22/10/2014

MENTES/ CAPÍTULO 8: COISAS QUE FICARAM, MUITO TEMPO, POR DIZER

-O senhor tem certeza do que está afirmando? O senhor está acusando seu próprio filho de assassinato e de desvio de dinheiro...
-Claro que não faz a menor ideia do que “tá” falando, Iago. Por acaso, invadir delegacia é atitude de gente normal?
-Não venha tirar o corpo fora, não. Você não tem mais escapatória.
-Você é patético, Plínio... Quer realmente convencer o delegado de que eu tenho culpa de um acidente de carro que o Abílio sofreu? O carro dele ficou fazendo ziguezague na pista, caiu de uma ponte, e ainda por cima explodiu antes de bater na água! Agora você vem dizer que eu sou o culpado? O Abílio estava descontrolado, eu fui atrás dele pra evitar que ele fizesse uma besteira! E vocês viram o que aconteceu, não viram?
-Sinceramente, eu não sei o que é mais inacreditável: essa estória estapafúrdia de que o carro do Abílio explodiu do nada ou o seu pai vir aqui pra te acusar.
-Você tem que acreditar em mim, eu não tenho nada a ver com a morte do Abílio.
-Como também não tem a ver com a morte da Virna, há menos de uma semana? Bruno, não é coincidência demais dois homicídios tendo você como suspeito?
-Não, não acho que seja coincidência, não. Pra mim, é um complô pra me destruir!
-Bom mesmo que seu advogado ainda não tenha chegado, você faz uma autodefesa incrível.
-Iago, eu não “tô” aqui pra brincadeira!
-Tampouco eu. E eu peço que você se retire, porque vou aproveitar que seu pai tem o que falar, já que você se recusa a ser ouvido.
-Mas ele “tá” mentindo!
-Seja como for, espere lá fora. Já!
Sem alternativa, o rapaz acaba saindo da sala de Iago.

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Novaes serve um copo d’água para Giovanna, que está sentada esperando notícias sobre Bruno.
-Será que vão demorar muito?
-Eu acho que vão, dona. O caso do seu marido é muito sério.
Bruno aparece e estranha a presença da esposa no local.
-Giovanna?
-Com licença- Novaes se retira.
-Quem te trouxe pra cá?
-Eu vim com o seu pai.
-Mas eu falei pra ele não te dizer nada...
-O Plínio não me disse nada. Eu ouvi ele conversando com você pelo telefone. Tinha ido à casa dele pra saber do seu paradeiro. O que é que “tá” acontecendo, Bruno?
-Meu amor, eu juro pelo que você quiser que eu não tenho culpa do que “tá” acontecendo!
-Será que não?
-Que tom é esse, Giovanna?
-Primeiro, aquela moça que morreu depois de te enviar mensagens românticas pelo computador. Depois, o Abílio, que era o homem de confiança do instituto e melhor amigo do seu pai. Duas mortes em pouco tempo. E a polícia sempre vem na sua direção. Você não acha estranho tudo isso? Porque eu acho, e muito!
-Giovanna, eu sei que tudo conspira contra mim, mas você não pode...
-Não posso o quê, Bruno? Achar que o meu marido tem algo a ver com essas mortes? Isso se não for absolutamente tudo?
-Por favor... Você não!
-Você saiu da casa do Plínio, e foi pra casa daquele homem, mas pra fazer o quê? Me diz! O quê?
-Eu desconfiava de que alguma coisa muito grave “tava” acontecendo no instituto, e soube que o Plínio tinha marcado um jantar com o Abílio. Como meu pai tinha levado o William pro hospital, eu acabei indo no lugar dele...
-Ah, quanta prontidão! Seu pai está uma fera com você e, com certeza, ele não fazia ideia do que você tinha planejado pra essa noite! O comentário daqui é que vocês dois corriam em alta velocidade! Por que isso, hein? Por que ele “tava” fugindo de você?
-Eu não sei! Eu cheguei à casa dele, e ele me convidou pra jantar! Quando toquei no assunto do instituto, ele mudou da água pro vinho, ficou descontrolado, saiu correndo! Eu tive medo de que ele cometesse alguma loucura!
-Não julgue os outros por você.
-Qual é o seu problema? Fez concurso da OAB? Virou promotora, advogada de acusação? O que é que há, Giovanna?
-Eu vou te dizer o que é que está acontecendo! Acontece que eu não “tô” conseguindo mais engolir esse mistério que gira em torno de você! Se você não tiver mentindo, ao menos “tá” escondendo alguma coisa, e muito mal!
-Será que vocês não conseguem ver? Tudo isso é armação de alguém que quer me prejudicar! Eu juro que vi o carro do Abílio explodir e eu não pude fazer nada!
-Chega, Bruno... Eu não posso mais escutar nada hoje.
-Você continua sem acreditar em mim? Como da vez em que você leu o e-mail no hotel de Curitiba?
-Se você estivesse no meu lugar, também me cobraria explicações.
-Mas não com essa cara de certeza. Porque você já me deu como culpado.
-O tempo vai dizer se eu estou certa em desconfiar ou não. Mas o seu pai te conhece bem, e ele não está tão certo assim da sua inocência nessa confusão toda.
-A pessoa que me conhece melhor nessa vida sou eu mesmo. E se você dá crédito a um homem cuja relação com o filho mais velho é espinhosa é porque, definitivamente, você não faz a menor ideia do homem com o qual se casou.
-Tem razão. Eu não faço a menor ideia. Pela primeira vez na minha vida, eu “tô” com medo de você. Muito medo- coloca a bolsa no ombro e sai da delegacia.
-Giovanna... Giovanna!

