14/10/2014

MENTES/ CAPÍTULO 2: BASTA UM GESTO E EU ESQUEÇO O RESTO

Plínio encontra Abílio no banheiro da casa de festas onde é realizada a celebração do matrimônio de Giovanna e Bruno.
-Fugindo de mim, Abílio?
-Que pergunta é essa?
-Ontem você não apareceu no instituto.
-O trânsito estava horrível, perdi três horas no engarrafamento.
-Mas hoje de manhã fluiu normalmente, e você não compareceu ao trabalho.
-Acreditei que muita gente não iria. Sabe como é? Coisas do casamento do seu filho...
-Abílio, em todos esses anos, quando você ficava doente, eu insistia pra que você descansasse em casa. Mas você recusava, porque odiava faltar ao trabalho. Hoje, você decidiu não vir porque ninguém vinha?
-Não acho que seja o lugar pra que você exercite a sua veia de patrão, nem eu a minha de empregado.
-Quem disse que estamos conversando como empregados, como funcionários do instituto? Estou falando como amigo, te considerando como o amigo que sempre foi.
-Bom, se é assim, não existem motivos para eu fugir de você. Muito menos pra essa abordagem.
-Pior ainda. Porque se não existem motivos, continuo sem entender por que você se esquiva.
-Está bem- fala com pesar- Se você quer saber...
-O que está acontecendo tem a ver com a investigação que pedi pra você fazer, não é?
-Plínio, eu nem sei por onde começar...
-Sem rodeios, Abílio! O que houve?
-Descobri que existe um rombo nas finanças do Instituto Mentes.
-Como isso é possível?
-Ao que parece, a remessa de subsídios que o Governo Federal deu para financiar as pesquisas é duas vezes maior que o valor do qual precisávamos.
-Sendo assim... Onde está o dinheiro?
-Isso é o que eu ainda não consegui descobrir. Será necessário checar todas as contas dos funcionários que trabalham lá dentro. Mas se o dinheiro tiver ido parar num paraíso fiscal, será mais difícil de recuperá-lo.
-O Governo Federal pediu pra prestarmos conta dessa quantia?
-Por enquanto, só eu descobri. Mas fico com medo de que o governo saiba.
-Espera, você disse que tínhamos um problema, um rombo nas finanças... Por que disse isso?
-Além de termos recebido o dobro do quantitativo necessário, eu fiz as contas e descobri que 90% do que o instituto precisava foi aplicado. Ainda não foi realizada a expedição por conta disso.
-E por que você não disse nada antes?
-Porque sou seu amigo. Conheço você o suficiente pra saber que seria capaz de cometer uma loucura se soubesse o quanto antes. Procurava o melhor momento, a melhor forma de poder te dizer isso.
-Conta outra, Abílio. Por que eu precisaria ser poupado?
-Porque quem negociou a quantia com o Governo Federal foi seu filho.
-O Bruno?
-Se ele não tiver sido vítima de um golpe, então é ele que pode explicar o paradeiro desse dinheiro.
-Bruno? Não, é impossível...
-Também tive essa reação, Plínio. Por isso estava tão reticente em contar o que sabia.
-Como você queria que eu descobrisse? Quando a polícia fosse buscá-lo pra prestar depoimento, no próprio instituto? Ah, mas aquele moleque vai me ouvir, e vai ser agora!
-Não faça isso!
-Me larga!
-Ponha a cabeça no lugar! Bruno pode ter sido vítima de um golpe, talvez de alguém que trabalha no próprio instituto.
-Eu nãoacredito! Ele estava tenso, sempre ficava assim quando falava da reunião que teria com você!
-Não faça um escândalo. Espere a lua de mel de Bruno terminar, e daí você conversa com ele.
-Não vou poupá-lo. Se eu descobrir que a culpa é realmente dele, não vou poupá-lo.
-Ouça bem o que está dizendo, Plínio! É o seu filho, não seu inimigo.
-Mas essa é a visão que ele tem de mim. Você está certo, Abílio. Assim que essa lua de mel terminar, eu vou colocar o Bruno contra a parede.

