-O senhor tem certeza do que
está afirmando? O senhor está acusando seu próprio filho de assassinato e de
desvio de dinheiro...
-Claro que não faz a menor
ideia do que “tá” falando, Iago. Por acaso, invadir delegacia é atitude de
gente normal?
-Não venha tirar o corpo
fora, não. Você não tem mais escapatória.
-Você é patético, Plínio...
Quer realmente convencer o delegado de que eu tenho culpa de um acidente de
carro que o Abílio sofreu? O carro dele ficou fazendo ziguezague na pista, caiu
de uma ponte, e ainda por cima explodiu antes de bater na água! Agora você vem
dizer que eu sou o culpado? O Abílio estava descontrolado, eu fui atrás dele
pra evitar que ele fizesse uma besteira! E vocês viram o que aconteceu, não
viram?
-Sinceramente, eu não sei o
que é mais inacreditável: essa estória estapafúrdia de que o carro do Abílio
explodiu do nada ou o seu pai vir aqui pra te acusar.
-Você tem que acreditar em
mim, eu não tenho nada a ver com a morte do Abílio.
-Como também não tem a ver
com a morte da Virna, há menos de uma semana? Bruno, não é coincidência demais
dois homicídios tendo você como suspeito?
-Não, não acho que seja
coincidência, não. Pra mim, é um complô pra me destruir!
-Bom mesmo que seu advogado
ainda não tenha chegado, você faz uma autodefesa incrível.
-Iago, eu não “tô” aqui pra brincadeira!
-Tampouco eu. E eu peço que
você se retire, porque vou aproveitar que seu pai tem o que falar, já que você
se recusa a ser ouvido.
-Mas ele “tá” mentindo!
-Seja como for, espere lá
fora. Já!
Sem alternativa, o rapaz
acaba saindo da sala de Iago.
|||||
Novaes serve um copo d’água
para Giovanna, que está sentada esperando notícias sobre Bruno.
-Será que vão demorar muito?
-Eu acho que vão, dona. O
caso do seu marido é muito sério.
Bruno aparece e estranha a presença
da esposa no local.
-Giovanna?
-Com licença- Novaes se
retira.
-Quem te trouxe pra cá?
-Eu vim com o seu pai.
-Mas eu falei pra ele não te
dizer nada...
-O Plínio não me disse nada.
Eu ouvi ele conversando com você pelo telefone. Tinha ido à casa dele pra saber
do seu paradeiro. O que é que “tá” acontecendo, Bruno?
-Meu amor, eu juro pelo que você
quiser que eu não tenho culpa do que “tá” acontecendo!
-Será que não?
-Que tom é esse, Giovanna?
-Primeiro, aquela moça que
morreu depois de te enviar mensagens românticas pelo computador. Depois, o
Abílio, que era o homem de confiança do instituto e melhor amigo do seu pai.
Duas mortes em pouco tempo. E a polícia sempre vem na sua direção. Você não
acha estranho tudo isso? Porque eu acho, e muito!
-Giovanna, eu sei que tudo
conspira contra mim, mas você não pode...
-Não posso o quê, Bruno?
Achar que o meu marido tem algo a ver com essas mortes? Isso se não for
absolutamente tudo?
-Por favor... Você não!
-Você saiu da casa do Plínio,
e foi pra casa daquele homem, mas pra fazer o quê? Me diz! O quê?
-Eu desconfiava de que alguma
coisa muito grave “tava” acontecendo no instituto, e soube que o Plínio tinha marcado
um jantar com o Abílio. Como meu pai tinha levado o William pro hospital, eu
acabei indo no lugar dele...
-Ah, quanta prontidão! Seu
pai está uma fera com você e, com certeza, ele não fazia ideia do que você
tinha planejado pra essa noite! O comentário daqui é que vocês dois corriam em
alta velocidade! Por que isso, hein? Por que ele “tava” fugindo de você?
-Eu não sei! Eu cheguei à
casa dele, e ele me convidou pra jantar! Quando toquei no assunto do instituto,
ele mudou da água pro vinho, ficou descontrolado, saiu correndo! Eu tive medo
de que ele cometesse alguma loucura!
-Não julgue os outros por
você.
-Qual é o seu problema? Fez
concurso da OAB? Virou promotora, advogada de acusação? O que é que há,
Giovanna?
-Eu vou te dizer o que é que
está acontecendo! Acontece que eu não “tô” conseguindo mais engolir esse
mistério que gira em torno de você! Se você não tiver mentindo, ao menos “tá”
escondendo alguma coisa, e muito mal!
-Será que vocês não conseguem
ver? Tudo isso é armação de alguém que quer me prejudicar! Eu juro que vi o
carro do Abílio explodir e eu não pude fazer nada!
-Chega, Bruno... Eu não posso
mais escutar nada hoje.
-Você continua sem acreditar
em mim? Como da vez em que você leu o e-mail no hotel de Curitiba?
-Se você estivesse no meu
lugar, também me cobraria explicações.
-Mas não com essa cara de
certeza. Porque você já me deu como culpado.
-O tempo vai dizer se eu
estou certa em desconfiar ou não. Mas o seu pai te conhece bem, e ele não está
tão certo assim da sua inocência nessa confusão toda.
-A pessoa que me conhece
melhor nessa vida sou eu mesmo. E se você dá crédito a um homem cuja relação
com o filho mais velho é espinhosa é porque, definitivamente, você não faz a
menor ideia do homem com o qual se casou.
-Tem razão. Eu não faço a
menor ideia. Pela primeira vez na minha vida, eu “tô” com medo de você. Muito
medo- coloca a bolsa no ombro e sai da delegacia.