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Giovanna pega o carro na porta da delegacia, onde Valentina está conversando com Leandro, e sente uma vertigem. A irmã de Virna corre para ampará-la.
-“Tá” tudo bem?
-“Tá”... Acho que é pressão baixa, não comi quase nada hoje... Ontem, não sei.
-Você não pode dirigir assim- adverte Leandro.
-Eu faço o que eu tenho vontade!- percebe a forma pouco educada com que fala com o delegado- Desculpe...  entra no carro e vai para casa.
-Parece que essa é a esposa do infeliz.
-O que será que deixou ela assim? A mulher “tá” cuspindo fogo em todo mundo!
-Com um marido daquele, boa coisa eu sei que não foi! Pode ficar certo como dois e dois são quatro.

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Depois de um pesadelo, William vai até o quarto do pai, e vê que está quase amanhecendo. Estranha o fato de não encontrá-lo, às quatro e quarenta e cinco da manhã.
-Pai?- vai até o banheiro particular de Plínio- Pai, você “tá” aí?
Depara-se com uma gaveta, que fica ao lado da cama de casal de Plínio. Resolve abrir algumas das gavetas, e encontra alguns álbuns de fotografias. Ao folheá-los, acha um tanto quanto curioso ver as imagens de Bruno quando criança, ao lado dos pais... Sorridente.
William também acha um diário rosa, e o abre também. Na primeira página, o nome de sua falecida mãe- o que lhe faz sorrir levemente. Vai passando algumas das folhas, encontra marcas de batom e pétalas de rosas secas.
O que chama a sua atenção são páginas amassadas,quase rasgadas, e com as letras trêmulas. A que ele lê com atenção diz o seguinte:
-Hoje, a esposa do Plínio nos viu juntos. Estávamos os dois, no quarto dela. Ela disse que havia sentido o cheiro do meu perfume desde que chegou à sala. Pensei que ela ia ficar revoltada, mas não. Chorou calada, e saiu. Pode ser que agora o Plínio não volte mais pra mim, deve ter tentado se reconciliar com a mulher. Estou muito nervosa, esperando ele me dar algum sinal de vida.
-A minha mãe e a mãe do Bruno?

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Horas depois, Novaes leva Bruno para a sala de Iago, que o espera em sua mesa.
-Sente-se.
-Bom, já são sete horas da manhã. Não vou sair daqui mais, não?
-Vai, sim. Não há motivo nenhum pra te manter aqui, a não ser que você me resolva confessar alguma coisa.
-Não, delegado. Nem mesmo um padre teria estômago pra me ouvir, durante horas, fazendo uma confissão sobre... O nada!
-Claro que você teria sido liberado há mais tempo, se não fosse o depoimento surpresa do Plínio Reinchenbach. Quem diria que seu pai seria a mais incômoda pedra no seu sapato?
-Já posso sair, Iago?
-Antes eu queria mostrar uma coisa a você, pode ser?
-Não!- levanta-se para sair da sala.
-Reconhece isso daqui?- Iago mostra um saco plástico transparente, com um objeto amarelo amassado.
-O que é isso?
-Ora, eu quero que você me diga.
-Se me der um jornal, termino uma caça-palavras da Coquetel em cinco minutos. Isso daí parece um ferro velho.
-Bruno, esse é um resto de capa cilíndrica, encontrado próximo aos destroços do carro onde o Abílio estava.
-Capa cilíndrica? E o que isso interessa na investigação?
-Tudo! Isso faz parte da bomba que foi implantada dentro do carro.
-Não pode ser... Quer dizer que...
-Quero dizer que se o Abílio não tivesse caído no rio, ele certamente teria morrido porque alguém detonou uma bomba que estava no carro.
-Mas esse detalhe é importante! Mostra que eu não posso ter o controle que detonou essa bomba! Por isso, eu não teria motivos pra matar o Abílio.
-Será que não tinha? Que não sabia como detoná-la?
-Você fumou crack? LSD? Qual é o seu problema, meu filho?
-Problema quem tem é você, e grave! Essa não era uma bomba qualquer, Bruno. Essa bomba seria detonada, há alguns meses atrás, para a construção de uma rodovia que pretendia ocupar parte do Parque Nacional da Serra do Catimbau, no final do ano passado. Algumas das montanhas, apesar da intensa erosão, teriam que ser removidas. Só não foram porque o projeto recuou diante das mais diversas manifestações promovidas por arqueólogos ligados ao Instituto Mentes, uma das maiores referências em Arqueologia no país.
-Não pode ser... O que essa conversa mole tem a ver com a morte do Abílio?
-Me deixa terminar? Obrigado. Então... Apesar de ser uma área protegida, o governo estadual tentou tirar parte do parque pra construir essa rodovia. Só que aí você encabeçou essa campanha para a total preservação da área, e mobilizou a opinião pública.
-Alguém tinha que se interessar por Arqueologia nesse país além de mim, não é?
-Tinha, sim. E você quis exibir o seu trunfo, a sua vitória. Como uma espécie de recordação, você voltou para casa e deu entrevistas no Instituto Mentes trazendo uma lembrança da quase remoção das montanhas do parque: um dos explosivos.
-Espera... Você “tá” tentando me dizer que...
-Que a bomba, que estava desativada e guardada no seu escritório, foi usada pra assassinar o Abílio. E contando com o surpreendente depoimento de seu pai, eu vou perguntar mais uma vez: a quem você acha que vai convencer declarando inocência, Bruno?



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