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Leandro está vendo TV na sala com Valentina quando recebe uma ligação de Iago, colega na delegacia em que atua.
-Leandro?
-Quem fala?
-Sou eu, Iago Pereira.
-E aí, Iago? Algum problema?
-Desculpa ter te ligado a essa hora, no dia da sua folga, mas é que o assunto é realmente urgente.
-Prenderam aquele rapaz que explodiu o caixa eletrônico da agência de Piedade?
-Não, é uma coisa mais séria. Desculpa perguntar, mas... Como é difícil falar disso com você.
-Para de me enrolar, Iago. O que foi?
-Leandro, sua mulher “tá” em casa.
-Sim, está.
-Tem certeza?
-“Tá” aqui ao meu lado, vendo televisão... Ô, Iago, me explica o que “tá” acontecendo.
-Então, é mais assustador do que eu pensava.
-Fala de uma vez, pomba!
-Dois guardas, do Cartório da Boa Vista, encontraram o corpo de uma mulher. Quando cheguei aqui, tomei um susto. Pensei que era sua esposa.
-Espera, você... Não pode ser... Isso não pode ter acontecido.
-Foi alguma coisa com a minha irmã, não foi? Eu “tô” sentindo, Leandro! “Tô” sentindo uma coisa ruim desde a hora que ela saiu de casa, fala!
-Me espera, deixa eu falar com quem “tá” do outro lado!
-Valentina, calma!
-Alô? Alô, quem está falando? Valentina, é você?
-Por favor, venham pra cá, o mais rápido possível. Daqui a pouco, o carro do IML chega pra recolher o corpo.
-Corpo?
-Valentina, me dá esse telefone, deixa que eu resolvo isso... Iago, me dá o endereço do cartório, que eu vou anotar.
-Eu vou com você!

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Sozinho na mesa, William espera o pai voltar do banheiro. Bruno cumprimenta alguns convidados e senta ao lado do irmão menor em seguida.
-E o Plínio?
-Foi ao banheiro.
-Não estava com o Abílio, não?
-“Tava” sozinho.
-Menos mal.
-Por que você só chama ele assim?
-Assim como, moleque?
-Não chama de “pai”.
 -Por não achar que ele mereça. É minha opinião, algum problema contra?
-Na boa, não te entendo, Bruno. A gente não podia ter pai melhor.
-Fale por você, William. As minhas experiências com ele são suficientes pra não querer chegar nem perto dele.
-Não quer chegar perto e morar no mesmo lugar?
-A casa é minha. “Tá” no meu nome, e eu deixo vocês morarem de favor. Foi a minha mãe que deixou pra mim. Só que... Quando ela morreu, eu tinha a sua idade, meu pai que tomou conta de tudo.
-Pelo menos você teve a sua mãe.
-Não se lamente. Conhecendo a sua mãe, posso dizer que você não perdeu grande coisa.
-Você me odeia, não é?
-Não suporto você, essa que é a verdade.
-Por quê? Eu sou teu irmão, Bruno.
-Doze anos e ainda tem muito pra aprender... Pobre William. Se você soubesse o que eu sei, esse respeito que você tem pelo Plínio acabaria num passe de mágica. Quer que eu conte tudo?
-Tudo o quê?
-Meu amor, vamos?- Giovanna abraça o marido.
-Vamos, sim, meu bem.
-Pra onde vocês vão?
-A gente vai sair à francesa- explica Giovanna.
-O que é isso?
-Sair sem ninguém perceber, não dar satisfação, meu irmãozinho. Mais ou menos o que eu faço todo dia. Se cuida, “mano”- passa a mão na cabeça de William, assustando-lhe com sua falsidade na frente da esposa.

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Cai uma chuva forte na madrugada curitibana. O clima, numa combinação perfeita, também contribui para o romance de Bruno e Giovanna. Ambos estão num táxi, quase sem direção por conta da forte neblina que assola a avenida.
-Falta muito pra chegar ao hotel?- Giovanna pergunta ao taxista, enquanto Bruno está tendo uma ideia romântica.
-Uns dez minutos, senhora.
-Quando é que “tá” marcando o taxímetro, meu senhor?
-Trinta e nove reais, rapaz. Era pra marcar menos, mas já é bandeira dois, o trânsito sem enxergar quase nada...
-Vamos fazer um trato: quer ganhar o dobro disso?- tira dinheiro do bolso e entrega ao motorista- deixa as nossas malas no hotel que indiquei. Agora para o carro.
-Que loucura é essa, Bruno?
-Pode dirigir sem medo, deixa as malas lá que nós já chegamos. Vem comigo.
-Meu amor, aonde você vai?
-Aonde nós vamos, isso sim. Obrigado- abre a porta e puxa a esposa para debaixo de um céu nublado.
-Nossas malas, Bruno!
-Não se preocupa. Eu não queria esperar pra gente ficar a sós.
-A chuva, Bruno.
-Deixa. Eu não me importo. Também não me importo em dizer que eu te amo, e que a partir de hoje, eu te desejo cada vez mais.
-Você não existe...
-Existo, sim. Vem me descobrir.
-Eu acho que não preciso descobrir mais nada sobre você. É por isso que eu te amo.
-Não. Você me ama porque sabe que comigo sempre haverá uma surpresa.
-O que você me reserva, então?
-Pra você, nada. Reservo pra nós dois. Esse lugar, essa vista, esse clima... Toda uma vida.
-Cada vez mais eu me convenço de que eu não precisava duvidar: você é o homem da minha vida. Eu te amo- tenta beijá-lo.
-Não. Nada de beijo. Detesto esse tipo de final, até porque nós só estamos começando uma trajetória. Vem.
Bruno puxa a sua mulher pelo braço e corre pelas ruas úmidas da capital paranaense, experimentando uma liberdade da qual ele mesmo se priva. Conhecendo uma faceta nova do marido, Giovanna aceita o jogo proposto e se entrega à felicidade.