-Giovanna... Giovanna!
|||||
Giovanna pega o carro na
porta da delegacia, onde Valentina está conversando com Leandro, e sente uma
vertigem. A irmã de Virna corre para ampará-la.
-“Tá” tudo bem?
-“Tá”... Acho que é pressão
baixa, não comi quase nada hoje... Ontem, não sei.
-Você não pode dirigir assim-
adverte Leandro.
-Eu faço o que eu tenho
vontade!- percebe a forma pouco educada com que fala com o delegado- Desculpe...
entra no carro e vai para casa.
-Parece que essa é a esposa
do infeliz.
-O que será que deixou ela
assim? A mulher “tá” cuspindo fogo em todo mundo!
-Com um marido daquele, boa
coisa eu sei que não foi! Pode ficar certo como dois e dois são quatro.
|||||
Depois de um pesadelo,
William vai até o quarto do pai, e vê que está quase amanhecendo. Estranha o
fato de não encontrá-lo, às quatro e quarenta e cinco da manhã.
-Pai?- vai até o banheiro
particular de Plínio- Pai, você “tá” aí?
Depara-se com uma gaveta, que
fica ao lado da cama de casal de Plínio. Resolve abrir algumas das gavetas, e
encontra alguns álbuns de fotografias. Ao folheá-los, acha um tanto quanto
curioso ver as imagens de Bruno quando criança, ao lado dos pais... Sorridente.
William também acha um diário
rosa, e o abre também. Na primeira página, o nome de sua falecida mãe- o que
lhe faz sorrir levemente. Vai passando algumas das folhas, encontra marcas de
batom e pétalas de rosas secas.
O que chama a sua atenção são
páginas amassadas,quase rasgadas, e com as letras trêmulas. A que ele lê com
atenção diz o seguinte:
-Hoje, a esposa do Plínio nos
viu juntos. Estávamos os dois, no quarto dela. Ela disse que havia sentido o
cheiro do meu perfume desde que chegou à sala. Pensei que ela ia ficar
revoltada, mas não. Chorou calada, e saiu. Pode ser que agora o Plínio não
volte mais pra mim, deve ter tentado se reconciliar com a mulher. Estou muito
nervosa, esperando ele me dar algum sinal de vida.
-A minha mãe e a mãe do
Bruno?
|||||
Horas depois, Novaes leva
Bruno para a sala de Iago, que o espera em sua mesa.
-Sente-se.
-Bom, já são sete horas da
manhã. Não vou sair daqui mais, não?
-Vai, sim. Não há motivo
nenhum pra te manter aqui, a não ser que você me resolva confessar alguma
coisa.
-Não, delegado. Nem mesmo um
padre teria estômago pra me ouvir, durante horas, fazendo uma confissão
sobre... O nada!
-Claro que você teria sido
liberado há mais tempo, se não fosse o depoimento surpresa do Plínio
Reinchenbach. Quem diria que seu pai seria a mais incômoda pedra no seu sapato?
-Já posso sair, Iago?
-Antes eu queria mostrar uma
coisa a você, pode ser?
-Não!- levanta-se para sair
da sala.
-Reconhece isso daqui?- Iago
mostra um saco plástico transparente, com um objeto amarelo amassado.
-O que é isso?
-Ora, eu quero que você me
diga.
-Se me der um jornal, termino
uma caça-palavras da Coquetel em cinco minutos. Isso daí parece um ferro velho.
-Bruno, esse é um resto de
capa cilíndrica, encontrado próximo aos destroços do carro onde o Abílio
estava.
-Capa cilíndrica? E o que
isso interessa na investigação?
-Tudo! Isso faz parte da
bomba que foi implantada dentro do carro.
-Não pode ser... Quer dizer
que...
-Quero dizer que se o Abílio
não tivesse caído no rio, ele certamente teria morrido porque alguém detonou
uma bomba que estava no carro.
-Mas esse detalhe é
importante! Mostra que eu não posso ter o controle que detonou essa bomba! Por
isso, eu não teria motivos pra matar o Abílio.
-Será que não tinha? Que não
sabia como detoná-la?
-Você fumou crack? LSD? Qual é o seu problema, meu
filho?
-Problema quem tem é você, e
grave! Essa não era uma bomba qualquer, Bruno. Essa bomba seria detonada, há
alguns meses atrás, para a construção de uma rodovia que pretendia ocupar parte
do Parque Nacional da Serra do Catimbau, no final do ano passado. Algumas das
montanhas, apesar da intensa erosão, teriam que ser removidas. Só não foram
porque o projeto recuou diante das mais diversas manifestações promovidas por
arqueólogos ligados ao Instituto Mentes, uma das maiores referências em
Arqueologia no país.
-Não pode ser... O que essa
conversa mole tem a ver com a morte do Abílio?
-Me deixa terminar? Obrigado.
Então... Apesar de ser uma área protegida, o governo estadual tentou tirar
parte do parque pra construir essa rodovia. Só que aí você encabeçou essa campanha
para a total preservação da área, e mobilizou a opinião pública.
-Alguém tinha que se
interessar por Arqueologia nesse país além de mim, não é?
-Tinha, sim. E você quis
exibir o seu trunfo, a sua vitória. Como uma espécie de recordação, você voltou
para casa e deu entrevistas no Instituto Mentes trazendo uma lembrança da quase
remoção das montanhas do parque: um dos explosivos.
-Espera... Você “tá” tentando
me dizer que...
-Que a bomba, que estava desativada
e guardada no seu escritório, foi usada pra assassinar o Abílio. E contando com
o surpreendente depoimento de seu pai, eu vou perguntar mais uma vez: a quem você
acha que vai convencer declarando inocência, Bruno?
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