada vez mais instável emocionalmente.
Mas Bruno assina.
-As testemunhas, por favor.
Virna vai se afastando
lentamente da varanda na qual está escondida e encosta na parede do edifício, escorregando
em seguida, de maneira lenta, sem crer no que estava prestes a fazer. Os noivos
unem as suas mãos e saem de mãos dadas. Bruno ainda olha para o alto, e vê que
sua ex-secretária caminha para trás. Com o intuito de manter o equilíbrio da
situação- sendo isto para ele possível- volta o seu rosto para Giovanna,
arrancando aplausos do público por intermédio de um beijo.
-Não pensei que viveria pra
casar o meu filho mais velho... Depois de tudo o que eu sofri- Plínio comenta
ao acompanhar o caçula, William.
-“Tá” falando do quê, pai?
-Esquece, meu filho. Pensei
alto demais.
Os noivos saem do cartório em
limusines diferentes. A que pertence à Giovanna vai na frente. Bruno
cumprimenta rapidamente os convidados, que vão para seus carros, esvaziando o
cartório. Virna continua desolada no primeiro andar. Volta para a varanda e vê
todos abandonarem o local. Põe a arma ao lado de seu rosto.
|||||
Valentina volta para casa.
Antes disso, encontra o marido na esquina de casa, numa comemoração com os
amigos.
-Achou tua irmã?
-Tinha acabado de pegar um
ônibus pra cidade. Mas é cheio de lugar que resolve essas coisas de casamento,
como é que eu ia ver a Virna? Só espero que ela não faça nenhuma besteira.
-Ou que o noivo não faça.
-Por que você “tá” me dizendo
isso?
-Valentina, sua irmã ficou
muito magoada com o que esse cara falou. Se ela aparece no casamento dele,
disposta a estragar tudo, sabe lá o que ele é capaz de fazer. Talvez, sei lá...
Dar uma recomendação pra que não arranje emprego em canto nenhum.
-Minha irmã tem capacitação,
fez curso, ganhou um diploma!
-Não vai servir de nada se
ele falar com as pessoas certas. Tua irmã tinha que ter ficado de bico calado.
Ao menos, garantia o emprego.
-E você acha que ela tem que
ficar calada? O tal do homem ficava consumindo o juízo de Virna, dando
esperança de que ia acontecer alguma coisa...
-Você vai me desculpar, meu
amor, mas não foi isso que eu entendi ela dizendo, não. Bruno nunca disse nada,
ela começou a gostar dele. Não teve culpa, “tá” certo, mas daí a ele atiçar é
fantasia da parte dela.
-Se é pra me deixar mais
nervosa com o que pode acontecer, conseguiu, Leandro. Conseguiu. Deixa eu ir
pra casa, porque é o melhor que eu faço.
|||||
Bruno chega à recepção ao
lado de Plínio e William, que atende ao celular.
-Pronto, ele chegou. Pode
vir.
-Quem era, meu filho?
-Uma surpresa pro Bruno.
-Pra mim? De quem?
Imagens feitas durante os
anos em que Giovanna e Bruno estiveram juntos são projetadas ao chão, ao som de
“Um dia, um adeus”. A bailarina aparece vestindo uma roupa branca. Bruno
percebe que todos os convidados a admiram pela surpresa preparada: ela o
convida para dançar antes dos demais. O rapaz, muitas vezes, deseja sair dali e
apenas poder abraçar a sua agora esposa, mas ela não deixa que o momento
planejado se estrague. E, dessa forma, ela o conduz sem problemas à
apresentação.
Revelada uma das qualidades
do rapaz- a de ser comandado, mesmo que por poucos instantes- o casal é
aplaudido veementemente, mais uma vez. Com descontentamento mal disfarçado,
Plínio sabe que é difícil agradar ao primogênito. Para ele, não vai ser o
casamento que o tornará um homem realizado.
|||||
O vigilante do cartório
espera pelo moço que vai substituí-lo no turno da noite. O segundo rapaz chega
e o cumprimenta.
-Demorasse demais.
-Foi o engarrafamento. Parece
que “tá” tendo protesto na cidade, deu no rádio. Desculpa a demora.
-Tem nada, não. Olha, eu vou
lá em cima pegar a mochila.
“Tá” certo, vá lá.
Eis que o vigilante tem que
passar pelo corredor que dá acesso à varanda na qual Virna se escondia para
atirar nos noivos. A luz está apagada. Ao se dirigir até o interruptor, sente
que pisa em um chão úmido. Tem uma surpresa desagradável quando acende a
lâmpada.
-Geraldo, vem cá, rápido!-
grita, fazendo com que o vigilante corra para saber o que é.
-O que foi?
-Cuidado pra não cair!- o
jovem vê que, sem querer, o vigilante fez pegadas no chão. De sangue.
-Mas o quê que é isso?
-Liga pra polícia- mede o
pulso da mulher que é encontrada morta na varanda e faz um sinal negativo.
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