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O Instituto Médico Legal acaba de receber o corpo que foi encontrado pelos vigilantes do cartório. Valentina e Leandro chegam ao local, e Iago está esperando por eles.
-Onde é que ela está?
-Calma. O carro do IML trouxe agora, está guardado.
-Eu quero ver o quanto antes. Eu não sei o que é, mas eu “tô” sentindo. Por que Virna não deu notícias até uma hora dessas?
-Meu amor... A gente não sabe se é ela mesmo. Fica tranquila.
-Olha, eu não queria ter de dizer isso a vocês... Mas, olhando pra sua esposa... Eu não tenho dúvidas- Iago diz, deixando Valentina ainda mais desesperada.
-É aquele ali, que “tá” chegando no carro?- pergunta a jovem, desesperada.
-É. Ele mesmo. Acompanhei o carro do IML até aqui.
-Valentina, se acalma, por favor.
-Me deixa chegar perto, Leandro.
-Mas você não está em condições de reconhecer corpo nenhum... Talvez nem seja a Virna.
-A minha irmã não ia me deixar desse jeito, preocupada. Fizeram alguma coisa com ela, eu sei- dá alguns passos em direção ao corpo, que está sendo retirado.
-Deixa eu ir com você...
-Não, Leandro. Ela está nervosa. O melhor é deixar que ela veja sozinha se é mesmo a irmã dela- afirma Iago.
Dois rapazes vão tirando cuidadosamente o cadáver e colocando numa maca, até que Valentina faz um sinal e eles entendem que ela pode ser familiar da moça morta. Um deles, ao perceber a jovem esposa de Leandro perto do carro, abre devagar o saco no qual está a jovem.
Leandro ainda está longe, por influência de Iago. Mas não deixa de perceber o choque sofrido pela esposa em meio à dor de ver aquele rosto idêntico ao seu.

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São onze horas da manhã. Giovanna levanta e contempla Bruno dormindo por alguns minutos. Em silêncio, vai até o computador instalado no quarto do hotel onde estão hospedados. Sozinha, ainda ri da roupa molhada jogada ao chão.
A professora de balé acessa as redes sociais: a maior parte dos posts tem relação com o seu casamento. Diversas fotos, registradas pelos convidados da festa, foram publicadas. Giovanna abre um novo sorriso e entra na sua conta de e-mail, sob a expectativa de encontrar mais imagens. De fato, é o que vê: muitas fotografias, e alguns vídeos, da cerimônia e da celebração.
Mas um e-mail chama a atenção, em meio a tantos que recebeu: na manhã anterior, a pouquíssimos minutos do casamento, Virna enviou um texto, em cópia oculta. O destinatário principal era Bruno.
-Sei que você pode ter visto o meu nome e ignorado o que estou escrevendo. Mas se ler, peço que preste atenção até a última palavra. Não se case sabendo que aquilo que você procura em sua noiva pode encontrar em mim: o amor por você. Se você prosseguisse sem saber do que sinto, entenderia suas razões. Mas você sabe, e muito bem.
Peço que não despreze esse e-mail como fez comigo ontem. Embora eu sinta sua falta, meu amor não diminuiu nem um pouco. Eu sei que não vai demorar pra você se cansar, e você vai se cansar... Pra me procurar. Fique tranquilo: eu vou esperar. Aprendi isso com você, quando está obstinando a conquistar alguma coisa. Ou alguém. Um beijo apaixonado. Virna.
Bruno acorda, se levanta e, sem saber o que acontece, abraça Giovanna.
-Bom dia, meu amor.
-Há quanto tempo, Bruno? Desde quando você se envolve com essa tal de Virna?
-Virna? Meu amor, do que você “tá” falando?
-Eu conheço seu olhar. Sei que você está mentindo, que esse nome não é estranho pra você. Há quanto tempo você desperta amor nessa cretina? Hein? Fala!
-Giovanna, o que é que “tá” acontecendo? Me explica, por favor, que eu não entendo...
-Isso é o que eu não estou entendendo: uma mulher desconhecida trocar mensagens de amor com o meu marido minutos antes de ele se casar comigo, se declarando, colocando todo o seu amor à prova pra que ele não a deixe. Eu não tenho explicações pra dar, Bruno. Mas você tem.

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